Andando por África
ZIMBABWE (EX RODÉSIA DO SUL)
1972, quando lá fui,
ainda a capital era Salsbury, terra de apartheid, mas... desenvolvida,
arrumada. Hoje o país é Zimbabwe e a capital Harare.
Um apartheid
“ligeiro”, porque nos hotéis onde fiquei havia sempre, como clientes uns
africanos. O que não acontecia na África do Sul.
Fomos a uma
espécie de “feira” em Bulawayo, que o Ian Smith teria convencido, a que
industriais de Angola e Moçambique lá expusessem os seus produtos, à procura de
credibilidade para um governo isolado que o mundo inteiro não reconhecia.
A Mac-Mahon, 2M, expos cerveja e lá fui eu estar uns dois ou três
dias...
A Feira foi
inaugurada pelo “presidente”, Clifford Dupont, simpático, mais ainda a mulher dele, uma
bonita ex aeromoça da BA, que conversou com todos os expositores
estrangeiros... que não eram mais de 3 ou 4.
Num dos hotéis o restaurante tinha uma
espécie de “jogo americano”, em papel, muitíssimo interessante, com um mapa da
região e algumas indicações sobre história e minérios. Num repente entendi que
tinha havido em tempos dos faraós, ligações com aquela área, porque ambos tinham
o escaravelho como animal sagrado
relacionado com o deus Kefri, responsável pelo movimento do sol,
arrastando-o pelo horizonte; no crepúsculo, o sol (o deus Rá) morria, ia para o
outro mundo; depois, o escaravelho renovava o sol no amanhecer. Fiquei muito
entusiasmado com essa “descoberta”, que ninguém com quem falei jamais tinha
relacionado.
No restaurante pedi que me dessem dois ou
três desses “americanos” que guardei tão bem que... infelizmente
desapareceram!
Não podia deixar de ir visitar as ruinas do Great Zimbabwe, que
deram origem à lenda das Minas de Salomão, uma construção impressionante por
ser quase única na África ao sul do Equador.
Muita lenda envolve, mas pela
configuração da construção e pela localização, dá a sensação de ser um lugar
onde as caravanas de escravos descansavam, quando os levavam para o litoral,
para os mercadores árabes. O interior muito bem defendido, paredes altíssimas,
e para lá se entrar tem que se percorrer um corredor de meia dúzia de metros
onde só passa uma pessoa de cada vez. Melhor proteção contra “ladrões de
escravos” não havia.
E ao lado, num cabeço estratégico, um
forte para vigiar possíveis assaltantes.
Muito, muito interessante.
Aproveitei ainda para ir ver as Quedas
Vitória, que tinha sobrevoado na TAP quando fui a primeira vez a Moçambique,
enjoadíssimo, no avião!
A quilómetros de distância avista-se uma
neblina no ar e logo se começa a ouvir o barulho as água. Desta vez sobrevoei
num pequeno avião.
Na língua tonga, chamam-lhe Mosi-o-Tunya a fumaça que troveja.
É um espetáculo
deslumbrante.
SUAZILÂNDIA
A Suazilândia é
um pequeno país, um reino. Quando lá estive, várias vezes, reinava o King
Shobuza II, com o título honorífico de "Bull of Swazi" por causa da imensa
descendência. Teve 70 mulheres, 210 filhos de que sobreviveram só
180 e quando morreu tinha mais de 1000 netos!
Se os europeus fizessem o mesmo não
precisavam importar muçulmanos!
A população lá cresce bem, ao ponto de o
rei ter, por decreto, proibido as relações sexuais por cinco anos !!! Não deixa
de ser um país bem curioso!
Hoje o rei é o Mswati III, tem 36 anos, e
ainda só conseguiu 15 mulheres e 23 filhos. Olhem como o rapaz é jeitoso. Quem
se habilita a ser a 16ª?
País pequeno,
bonito, mudou de nome para Reino de
eSwatini, Eswatini.
Montanhoso, clima magnífico, chamavam-lhe
a Suíça Africana. Tem casino, um pequeno parque de caça que achei uma jóia, e
produz cana, abacaxi e outras frutas, além de ter diamantes e ouro, mas o PIB
per capita é baixo.
Da primeira vez fui com uns amigos cuja
finalidade era o jogo na casino, coisa que eu não gosto.
Mais tarde, convidado pela Coca-Cola,
fomos a uma convenção, e por último, em 2001, já com o novo rei (!) fui renovar
o visto para ficar mais uns dias em Moçambique, onde o Consul de Moçambique foi
amabilíssimo.
Sexo quase livre, como se vê pelos
exemplos reinóis é o país com maior taxa de AIDS do mundo, e como 70% da
população vive da agricultura... aí no mato então...
ÁFRICA DO SUL
Estive pela
primeira vez à África do Sul em 1954 quando fui fazer um estágio na fábrica da
Massey-Harris, máquinas agrícolas, em Vereeniging. Ficámos num hotel ótimo, com
campo de golfe, e lá estivemos duas semanas.
Eu já conhecia
praticamente todas aquelas máquinas, mas é sempre bom vê-las em construção.
No primeiro dia,
visita à fábrica, grande, deparo-me com um espetáculo inesquecível na seção de
caixotaria, de onde praticamente tudo era expedido, embalado em caixotes ou
grades de madeira.
Armazém grande, meia dúzia de
operários, todos africanos, preparavam esses caixotes. Recebiam as tábuas já
cortadas, e de acordo com planos estabelecidos só tinham que as pregar para as
transformar em caixas.
Cada homem em sua caixa, martelo e
pregos para cada um. Todos em silêncio. A voz ali não fazia falta.
Um deles, à vez, dava a primeira
martelada e logo em seguida, em ritmo de batuque, de dança, todos martelavam o
mesmo número de pancadas nos pregos. Quando um terminava, terminavam todos.
Novo prego, novo sinal de partida, mais um pouco de batuque, e por aí adiante.
Nessa visita, acompanhado de mais
oito visitantes, foi tal o meu espanto, admiração e entusiasmo por esse
concerto de música que me deixei ali ficar uma porção de tempo, e acabei por me
perder do grupo. Mas foi um espetáculo sensacional, e único, que não dá para
esquecer.
Voltei muita vez àquele país.
Em 1963 alguém da Cuca
lembrou-se que a África do Sul devia ser um grande consumidor de cerveja
(era) e que podíamos tentar exportar para lá.
Responsável
pela área comercial da companhia, fui eu.
Em Johannesburg
o Consul Geral era casado com uma irmã do tio Zé Perestrelo que eu conhecia
bem. Foi muito prestável e útil e arranjou-me um contato que se revelou a chave
do “cofre”, e num domingo fui almoçar a casa deles. Muito simpáticos.
Segunda de
manhã tinha um carrão à porta do hotel. Era do tal “big boss” dono de
uma grande empresa, distribuidora dos charutos Ritmeester e algo mais, negócio
grande, e estaria interessado em alargar o seu leque de produtos. Mandou o seu
carrão para me buscar.
Pela maneira
como lhe expus o problema ficou bastante interessado, gostou da minha
apresentação e abriu-me as portas para os trinta e tantos representantes de
vendas que tinha no país, Zâmbia e Rodésia do Sul. Parecia que logo de entrada
eu dera um tiro na mosca. Veremos.
A seguir Durban
onde o Consul, meu amigo de toda a vida também irmão do tio Zé Perestrelo e a
mulher eu conhecia desde criança, extremamente simpática e ativa auto nomeou-se
minha ajudante, e motorista! Levava as duas filhas de manhã ao colégio, depois
vinha buscar-me ao hotel e ia comigo fazer as necessárias visitas. Um encanto e
uma boa disposição especial.
Segui para Cape
Town, e para variar costumava ir falar com a Consul de Portugal para me
orientar. Este eu não conhecia, mas no meio da conversa diz-me: “A minha
mulher conhece-o bem!” Achei estranho e fiquei meio sem graça, mas
perguntei quem era. Rosário Vaz. Tinha feito o curso de aeromoça da TAP com a
tia Licas, com quem por vezes nos encontrámos. Coincidência simpática,
Convidou-me para jantar com eles o que foi uma noite muito agradável.
Na véspera de
ir embora tinha uma reunião com um dos representantes do tal big boss.
Era perto, fui a pé, e encontro na rua um homem a vender uns frutos que eu
jamais tinha visto. Deu-me um a provar, achei uma delícia, e fui de cartuchinho
de papel na mão para a “importante” reunião, o que os anfitriões até acharam
graça.
À saída ainda
lá estava o vendedor, já com pouca fruta. Comprei-a toda para levar para casa,
onde chegaria dois dias depois.
Fizeram um
sucesso. Lichias!!! Quem não gosta?
Voltei lá
quando estava na 2M. Estive uns dois dias com a Coca-Cola, fui
num caminhão de entregas ao Soweto, falámos com um cliente importante, um hotel
de 3 estrelas, ótimo, mas... só para africanos (!!!), onde o patrão nos recebeu
muito bem, fui também recebido pelo diretor geral da South African Breweries
que me convidou para jantar em sua casa (uma honra que raros receberam!). E
mais, recebi até um convite para gerir uma fábrica que eles iam abrir na Rodésia
do Sul que, com um governo branco não parecia ter futuro, e não teve, o que me
fez recusar o atrativo convite. Se tivesse aceite, hoje estaria, de certeza,
muito melhor financeiramente! Enfim.
Fomos um dia,
todos, pais e filhos a Nelspruit tratar dos dentes (onde o João rogou pragas ao
dentista; saiu de lá com uma tromba...!), e como tínhamos comprado um carro
americano e um atrelado com uma grande barraca de campanha, fomos depois
acampar dois ou três dias no Kruger Park, um passeio magnífico.
Fui mais vezes
a Johannesburg, não só com a 2M, como a seguir no Banco.
Não esqueço o
dia em que estava no escritório do Banco lá em JB no 25º andar do Carlton
Center, sentado num sofá em frente a uma larga janela, quando vi um “coisa”
passar, caindo, do lado de fora, e até fiz um comentário idiota: “Passou ali
um sujeito que podia ter entrado e beber um copo conosco.”
Estavam comigo
o diretor do escritório e um diretor do Banco Real, do Brasil. Olharam para a
janela, e como é de supor nada viram, continuámos a falar sobre o problema que
ali me levara.
Quando saímos
ainda o corpo do desgraçado estava estilhaçado no chão! Parece que bêbedo,
pensou em descer agarrado aos cabos de aço que levavam o material de construção
para os andares superiores que ainda estavam em acabamento. Queimou as mãos com
o atrito e despencou aí do 30º. Um horror.
No dia seguinte
fomos a Pretoria tratar do assunto com o Banco Central, para podermos
administrar os salários dos trabalhadores moçambicanos, pagando juros enquanto
não pudessem dispor do seu dinheiro o que só acontecia no final do contrato de
trabalho, visto que o acordo em vigor, naquela altura, era feito entre o
governo português o sul-africano, o que prejudicava, como é óbvio, o pobre.
A reunião
correu muito bem, promessa de aceitarem a nossa proposta, mas... uma semana
depois o 25/4 acabou com tudo.
Era um país
espetacular, mas com aquele maldito apartheid, até eu fui insultado por isso.
Fui a uma
livraria onde das vezes anteriores tinha encontrado livros bons e muito
baratos, Costumava ir a pé porque era relativamente perto do hotel. Mas um dia
ao sair um ônibus passava e mandei parar. O motorista parou, abriu a porta da
frente e começou a insultar-me, sem eu compreender o que dizia porque falava ou
africâner ou tsonga. Foi o atendente da livraria que me disse que eu não devia
mandar parar um ónibus exclusivo Non Whites, e assim eles pensaram que
eu os estaria a ofender!
E eu sabia lá
disso, mas fiquei chocado, não pela “ofensa” mas pelo facto em si.
NAMÍBIA (ex Sudoeste Africano)
Depois de Cape
Town (e de ter comprado todas aquelas lichias) o meu regresso a casa passava
por Windhoek, ainda o país sob administração da África do Sul, de que só se
livrou em 1990, quando se tronou independente.
Foi aqui que o cachaceiro
lula, que fez questão de andar a passear pelo mundo, imitando o seu compincha
Bochechas ou Dom Mário I rei de Portugal, ao fazer um pronunciamento oficial,
ao lado do presidente da Namíbia teve esta brilhante frase: “Nunca pensei
encontrar em África um país tão arrumado e limpo!” Uma besta.
Se naquela viagem,
em todas as cidades tinha encontrado um Consul de Portugal que me era
conhecido, e que me foram de grande utilidade, ali não conhecia ninguém.
Mas logo no
primeiro dia, estava eu na sala de entrada do hotel entrou um pequeno grupo de
duas ou três pessoas e uma delas se dirige a mim, sorriso aberto: “Ó! Sr.
Amorim! O que o senhor faz aqui?”
O meu ar de
espanto mostrou que não fazia ideia quem me estava a cumprimentar.
- Já não se
lembra de mim? Há... (não sei já quanto tempo) visitei a Cuca e foi o
senhor que me recebeu! E não esqueci.
Aí bateu o
badalo do sino. Caiu a ficha e logo lembrei tudo.
Foi ótimo,
conversámos um bom bocado, mas nada de especial haveria a fazer naquela terra.
Na altura nem
sabia que existia lá um padrão, erigido em 1486 por Diogo Cão, e se soubesse
também não teria sido fácil andar uns 400 kms para cada lado.
Mais um dia e
regressei a Luanda, poucos dias antes do Natal de 1963... com as lichias!!!
E mais um mês
nascia a Joana!
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