Sempre mais
Amigos
Com receio de ter
esquecido alguns que, de forma mais ou menos profunda fizeram parte da nossa
vida.
Arne - Quando entrei
para o Liceu, 1942, logo me entrosei com novos amiguinhos. Lembro muito de um,
com quem jogava com tampas das caixas de fósforos, berlindes – bolinhas de gude
– ou tampas de cerveja, nos meios fios dos passeios. Sempre na rua! Tinha um
problema na fala, que espero tenha corrigido com o tempo, e não conseguia
pronunciar os “c”. Com o pai tinha um talho – açougue – nós chamávamos-lhe de
o “Arne”! Criança, como eu, lembro-o sempre
bem disposto. Há... quantos anos???
António Maria da Costa Cabral
da Costa Macedo – Homónimo de um primo, este como
meu irmão, conheci-o em Luanda, capitão, ajudante do Governador Sá Viana
Rebelo. Naquele tempo faziam corridas de automóveis dentro da cidade, e o
António Maria participava com um MGB. Não sei se ganhava, mas lá estava sempre.
Um dia, numa recepção do governo, onde, por
razões que aqui não interessam, eu também compareci, estava ele à entrada a conversar
com um sujeito baixinho, que eu logo reconheci. Tinha sido ele que me condenou
a pagar uma multa depois de me ter dito que eu tinha toda a razão! Quando o António
Maria nos quis apresentar eu disse na cara do tal juiz: “Não aperto a mão a
quem me condenou dando-me razão!”
O baixinho continuou com a sua cara de
estúpido e depois tive que pedir ao meu amigo que me desculpasse de o ter
deixado numa situação, no mínimo, inusitada.
Avô Mata – Em frente da nossa casa na rua Cabral Moncada, em
Luanda, havia uma pequena mercearia, pequena, cujo dono era o senhor
Mata. Ali comprávamos, quase diariamente alguma coisa. Ele e a mulher,
atenciosos, quem costumava lá ir eram os nossos filhos, porque eram recebidos
com muita simpatia. Como o homem usava as calças bem acima da cintura, pela
proeminente barriga, até hoje, quando alguém aparece assim, ainda nossos filhos
se lembram dele a quem chamavam, de “Avô Mata”. E dizem: “Tens as calças à avô
Mata”! Não éramos amigos, mas foi uma pessoa simpática que conheci.
Cadete Leite – Chegou a angola, jovem médico, para cumprir o serviço
militar e lá se deixou ficar. Quando se instalaram os “Estudos Gerais”, depois Faculdade
de Medicina, foi um dos primeiros professores. Um dia, na praia, viu que eu
tinha umas veias bem aparentes numa das coxas, varizes, que continuam lindas
como nesse tempo, e perguntou-me há quanto tempo tinha aquilo. Desde sempre.
Achou estranho e creio que me disse que devia dar as pernas para que fossem
estudadas na faculdade. Prometi que as deixava em testamento! Simpático e,
creio, bom professor.
Carlos Silva Pereira – e Maria Leonor,
a quem chamavam Chica.
Amigos desde que chegámos a Moçambique, com
quem estávamos frequentes vezes. O 25/4 empurrou-os para o Brasil, e quando eu nos
primeiros tempos, por aqui andava meio perdido, não posso esquecer que me deram
guarida em sua casa, no Rio. Para
sobreviverem, a Chica, fazia doces (pasteis de nata?) e todos os dias, depois
de alguma luta para levantar os filhos da cama (!) ia entregar o trabalho numa
confeitaria longe de casa. Todos os dias.
Foram para Portugal, o Carlos especializado
em câmaras frigoríficas, ainda me chegou a propor um negócio com ele, que não
funcionou.
Adoeceu e foi entregando a vida. Via-o
bastantes vezes nessa ocasião, até que voltei para o Brasil.
Nos tempos
de Lourenço Marques
/ / / /
Fernando Castelo Branco
(Pombeiro) – Geólogo (?),
engenheiro de petróleos, sempre muito magro, careca como a palma da mão, foi um
dos bons amigos que faziam parte de um grande grupo onde havia jantaradas,
fadistices e outros encontros. Bem mais tarde, em Portugal quando nos
encontrámos, tinha ele um veleiro e queria por força que eu fosse sair com ele.
Mas as minhas visitas à “terrinha” eram curtas, e só deu para irmos à doca ver
o brinquedo em que raro saía. Amigo de muitos anos, mas, infelizmente, poucas
vezes estávamos juntos. Simpatia levada ao ponto mais alto. E da Mariana
Pinto Coelho.
Fernando Real – Doutor em geologia, professor na “neófita” Faculdade em
Luanda, fui um dia procurá-lo, para lhe pedir alguns conselhos sobre
microscópios. Na altura eu trabalhava com a Leitz. Levei-lhe uma porção de
catálogos, para que os estudasse e me dissesse o que lhe poderia interessar.
Uns dias depois voltei, ele disse o que lhe fazia falta, características, etc.
Escrevi para a Leitz, que enviou os detalhes e assim comecei a vender
microscópios. Bons anos passados, em Portugal, era Ministro do Ambiente, quando
nos encontrámos no Parque do Gerês. Reconheceu-me: “Já me lembro de você,
que me levava os catálogos dos microscópios para eu estudar”! Fui eu sim. E
aprendi muito! Obrigado.
Recebido lá no Gerês pelos burocratas, não
deixou que me afastasse e sempre quis ouvir a minha opinião sobre os trabalhos
projetados. Como quase só conversava comigo, as autoridades ficaram obrigadas
a convidarem-me para o almoço ao Ministro, e sentaram-me bem na frente dele.
Tratava-o por Professor. E disse-lhe que Professor seria sempre,
ministro... Dois ou três meses depois foi exonerado!
José Manuel da Maia e Vale – Bom colega do tempo de Évora. Tranquilo, bom aluno, e
apesar de gordo era o melhor nadador de todos nós, que tomávamos banho na
grande cisterna da Mitra.
O tanque –
cisterna – onde tomávamos banho
Um dia caminhávamos lado a lado pelo campo,
num pequeno desnível do lado dele de repente caiu. Levámo-lo para a enfermaria.
Ataque epilético. Chegou o verão, férias grandes, proibido de nadar no “seu”
Mondego, sentou-se na margem, numas pedras, a pescar. Novo ataque, cai à água
e... Ótima pessoa.
Luis Marques Pinto - médico,
pediatra, lembro três passagens onde estivemos juntos. A primeira, teria eu uns
16 ou 17 anos, verão, estava em Sintra e consegui um dinheirinho para ir de
eléctrico até à Praia das Maçãs, espairecer. Encontrei o Luis, uns oito anos
mais do que eu, estava com dois amigos, que não lembro mais quem eram. Chegada
a hora do almoço perguntam se eu queria almoçar com eles num pequeno (e ótimo)
restaurante que ali havia. Declinei, porque não tinha dinheiro. Só o suficiente
para pagar o bilhete de volta. Logo:. Vens almoçar conosco, nosso convidado.
Vão mais de 70 anos e não esqueci.
Mais tarde chega a Luanda
cumprindo o dever militar. Pediatra, tomava o lugar do António Castro Ferreira
quando este se ausentava.
A última vez que o vi, em
Lisboa, passei na rua onde ele tinha o consultório e fui lá dar-lhe um abraço.
Excelente médico e pessoa.
Manuel Ferreira de Lima – Meu primo,
mais velho do que eu uns cinco anos, nossos pais primos direitos, apareceu um
dia em Luanda para lançar os Cursos de Cristandade.
Quando
o encontrei, antes do primeiro curso, onde eu estive, perguntei o que fazia por
ali. Não lembro do que respondeu mas eu quis saber se quem fizesse esse curso e
rezasse durante aqueles três dias depois não precisava de rezar mais. Riu, e
disse Tu vais lá e tiras as conclusões.
Manuel João Pimentel Teixeira – Angolano de Moçamedes,
conheci-o quando cheguei a Luanda depois da travessia do Atlântico, em 2005/6
no “Mussulo”. Como era tratado a bordo por “tio” pelos outros dois navegadores,
à chegada a Angola, toda a gente que encontrámos era mais nova do que eu que
ali tinha vivido muitos anos e sabia de histórias, e de história, e assim
fiquei sendo “tio” os novos amigos. Alguns deles tive depois a alegria de os
receber em nossa casa, entre eles o “Pimentel” com quem troquei muita
correspondência via e-mail.
Durante
a minha estadia em Luanda, em 2007 fez-me uma pequena “caricatura” que, mesmo
não muito parecida, foi uma demonstração de amizade.
Quando
nos visitou no Rio trouxe um pedaço de rocha de Angola que guardo com carinho.
Mais um sobrinho por quem tive muita simpatia.
Manuel Maia do Vale – Irmão do colega acima fui encontrá-lo em Angola,
agrónomo. Não foi difícil criar um vínculo, e mais tarde fomos até vizinhos na
mesma rua. Ele morava no prédio em frente da nossa casa. Por seu intermédio, e
sem ele saber que era eu que estava interessado, fiz um bonito negócio com
Angola. Foi sempre muito simpático.
Amigos –
“Retardatários!”
Esquecidos mais alguns que voltam à
memória.
Lembrei agora
de um outro, cowboy muito pirado, um sujeito cheio de graça. O pai, conhecido e
respeitado professor universitário, o filho e homónimo que nunca quis saber de
estudar. Farra e copos!
Aí alguns anos mais
do que eu, apareceu um dia em Évora, para ver se pelo menos fazia o curso de
Regente Agrícola, curso que eu estava a terminar.
Já maior de
idade era aluno externo e vivia num quarto alugado em Évora, cidade,
deslocando-se todos os dias – que não foram muitos – para a Herdade da Mitra
assistir às aulas. Foi nesse tempo que o conheci e fizemos uma rápida amizade.
Sempre com uma
boa disposição contagiante os que o conheceram ficaram amigos.
Gostava da
farra e copos e gastava tudo quanto tinha e não tinha. O pai mandava-lhe
dinheiro que nunca chegava para os gastos.
O inverno em
Évora é frio. Muito frio. Um dia veio dizer-nos que tinha vendido os cobertores
da cama, talvez para uma jantarada ou só beber uns copos. Todos lhe perguntámos:
“Com este frio como consegues dormir?” Resposta simples: “Cubro-me
com jornais, que aquecem bem, e olhem, o “O Século” é muito mais quente do que o
“Diário de Notícias!”
Gargalhada
geral.
Nem um ano por
ali ficou. Já farto de estudos foi embora, e o pai que o acolhesse, o que
fazia, claro.
Poucos anos
passados, uma bela manhã, seriam umas 10 horas, ia eu a pé, em Lisboa, entre a
Praça dos Restauradores e o Rossio quando vejo vir na minha direção um
indivíduo de fraque, chiquérrimo! Não é normal ver gente assim vestida àquela
hora, mas... era ele! Demos um bom abraço, e pergunto-lhe se vai para algum
casamento tão cedo. Impecável, responde:
“Não! Estou
vindo de um casamento... de ontem!” Rimos conversámos um pouco e cada um seguiu a
sua vida. Depois nunca mais o vi.
Este era o meu
amigo Rui Mayer.
Infelizmente
não tenho nenhuma foto dele.
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