segunda-feira, 19 de junho de 2017



Um oficial em Moçambique - 5

O “nosso” heroi

Nasceu em Alter do Chão, a 3 de Feve­reiro de 1865.
Sentou praça no regimento de Cavalaria 4 em 13 de Outubro de 1880, cursou a Politécnica e passou a aspi­rante da Armada em 10 de Novembro de 1882, sendo promovido a guarda-marinha dois anos depois, a 29 de Setembro. Ainda não era oficial e já andava pela África, fazendo levantamentos no rio Muíte, defronte da ilha de Moçambique. Comandou, como guarda-marinha, na­quela colónia, os iates de vela “Luzio” e “Tungue”, e depois as canhoneiras “Maravalt e “Cherim” da esquadrilha do Zambeze, o vapor “Auxiliar”, e mais tarde a “Liberal” e o transporte “Salvador Correia”. Em 1885 combateu o régulo Sangage, que avassalou. Contava, então, vinte anos. Continuou a sua acção no Moguinquale e no Infusse.
Comandou a “Cherim” quando Serpa Pinto chegou à África com a sua missão encarregada de operar pelo lado do Zambeze, Chire e Ruo, nas vésperas do ul­timato. O fim da expedição consistia em manter o predo­mínio português naquelas regiões onde os ingleses iam captando alguns régulos e entre eles o de macololos.
Em 1889 foi encarregado de reduzir aqueles povos à obediência, em Chilomo, onde o gentio se entrinchei­rara. A tripulação da “Che­rim” compunha-se de dez brancos e trinta e quatro negros, que chegaram para vencer os rebeldes. O moço comandante viu o seu chapéu varado pelas balas. Os indígenas admirados pela vitória, espalharam a sua fama e passou a ser conhecido por Musungo Icuro ou M'Pezene. Tomou a seguir as terras de Massea e Katunga; aprisionando o filho do soba e logo o régulo Gambi, estendeu o domínio português do Ruo ao Milange.
Portugal celebrou as suas vitórias e o nome do bravo tornou-se ilustre. Comandara vinte ações militares. O consul inglês Johnston, declarou que os macololos estavam sob a protecção britânica e pretendeu impedir o avanço dos expedicionários, o que não conseguiu. Nasceu desta questão o ultimato. O seu nome ressoou mais intensamente e o Parlamento proclamou-o
“Benemérito da Pátria”, tinha vinte e quatro anos!
Paralisadas as operações em virtude das exigências britânicas, ficou comandando as forças a fim de manter a neutralidade. Nomeado para vingar no Mataca a morte do tenente Valadim, cumpriu o seu dever e, no ano seguinte, comandou a expedição denominada Júlio de Vilhena, que bateu o Maconga e logo apaziguou os povos revoltados de Muíra, bongas e baruístas. Em 18 de Novembro de 1891 ficou gravemente ferido no ataque à aringa do Mafunda, em virtude de tiros e da explosão dum cunhete de pólvora. As suas forças sofreram mais de trezentas baixas; chefiou a retirada em trágicas cir­cunstâncias, pois tinham morrido dois belos combatentes, Barbosa de Meneses e Carlos Paiva e o capitão Andrade estava tão ferido como ele. Durante dois meses esteve em perigo, tendo o corpo em carne viva. Ia ficando cego, mas logo que melhorou pensou em resgatar o desastre. Mostrara-se tão bravo soldado como hábil marinheiro e nos seus comandos de frágeis embar­cações demonstrou tanto estas qualidades que os seus camaradas lhe votaram grande admiração. Cognomi­naram-no “João Trabalhador”, tal era a sua faina. Navegou no Zambeze em péssimos barcos, mas destemidamente.
Em 17 de Dezembro de 1896 foi comandar volunta­riamente a companhia de guerra de marinha que ia combater os namarrais. Ganhou a medalha de prata de Bons Serviços, que se juntou ao oficialato da Torre e Espada e à insígnia de cavaleiro de Cristo, recebidas em 1891. Mousinho escrevera a seu respeito, ao propô-lo para aquela condecoração: “pela maneira como comandou as forças engajadas na Nagüema, Ibrahimo e Mucuto Muno e pela boa ordem e disciplina que manteve na sua companhia”, e nomeou-o governador da Zambézia.
Começara uma revolta com assassínios nas proximi­dades do Sena e tão seguramente os indígenas esperavam vencer, que chegaram a atacar, em Tete, uma lancha carregada com material de guerra e, apoderando-se de duas peças “Hotchkiss”, dispuseram-se a maior resis­tência. Era em 25 de Maio de 1897; quatro dias depois saiu de Sena à frente duma coluna de cento e cinquenta soldados indígenas e dois mil cipais irregulares de Maganja, e em 4 de Julho atacava a aringa de Mayuca, que foi defendida com a artelharia tomada no rio Tete, e a qual recaiu em poder dos portugueses. Foram arrazadas doze aringas após vinte combates.
No ano seguinte já estava em Maganja da Costa a castigar as ofensas feitas pelos cipais desta região a Aires de Ornelas e o trucidamento do l° tenente da Armada Simeão de Oliveira e de oito angolas que ali o tinham acompanhado em 1886. Tomou a aringa, subjugou o Mocuba e o Robe e não ocupou Angoche porque demorou a autorização pedida a Mousinho, governador geral de Moçambique, que o propôs para a comenda da Torre e Espada.
Quando o poderoso gentio do Barué se revoltou, muito animado por suas anteriores proesas, foi-lhe entregue, em 19 de Abril de 1902, o comando da expedição contra eles. Arrazou cerca de noventa aringas e entre elas a do célebre Inhachirondo, na qual fora morto um grande amigo dos portugueses, o índio Manuel António de Sousa, capitão-mor de Manica. Aprisionou-se o Macombe e o seu chefe de guerra, Combuemba, pereceu. Recebeu a medalha “Rainha D. Amélia”, e a Geografia entregou-lhe a sua medalha de honra.
Por decreto de 9 de Dezembro de 1904 foi nomeado governador geral de Moçambique, e, dois anos depois, adido à Comissão de Cartografia, tendo dirigido acertadamente a província que lhe fora confiada. Fez parte da comissão de reforma administrativa das províncias ultramarinas, e recebeu a nomeação de vogal da Junta Consultiva do ultramar.
Após a morte de D. Carlos, aceitou o difícil cargo de governador civil de Lisboa, e, desde 11 de Março até 14 de Maio de 1909, ocupou a pasta da Marinha, cargo que voltou a exercer em 22 de De­zembro daquele ano, demitindo-se em 26 de Junho de 1910.
A queda da monarquia encontrou-o em Sintra, pois residia naquela estância. Foi para Mafra, onde o sobe­rano se refugiara. Dispôs-se logo a defender o paço com as forças que encontrou, apesar de não lhe pare­cerem muito seguras em virtude das hesitações do seu comandante. Aconselhou a partida de D. Manuel II com a família real para o Porto, afirmando-lhe que iria ter à capital do Norte.
Foi lugar-tenente de D. Manuel.
Após a morte de Sidónio Pais, em Janeiro de 1919, estava doentíssimo no hos­pital de S. Luiz, quando ali o foram buscar para, com a sua presença, dar valor ao movimento monárquico de Monsanto. Pensou num ataque mais directo e decisivo, que Aires de Ornelas evitou, e o resultado foi cair nas mãos dos vencedores, comandados pelo seu antigo camarada, e companheiro nas lutas em Moçambique, o capitão-tenente Afonso Julio de Cerqueira, a cuja grandeza de ânimo se deveu a salvação dos presos. Esteve recluso na Penitenciária, em S. Julião da Barra, no Laza­reto e na ilha da Madeira, beneficiando da amnistia e voltando à política como julgou do seu dever.
Depois da morte de D. Manuel aceitou o cargo de lugar-tenente do pretendente, D. Duarte Nuno.
Além de grande oficial da Torre e Espada e de Aviz, por serviços distintos, recebeu a carta de conselho, as grã-cruzes de Cristo e do Império Colonial, medalha de Filantropia, medalhas de ouro de bons serviços no ultramar com as barras comemorativas das suas cam­panhas. Oficial da Legião de Honra e grã-cruz da Es­trela Brilhante de Zanzibar, comendador de Mérito Naval e Militar de Espanha. Foi ajudante de campo de D. Carlos e de D. Manuel, deputado em 1900, sena­dor monárquico, pelo distrito de Portalegre, em 1925 e 1926.
Quando governou Moçambique recebeu as visitas dos duques de Connaught, em 1906. oferecendo-lhes magní­ficas festas e o celebrado batuque de vinte mil guer­reiros que produziu assombro.
Não foi apenas decorativo o seu período governamental; fez a ocupação, com Massano de Amorim, das capitanias de Angoche e Macuama, como já ocupara mais de me­tade da área da Zambézia quando ali estivera, e tratou da reforma administrativa da província.
Publicou: Do Níassa a Pembe, Relatório da Campanha do Barué, em 1902, O combate de Macequece, as Duas Conquistas de Angoche, etc.
Este homem chamou-se
João de Azevedo Coutinho.

Abaixo a sua assinatura, quando estava preso em Lisboa

Muito jovem, nas suas campanhas em Moçambique.
Segundo um dos seus netos, grande amigo meu, o avô teria
1,90 de altura e era robusto como um carvalho!


Vamos continuar com assuntos moçambicanos, mas, por ora deixemos o “nosso” heroi descansar.
A verdade é que gente desta estirpe parece que desapareceu. Pelo menos em Portugal !!!


Junho 2017

Junho 2017

Um comentário: