O Império
Português
500 anos... ???
Texto polémico o que se segue.
Mas o que há de melhor do que polemizar... para mais nos compreendermos e
entendermos? Polémico e o resumo do resumo!
É sabido que em 1483 Diogo Cão
chegou à foz do rio Zaire, onde tomou conhecimento de um potentado africano, o
Manicongo. Desembarcam e são festivamente recebidos pela população. Para não
interromper a viagem de exploração do Atlântico, segue para o Sul até ao Cabo
de Santa Maria, mas manda emissários ao rei do Congo. No regresso não encontra
os emissários e leva alguns congoleses até Portugal. Regressa no ano seguinte,
trazendo de volta os africanos que levara, e é ele quem vai cumprimentar o rei
do Congo, na sua embala, a cerca de
200 quilômetros da costa. O reino englobava algumas áreas a que depois se deram
nomes “europeus”: ducados, marquesados e condados.
Para ajudar o novo “irmão” do
rei D. Manuel, não tardou a que soldados portugueses tivessem que entrar em
guerras entre os vários nobres da região, procurando que entre todos houvesse
paz. Portugal queria parceiros comerciais e só com paz haveria comércio. Jamais
houve.
Entretanto, um pouco a sul, o N‘Gola,
sabendo do convívio dos portugueses com o rei do Congo, manda uma mensagem ao
rei de Portugal pedindo-lhe missionários. E vai Paulo Dias de Novais, como
embaixador, acompanhado de quatro missionários, desembarca em Luanda e segue ao
encontro do chefe indígena. Já não era o que tinha escrito a carta, mas um
filho seu. Paulo Dias acaba prisioneiro durante cinco anos!
E as guerras entre os vários
sobas e destes com os portugueses, não acabam nunca. Ora se alinhavam de um
lado ora de outro.
Sem que se conheçam as suas
procedências e suas histórias, algumas centenas de portugueses já se haviam
espalhado por Angola, negociando diretamente com os povos indígenas. Desde o
Congo até Benguela, e para o interior, esses foram, por sua conta e risco, os
primeiros europeus a habitarem a África negra.
Por influência destes e de
alguns relatórios dos jesuítas, em Portugal era grande o sonho da prata que
Angola teria. Nunca teve.
Em 1498, a caminho da Índia,
chegam os portugueses a Moçambique. O objetivo desta viagem era muito mais
importante do que o hipotético comércio com Angola. A Índia e as suas
especiarias, negócio altamente rendoso, na Europa nas mãos de venezianos e
genoveses e nos mares até à Europa com os árabes, muçulmanos, inimigos da
cristandade, que havia pouco tinham sido despejados da Península Ibérica. O
objetivo era tomar esse negócio das suas mãos, e fazer de Lisboa o centro de
distribuição dessas especiarias para toda a Europa.
Em Moçambique, a Ilha, era o
ponto obrigatório de passagem de todos os comércios com a Índia, e apesar de
pequena, era já povoada por árabes e macuas islamizados. A partir desta visita,
Portugal consegue uma pequena parte, cria uma Misericórdia para aí deixar
doentes, e ter o seu apoio logístico.
Começa a ganância. Naus cada vez
maiores e com mais naufrágios, em poucos anos o custo da “Índia” era superior
ao seu rendimento e, além de se endividar, Portugal começou por proibir a
instalação de colonos nas terras a que se outorgou possuidor, por terem sido
“descobertas” pelas suas caravelas.
Assim que o Brasil se mostrou
colonizável, Angola passou a viver do negócio da escravatura. Escravos era a
principal “mercadoria” que todos encontravam em África. Além disso, Angola,
pouco mais tinha: um pouco de cera, para iluminação e para as igrejas, um tiquinho
de marfim, e prata... zero.
Na costa Oriental, tudo quanto
Portugal pretendia era ter livre o acesso ao Monomotapa. Ao ouro do Monomotapa!
Nada de colonizações. Mas arrogava-se o direito de ser senhor das terras
primeiro visitadas e depois daquelas em que, em permanência, se batia com os
árabes, ali instalados há vários séculos, para garantirem o comércio do
precioso metal, e para combaterem o negócio de escravos.
Além do ouro tinha muito marfim,
normalmente enviado para a Índia onde era trabalhado por artistas artesãos. Da
Índia saíam os principais produtos que serviam de troca com o nativo
moçambicano.
E durante séculos as colônias
africanas era “propriedade” dos reis de Portugal, mas limitadas a uma pequena
faixa de terra litorânea e a algumas capitanias em portos onde pudesse haver
negócio.
Lourenço Marques “descobre” a
“Baía da Lagoa, que mais tarde teve o seu nome, mas onde durante uns dois
séculos não residia nem um único português ou colono.
Foi assaltada por austríacos,
ingleses e franceses, porque ali o negócio de marfim era importante. Mas sempre
Portugal reclamava que aquelas terras lhe pertenciam porque fora o primeiro a
descobri-las!
Em 1781 o ministro Martinho de
Melo e Castro mandou povoar o interior de Sofala, porque na fortaleza só havia
uma dúzia de famílias portuguesas, todas já mestiçadas ou de origem goesa. Em
1885 Gungunhana afirmava ao Conselheiro Almeida que a fronteira portuguesa
passava a duas léguas de Sofala e para o interior o território era dele.
Em Angola a situação diferia um
pouco, mas todo o interior pouco mais gente tinha do que um outro sertanejo
como o famoso Silva Porto.
Na Zambézia, Portugal criou uma
invenção curiosa: para poder arrecadar mais algum imposto passou a conceder
“Prazos”, praticamente sempre a famílias mestiças e/ou também de origem goesa,
mas neles não exercia nenhum domínio.
As lutas sustentadas contra os
nativos não foram provocadas, até final do século XIX por lutas entre
portugueses e africanos, mas por necessidade de apoiar um ou outro régulo afim
de manter a paz no interior e assim o comércio poder fluir.
É o olho gordo dos ingleses que
querem as melhores regiões de África para expandirem a sua “religião” comercial
que provocam grande instabilidade. Estavam em plena revolução industrial e
descobriram que só para cima de Moçambique havia mais de quarenta milhões de
africanos que não usavam calçado nem camisa, o que pressupunha uma imensa
possibilidade de negócio.
A partir daí, quando os
portugueses, que tanto em Angola como em Moçambique sempre tinham precisado da
autorização dos sobas e régulos para comerciarem, o que implicitamente reconhecia
a soberania destes, a Conferência de Berlim, estimulada também pela ganância do
rei dos belgas, determina que só ficam com direito a terras em África os países
que os ocupem militar e administrativamente.
Virou-se o jogo. Agora eram os
sobas e régulos que dependiam de Portugal, e isso foi um imenso desastre.
Portugal que até essa altura não
admitia, sobretudo em Moçambique, colonizar esses “seus” territórios, começou a
“vendê-lo” em parcelas. E mais, se não admitira nunca estrangeiros, teve que os
ir buscar, porque, sempre pobre e endividado, não dispunha de capitais para
desenvolver as “novas” colônias.
E assim nascem a Companhia dos
Diamantes de Angola, com capitais portugueses (pouquíssimo), mas de maioria belgas,
americanos, ingleses e sul-africanos, a Companhia Agrícola de Angola - CADA
- financiada por capitais belgas, em
Moçambique as Companhias Majestáticas como a Cia. de Moçambique, Cia. da
Zambézia, Cia. do Niassa, Cia. do Boror, todas com capitais estrangeiros, que
quando viram que o negócio agrícola não era rentável, começaram a vender
trabalhadores para as minas de ouro da África do Sul, e outras várias.
Depois lembrou-se de fundar o
Banco Nacional Ultramarino, visando o desenvolvimento colonial, mas que se
verificou ter sido um elemento de falência para os incautos e entusiastas que
se lembraram de a ele recorrer para a agricultura.
Angola rendeu, sobretudo para os
traficantes, enquanto floresceu a escravatura, em Moçambique lutava-se contra
esse tráfico. O Brasil já independente teimava em traficar e, como sempre, os
contrabandistas e desonestos, conseguem durante muito tempo ainda negociar,
vergonhosamente, gente.
No século XIX e Portugal, sempre
pobrezinho e mal governado, decide defender as colónias, sobretudo das forças
de países europeus, e luta sobretudo contra os alemães.
As poucas e mal pagas e mal
treinadas tropas da metrópole, auxiliadas por soldados africanos lutaram
valentemente. Foi a época dos heróis, brancos e negros, que procuravam
pacificar os territórios que lhe foram “oferecidos”!
O século XX abre os olhos da
metrópole e começa a desenvolver-se Angola e Moçambique, já sem recursos a
escravaria, marfim, ouro ou a imaginada prata, sempre por iniciativa privada, e
não por ação e planificação do “reino”, que nem no pequenino espaço europeu se
entendia.
Este surto de desenvolvimento,
que cresce de forma importante sobretudo a partir do final da II Guerra
Mundial, marca profundamente a economia dos dois países que, logo a seguir
ascendiam à sua independência.
O que é inimaginável para qualquer
outro povo é que o grande surto de desenvolvimento se dá com o começo da guerra
colonial, a partir de 1961.
Em 1974 acabam as colónias.
Os 500 anos tão badalados sumiram
na bruma do tempo.
Em todo o lado por onde andou
Portugal deixou a sua marca própria de convivência, desde Cabo Verde a Timor,
Malásia, Indonésia e Índia, e sobretudo em Angola e Moçambique.
Não foram 500 anos de ocupação
ou colonização. É um sofisma chorarem os portugueses pelos cinco séculos que
“perderam, assim como o é também dos africanos dizerem que sofreram cinco
séculos de dominação.
Ainda hoje, em Angola o nome
mais respeitado de governante daquela terra, incluindo todos os que vieram
depois da independência, é o de Dom Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho.
Por Moçambique também passaram
grandes homens: Mouzinho, Freire de Andrade, João de Azevedo Coutinho, e
outros.
Os sofismados “500 anos” foram,
isso sim, cinco séculos de muita vivência, convivência, apesar de haver páginas
tristes, como sempre houve em todo o lado e, infelizmente, continuará a haver.
Cada vez que se falar em “500
anos em África” devemos celebrá-los como sendo “500 anos a conviver” com irmãos
mesmo que por vezes desavindos.
Eu estive por lá pouco mais de
vinte.
E como guardo toda aquela África
no coração.
12/07/2017