domingo, 31 de janeiro de 2016

À procura dum cais

Terramoto de 1755

Época houve, talvez no meu tempo de estudante, que muito se falava no Terramoto, e na calamidade que isso foi. Hoje parece falar-se menos, talvez por ser tema meio cansado, e porque economicamente o mundo está à espera de outra catástrofe maior. Quem sabe se o Apocalipse.
Lembro só algumas situações “quase apocalípticas” que os homens, os poderosos homens, criaram, na desenfreada procura em destruir a nossa Gaia (ou Geia).
Só poucas, das “últimas”: o crash da Bolsa de Nova York em 1929, a especulação imobiliária provocada no Japão que criou uma tremenda bolha que estourou nos anos 80, a indiscriminada distribuição de €uros aos “irmãos pobríssimos” da Europa que acabaram por afundá-los, sem falar nas centenas ou milhares de bombas atómicas espalhadas por todo o mundo, prontas a acabarem, num hiato, com toda a vida na Terra. Só lembrar que as usinas nucleares não foram inicialmente construídas para gerar energia elétrica, mas para se obter plutónio, com vista a alcançar a bomba atómica!
O plutónio é tão violento, ou tóxico que até hoje os “grandes cientistas” não sabem qual a quantidade que gera câncer de pulmão! “Supõem” que entre 1/20.000 e 1/100.000 de grama (pequena diferença!) sejam suficientes! Mas qualquer micrograma é letal. Lembram-se do ex-espião russo Alexander Litvinenko? Assassinado com um “primo” do plutónio!
Vale lembrar que só o Japão tem armazenadas –com toda a segurança!!! – 47.000 toneladas de plutónio, que dará para fazer milhares de bombas atómicas. Para quê?
Mas hoje o tema é sobre outras destruições. Vamos ao Terramoto.
Naquele dia, 1° de Novembro, dia de Todos os Santos, igrejas cheias de fiéis, velas acesas em todos os altares, mesmo nas casas particulares, na esperança de que algum deles se lembrasse de fazer um milagrito ou outro, a terra tremeu, tremeu tanto, que ainda hoje parece ter sido o mais violento sismo que desde sempre aconteceu na Europa.
O povo fugia, e era apanhado por queda de prédios, de pedras, telhas, madeiras, as ruas onde mal se podia andar ficaram cheias de destroços que ultrapassavam a altura do primeiro piso, gente gemendo e morrendo debaixo desse amontoado, as igrejas a ruírem e soterrarem dentro os fiéis, um vento fortíssimo espalhando as chamas por toda a cidade, e ainda uns saqueadores a ver o que encontravam no meio das ruínas. Estes, apanhados, nem tempo tiveram para confessar os pecados. Montaram-se rapidamente uma porção de forcas pela cidade e centenas de corpos ficaram balouçando à luz dos incêndios.
Alguns moradores conseguiram chegar ao Terreiro do Paço, muitos deles deixando alguém da família soterrada pelo caminho. Lugar aberto, onde não tinha chegado o fogo e alguns edifícios se mantinham em pé. E ali estavam talvez milhares. De repente vem do rio uma onda imensa com mais de seis metros de altura, invade a cidade e leva tudo pela frente. Em menos de um minuto aquela imensidade de água estava de volta ao rio, e neste vai e vem, que se repetiu durante cinco minutos, arrastou mais um monte de corpos e ajudou a derrubar mais prédios.
Pouco depois o vento forte, que continuava a espalhar o fogo, atingiu o Palácio Real, que o destruiu e
fez desaparecer uma valiosíssima biblioteca com mais de 70.000 volumes.
Durante os dois abalos mais violentos, o cais principal da cidade, que fechava o Terreiro do Paço, era novo e construído em mármore bruto de um modo extremamente sólido, pois as pedras estavam não só seguras umas às outras com ferros, mas também unidas por juntas, de forma que constituíam um bloco único, afundou-se todo em conjunto (embora a maré vazasse muitas jardas abaixo da sua base) bem debaixo de água, e tão fundo que nenhuma vara conseguiu alcançar a sua parte superior. Depois contaram (mas não sei dizer se é verdade) que, tendo experimentado com um fio, se descobriu ter-se afundado 50 braças abaixo da superfície da água. (Testemunho de um súbdito britânico, que escreve em 20.Nov.1755)
Este cais, solidamente construído, e mais alto que o nível do Terreiro do Paço na época - vê-se bem na gravura seguinte de 1740:


Igualmente vê-se bem o cais e o paredão nesta gravura de Mateus Sautter, anterior a 1755  ( em baixo a cidade destruida a arder)


Até há pouco nunca tinha ouvido que um cais tivesse sido engolido no maremoto, e curioso como sempre, fui atrás. Fiquei sabendo que:
- Em 2009 a Câmara Municipal de Lisboa (CML) realizou a Empreitada de Construção do Sistema de Intercepção e Câmara de Válvulas de Maré do Terreiro do Paço. Esta obra por ter tido lugar num centro histórico da cidade de Lisboa, foi alvo de Acompanhamento Arqueológico. Começaram as escavações e logo foram identificados alguns elementos em madeira de grandes dimensões, como estacas de pinho e partes de embarcações, que foram limpas e tratadas.
No decorrer dessa limpeza, começou-se a observar a presença de uma estrutura pétrea de grandes dimensões, composta por silhares em lioz (pedras de calcário duro, trabalhadas) associada a um alinhamento em estacas de madeira. Pela sua posição estratigráfica, pelo seu posicionamento face ao rio e à disposição da atual Praça do Comércio, e pela sua arquitetura, cedo se percebeu que se estava perante uma estrutura de cariz portuário, claramente enquadrada com uma etapa crono-cultural anterior ao Terramoto de 1755.
Todas estas informações complementares devo à atenção do arqueólogo Dr. César Augusto Neves que teve a paciência de responder às minhas constantes perguntas, e a quem muito agradeço.
Constata-se pelo trabalho realizado, que a área do Terreiro do Paço, antes de 1755, como se vê pela gravura a seguir, era bem menor do que hoje:


Grande parte se conquistou ao mar e o nível foi aumentado em até 6 metros.
Mas onde foi parar o tal “cais” a que os testemunhos ingleses (mais do que um) referem que terá “sido engolido... parece que continuará um mistério, visto que o cais encontrado estaria no nível correto para o tempo, o que pode ver-se por mais esta imagem, que mostra o cais uns 6 metros abaixo do nível atual.


Todas as pedras do antigo cais foram desmontadas, identificadas, numeradas e enviadas para o Museu da Cidade de Lisboa, para um dia (quando...?) serem montadas noutro local.
Esperemos que não aguardem, como as do Arco de São Bento, que finalmente se reergueu ao fim de 70 anos, de passiva e pétrea espera, na Praça de Espanha!

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