À procura dum cais
Terramoto de 1755
Época
houve, talvez no meu tempo de estudante, que muito se falava no Terramoto, e na
calamidade que isso foi. Hoje parece falar-se menos, talvez por ser tema meio cansado,
e porque economicamente o mundo está à espera de outra catástrofe maior. Quem
sabe se o Apocalipse.
Lembro
só algumas situações “quase apocalípticas” que os homens, os poderosos homens,
criaram, na desenfreada procura em destruir a nossa Gaia (ou Geia).
Só
poucas, das “últimas”: o crash da Bolsa de Nova York em 1929, a especulação
imobiliária provocada no Japão que criou uma tremenda bolha que estourou nos
anos 80, a indiscriminada distribuição de €uros aos “irmãos pobríssimos” da
Europa que acabaram por afundá-los, sem falar nas centenas ou milhares de
bombas atómicas espalhadas por todo o mundo, prontas a acabarem, num hiato, com
toda a vida na Terra. Só lembrar que as usinas nucleares não foram inicialmente
construídas para gerar energia elétrica, mas para se obter plutónio, com vista
a alcançar a bomba atómica!
O
plutónio é tão violento, ou tóxico que até hoje os “grandes cientistas” não
sabem qual a quantidade que gera câncer de pulmão! “Supõem” que entre 1/20.000
e 1/100.000 de grama (pequena diferença!) sejam suficientes! Mas qualquer
micrograma é letal. Lembram-se do ex-espião russo
Alexander Litvinenko? Assassinado com um “primo” do plutónio!
Vale
lembrar que só o Japão tem armazenadas –com toda a segurança!!! – 47.000 toneladas
de plutónio, que dará para fazer milhares de bombas atómicas. Para quê?
Mas
hoje o tema é sobre outras destruições. Vamos ao Terramoto.
Naquele
dia, 1° de Novembro, dia de Todos os Santos, igrejas cheias de fiéis, velas
acesas em todos os altares, mesmo nas casas particulares, na esperança de que
algum deles se lembrasse de fazer um milagrito ou outro, a terra tremeu, tremeu
tanto, que ainda hoje parece ter sido o mais violento sismo que desde sempre
aconteceu na Europa.
O
povo fugia, e era apanhado por queda de prédios, de pedras, telhas, madeiras, as
ruas onde mal se podia andar ficaram cheias de destroços que ultrapassavam a
altura do primeiro piso, gente gemendo e morrendo debaixo desse amontoado, as
igrejas a ruírem e soterrarem dentro os fiéis, um vento fortíssimo espalhando
as chamas por toda a cidade, e ainda uns saqueadores a ver o que encontravam no
meio das ruínas. Estes, apanhados, nem tempo tiveram para confessar os pecados.
Montaram-se rapidamente uma porção de forcas pela cidade e centenas de corpos
ficaram balouçando à luz dos incêndios.
Alguns
moradores conseguiram chegar ao Terreiro do Paço, muitos deles deixando alguém
da família soterrada pelo caminho. Lugar aberto, onde não tinha chegado o fogo
e alguns edifícios se mantinham em pé. E ali estavam talvez milhares. De
repente vem do rio uma onda imensa com mais de seis metros de altura, invade a
cidade e leva tudo pela frente. Em menos de um minuto aquela imensidade de água
estava de volta ao rio, e neste vai e vem, que se repetiu durante cinco minutos,
arrastou mais um monte de corpos e ajudou a derrubar mais prédios.
Pouco
depois o vento forte, que continuava a espalhar o fogo, atingiu o Palácio Real,
que o destruiu e
fez
desaparecer uma valiosíssima biblioteca com mais de 70.000 volumes.
Durante os dois abalos mais
violentos, o cais principal da cidade, que fechava o Terreiro do Paço, era novo
e construído em mármore bruto de um modo extremamente sólido, pois as pedras
estavam não só seguras umas às outras com ferros, mas também unidas por juntas,
de forma que constituíam um bloco único, afundou-se todo em conjunto (embora a
maré vazasse muitas jardas abaixo da sua base) bem debaixo de água, e tão fundo
que nenhuma vara conseguiu alcançar a sua parte superior. Depois contaram (mas
não sei dizer se é verdade) que, tendo experimentado com um fio, se descobriu
ter-se afundado 50 braças abaixo da superfície da água. (Testemunho de um
súbdito britânico, que escreve em 20.Nov.1755)
Este
cais, solidamente construído, e mais alto que o nível do Terreiro do Paço na
época - vê-se bem na gravura seguinte de 1740:
Igualmente
vê-se bem o cais e o paredão nesta gravura de Mateus Sautter, anterior a 1755 ( em baixo a cidade destruida a arder)
Até
há pouco nunca tinha ouvido que um cais tivesse sido engolido no maremoto, e
curioso como sempre, fui atrás. Fiquei sabendo que:
-
Em 2009 a Câmara Municipal de Lisboa (CML) realizou a Empreitada de Construção do Sistema de
Intercepção e Câmara de Válvulas de Maré do Terreiro do Paço. Esta
obra por ter tido lugar num centro histórico da cidade de Lisboa, foi alvo de
Acompanhamento Arqueológico. Começaram as escavações e logo foram identificados alguns elementos em
madeira de grandes dimensões, como estacas de pinho e partes de embarcações,
que foram limpas e tratadas.
No decorrer dessa limpeza, começou-se a
observar a presença de uma estrutura pétrea de grandes dimensões, composta por
silhares em lioz (pedras de calcário duro, trabalhadas) associada a um
alinhamento em estacas de madeira. Pela sua posição estratigráfica, pelo seu
posicionamento face ao rio e à disposição da atual Praça do Comércio, e pela
sua arquitetura, cedo se percebeu que se estava perante uma estrutura de cariz
portuário, claramente enquadrada com uma etapa crono-cultural anterior ao
Terramoto de 1755.
Todas
estas informações complementares devo à atenção do arqueólogo Dr. César Augusto
Neves que teve a paciência de responder às minhas constantes perguntas, e a
quem muito agradeço.
Constata-se
pelo trabalho realizado, que a área do Terreiro do Paço, antes de 1755, como se
vê pela gravura a seguir, era bem menor do que hoje:
Grande
parte se conquistou ao mar e o nível foi aumentado em até 6 metros.
Mas
onde foi parar o tal “cais” a que os testemunhos ingleses (mais do que um)
referem que terá “sido engolido... parece que continuará um mistério, visto que
o cais encontrado estaria no nível correto para o tempo, o que pode ver-se por
mais esta imagem, que mostra o cais uns 6 metros abaixo do nível atual.
Todas
as pedras do antigo cais foram desmontadas, identificadas, numeradas e enviadas
para o Museu da Cidade de Lisboa, para um dia (quando...?) serem montadas
noutro local.
Esperemos
que não aguardem, como as do Arco de São Bento, que finalmente se reergueu ao
fim de 70 anos, de passiva e pétrea espera, na Praça de Espanha!
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