Índia
Histórias da história - 3
6. A função do “guarda-sol” e os
Maharajadhiraja
Maharajadhiraja significa o “Grande Rei de todos
os Reis”! Época obscura da história da Índia, relata ainda que Mahapadma Nanda,
filho de um barbeiro, um dia se revoltou com a classe política dominante, os ksatriyas, os governantes, guerreiros,
comandou o maior exército que teria chegado a 200.000 homens de infanteria,
20.000 cavaleiros, 2.000 carros de combate, as bigas, e 3 a 6.000 elefantes de
guerra.
Ele
e seus descendentes reinaram por cerca de cem anos, um deles por casamento com
uma mulher Chandra dando origem à dinastia Maurya.
Mahapadma
foi portanto um grande rei e o primeiro a ser descrito como o “Soberano de uma Umbrela”,
(guarda-sol)! Um conceito que relaciona com a ideia budista de cakravartin, “governante do mundo”,
associando a ideia de que toda a política lhe estaria subordinada, e os
historiadores indianos passaram a considerá-lo o primeiro grande “imperador” do
Norte da Índia.
Este
hábito durou até ao começo do século XX quando alguns dos últimos Maharajas ainda
se exibiam montados em elefantes ricamente enfeitados, a cavalo, num automóvel
ou mesmo a pé, sempre alguém carregava sob sua cabeça o “guarda-sol real”, o
símbolo do poder.
Maharaja
Samarjitsinh Gaekwad
Com
essa mania de grandezas os reis Kushanas,que terão vindo da Ásia, central também
se davam o título, trazido da China, de Devaputra,
filho de Deus!
O
livro Mahabharata não é muito
favorável aos reis, onde várias vezes aparece o adágio:
“Pior do que dez matadouros é uma
prensa para óleo, pior do que dez prensas para óleo é uma hospedaria, pior do
que dez hospedarias é uma meretriz e pior do que dez meretrizes é um rei.”
7. A Utopia de Gupta
A visita de Fa Hian ou Fa-hsien, ou
Faxian
“A perfeição está atingida” declara a
última das três inscrições em Junagadh, “enquanto
ele, Skanda Gupta, está reinando, em verdade, nenhum homem entre seus súditos
cai longe do Dharma, não há ninguém que esteja aflito, na pobreza, na miséria,
avaro, ou quem, digno de punição, é mais posto em tortura.” Uma
representação tão brilhante da sociedade Gupta é de se esperar de um panegírico
real.
No
entanto isto é corroborado por um estrangeiro e presumivelmente imparcial
testemunha ocular.
“As pessoas estão muito bem, sem imposto ou
restrições oficiais. Os reis governam sem punição corporal; os criminosos são
multados de acordo com a circunstância, levemente ou fortemente. Mesmo nos
casos de rebelião repetida, cortam apenas a mão direita. Os atendentes pessoais
dos reis, que o guardam à direita e à esquerda, tem salários fixados. Em todo o
país o povo não mata nenhum ser vivo, nem bebe vinho, nem comem alho ou
cebolas, com excepção dos Chandalas apenas.”
Para
Fa Hian (Fa-hsien, Faxian, etc.), um peregrino budista da China, que visitou a
Índia entre 400-410 d.C., o reino de Chandra Gupta II era de fato algo como uma
utopia. Descendo para a Índia, pela trilha de Karakoram, Fa Hian viajou toda da
bacia do Ganges em perfeita segurança, como visitou todos os lugares associados
à vida de Buda. Só no lote dos Chandalas encontrou nada invejável; párias
devido ao seu degradante trabalho, como trituradores de mortos, eram
universalmente afastados e tinham que dar aviso da sua abordagem quando se
aproximavam de outras castas para que estas se pudessem abrigar. No entanto, nenhumas
outras seções da população foram desfavorecidas, sem mais distinções de casta,
atraíram o comentário do peregrino chinês, e nenhum sistema de casta opressivo
adiante lhe provocou censura ou surpresa. Paz e ordem prevaleceram. E se a paz
era a paz de conquistas passadas, e a ordem da hierarquia social rígida de varna e a exclusividade profissional de jati, ninguém reclamava.
De
outras fontes, vislumbramos uma sociedade diligente, bem como contente. Essas associações
altamente influentes (sreni) regulavam
elaborados sistemas de controle de qualidade, preços, distribuição e
treinamento para cada ofício e profissão. Eles também agiam como banqueiros,
até mesmo para a corte real; e seus sresthin,
ou vereadores, reuniam-se regularmente em um Conselho comum que tem sido
comparado a uma câmara de comércio. O comércio continuou a florescer, tanto na
Índia como no exterior. Quando Fa Hian voltou à China, foi então não pela rota
terrestre mas a bordo de um navio indiano velejando de Tamralipti em Bengala.
Depois de um naufrágio próximo ao largo da costa de Burma chegou a ‘Ye-po-ti',
que pode ser Java, Sumatra ou Malaya. Lá, como também na Indo-China, ele constatou
que os brâmanes floresciam apesar da lei de Buda não ser muito conhecida.
Depois de mais alguns percalços náuticos, chegou à China, sempre na companhia de
brâmanes e, então, provavelmente, a bordo de um navio indiano.
No
que Fa Hian conta da Índia, Magadha aparece como algo especialmente
impressionante. Suas cidades eram maiores e o seu povo, o mais rico e mais
próspero, bem como os mais virtuosos. Na verdade, budistas já exploravam alguns
sítios arqueológicos. Kapilavastu, a antiga capital de Sakyas e o berço de
iluminados, era como um grande deserto sem rei nem pessoas; e do Palácio da
Ashoka em Pataliputra permaneciam apenas as ruínas. Mas para um budista também
havia muito o que comemorar. Stupas aos milhares, algumas de muitos níveis e de
proporções gigantescas, pontilhando a paisagem - tanto quanto fazem ainda hoje
nos centros fora da Índia, como os pagãos na Birmânia. Então, ao contrário de
agora, o budismo ainda recebia o apoio de grandes seções da opinião indiana. Os
mosteiros foram bem dotados; os monges poderiam ser contados em milhares. Oito
séculos depois de Buda, somente Sri Lanka era mais budista. Para Samudra Gupta
foi particularmente gratificante receber uma embaixada do Sri Lanka, cujas ofertas,
juntamente com um pedido de autorização para construir um mosteiro no lugar da “Iluminação”
de Buda, no Buddha Gaya, ele recebeu os presentes como uma forma de homenagem.
Sem
estar muito preocupado com assuntos políticos, Fa Hian nada diz do Tribunal
Gupta, nem de Chandra Gupta II, o maharajadhiraja
– “O Rei de todos os Reis”. Talvez, como era normal durante a estação seca, a
corte estava em movimento, recebendo a reverência e a consumir os produtos dos
seus reis subordinados ou na condução de hostilidades com os sátrapas. Em
Pataliputra, que juntamente com Ujjain parece ter servido como o capital de
Gupta, o visitante chinês ficou mais impressionado com um festival anual. Ele
foi marcado por uma magnífica procissão de umas vinte stupas em cima de rodas cujas
torres eriçadas acomodavam imagens dos deuses decorados com ouro e prata, bem
como a sessão com figuras de Buda e com a presença de Boddhisatvas de pé.
Quando a procissão se aproximava da cidade, Hian Fa assistiu aos brahmacharis virem adiante para oferecer
seus convites.
Como
entre os ortodoxos e as seitas heterodoxas, ecumenismo ainda era a norma, os
Guptas, apesar de se identificarem com o Senhor Vishnu e realizando sacrifícios
védicos, incentivaram doações aos estabelecimentos budista e brahman com
munificência imparcial. Ainda a separação física das duas comunidades, como nos
conta Fa Hian, pode ser significativa. Mosteiros budistas eram geralmente
localizados fora do centro das populações e influência, mas suficientemente perto
para receberem alimento e instruirem leigos, mas também suficientemente longe
para terem tranquilidade e isolamento. Os brahmacharis
por outro lado, tecnicamente estudantes brahamanes, mas num estabelecimento de todo o ensino
brahman, estavam localizados dentro da cidade e perto da corte.
8.- Zero e pi ‘p’
Muito
se fala sobre os algarismos que hoje usamos e que de uma forma genérica se
atribui aos árabes, o que, para um leigo, como eu, não parece uma boa verdade.
Aliás não não há boas verdades: ou são ou não são! Os números 1, 2, 3 e 9 ainda se parecem com os árabes – virando os
primeiros três 90° para a esquerda – ٩, ٨, ٧, ٦,
٥, ٤, ٣, ٢, ١, ٠ (aqui mostrados do direita para a esquerda), mas os próprios árabes
chamam-lhes numeração indiana.
Uma pequena comparação mostra bem que os indianos
usavam quase os mesmo sinais matemáticos:
E,
talvez o mais importante, foram eles que “inventaram” um novo sinal, o “zero”,
representado por um ponto, e usado até hoje.
Desde
há muitos séculos que a matemática indiana é conhecida. Já no século IV d.C. sabiam
determinar o valor de p -
pi – até à
décima casa decimal.
No mundo ocidental, só no século XVIII é que William
Jones um matemático galês, propôs o uso do símbolo
π para representar a razão entre o comprimento da circunferência e seu
diâmetro. Aliás foi esta a sua mais notável contribuição à matemática. Mais de
mil e quinhentos anos depois de isso ser feito na Índia.
No século VI registaram-se exemplos do
que antigos matemáticos gostavam de perguntar:
“Ó
linda senhora, de olhos radiantes, diga-me, se você conhece o método de
inversão, que número multiplicado por 3, depois adicionado com três quartos do
resultado, a seguir dividido por 7, depois diminuído de um terço do resultado,
depois multiplicado por si mesmo e diminuído de 52, extrai a raiz quadrada é
depois de somar 8 divide por 10 e o resultado final é 2?”
A resposta parece complicada mas é
fácil: é só seguir o caminho inverso:
((2)(10)-8)2
+ 52 = 196
√ 196 = 14
(14)(3/2)(70(4/7) =
28
3
9.- Al Biruni na Índia – século XI
Como
al-Biruni, o grande estudioso islâmico do século XI, expôs, os Hindus acreditam
que não há nenhum país grandioso, só o deles, nenhuma nação como a deles,
nenhum rei como o deles, nenhuma religião como a deles, nenhuma ciência, como a
deles, e pensou que eles deviam viajar mais e misturar-se com outras nações; os
seus antecedentes não eram tão intolerantes como a geração presente,
acrescentou. Menosprezando atitudes do século XI, al-Biruni parece confirmar a
impressão dada por escritores muçulmanos anteriores, que nos séculos VIII e IX,
consideraram a Índia nada, quando comparada com tempos anteriores. Suas
descobertas científicas e matemáticas, embora enterradas em meio a semântica e
raramente lançadas para aplicação prática, foram prontamente apreciadas pelos
cientistas muçulmanos e então rapidamente apropriadas por eles. Al-Biruni foi
quem entendeu isso: a sua celebridade científica no mundo árabe deve muito a
sua mestria de sânscrito e acesso à cultura indiana.
Aspectos
da Índia do século XI, que al-Biruni omitiu nas suas críticas foram seu tamanho
e sua riqueza. Ao contrário dos gregos de Alexandre, invasores muçulmanos estavam
bem cientes da imensidão da Índia e imensamente animados pelos seus recursos.
Além de produtos exóticos como especiarias, pavões, pérolas, diamantes, marfim
e ébano, o país Hindu era famoso por seus fabricantes qualificados e seu
movimentado comércial. A economia da Índia foi provavelmente uma das mais
sofisticadas do mundo. Corporações regulavam a produção e forneciam crédito; as
estradas estavam livres de assaltantes, portos e mercados cuidadosamente
controlados e com tarifas baixas. Além disso, o capital era abundante e respeitável.
Desde os tempos romanos, pelo menos o subcontinente parece ter desfrutado uma
balança de pagamentos favorável. Ouro e prata tinham vindo a acumular muito
antes dos Guptas, e eles continuaram a fazê-lo. Figuras em Mamallapuram,
esculturas e afrescos de Ajanta são decoradas com jóias. Imagens divinas de
ouro maciço são atestadas e os templos reais foram rapidamente se tornando
tesouros reais, dotados com os frutos de suas conquistas.
O
muçulmano devoto, embora aparentemente empenhado em converter os infiéis,
encontraria seu “zelo” muito bem recompensado.
Jan.
2015