sábado, 11 de maio de 2013


CAVALHADAS

 (continuação)

Desde o meio dia ocupavam as trincheiras muitos milhares de pessoas de todas as Classes do Estado, e mesmo das mais respeitáveis da Corte, assim como das Províncias e Terras mais notáveis. Nos Camarotes brilhavam Senhoras, quantas neles podiam caber, elegantemente vestidas de grande gala com diamantes e plumas.
O Conselho d’Estado, o Ministério, o Corpo Diplomático, as primeiras Autridades Civis, e militares da Corte, ocupavam os bem armados camarotes para eles previamente destinados.
Às duas horas da tarde em ponto S. A. R. com a Princesa Regente, toda a Família Real acompanhados das Damas, Camaristas, Vidores, e Oficiais Móres da Casa, entrou na Tribuna Real, rompendo então, e com o maior entusiasmo, os mais sinceros e respeitosos vivas a S. A. R.; e obtida do mesmo Augusto Senhor a licença (que um dos Cavaleiros foi pedir) para começar o Torneio se abriram as portas da Praça em frente da Tribuna.

«Mastigão os Cavalos escumando
«Os Áureos freios com feroz semblante;
«Estava o Sol nas Armas rutilando
«Como em christa, ou rigido diamante,
Cam.

Entraram logo os 4 Fios dos 32 Cavaleiros tirando os chapeus, com as suas respectivas Bandas de musica, e equipagens de cavalos, e criados (menos as Guardas da Cavalaria, e as Carruagens) na mesma ordem, e formatura em que tinham saido do Passeio Publico, e desfilando a passo por baixo da Tribuna evacuaram a Praça.
Tendo os Cavaleiros recebido as lanças da seus respectivos criados en¬trarão logo na Praça; e em frente das tribunas se formaram em linha, altarnando-se os Cavaleiros dos 4 Fios; e esta variada alternativa de cores, a presença, e garbo militar dos 32 Cavaleiros, vestidos á antiga com seus cocares, ou plumas também de diversas cores, e com riquissimas prezilhas de diamantes, montados nos mais bonitos e soberbos cavalos de manejo, cobertos de veludo, ouro, e prata, e alguns de diamantes, apresentou um espectáculo, que excitou o Principe Regente e Familia Real um vivo aplauso, que foi seguido, e continuado por todos os espectadores.
Os Cavaleiros avançaram assim em linha parando três vezes, e brandindo as lanças em frente da Tribuna, e concluida esta Continência Real se dividiram sobre a marcha em dois corpos iguais, que pela direita, e pela esquerda da Praça retomaram a sua primeira posição.

«Já dão signal, e o som da tuba impele
«Os bellicosos animais, que inflama:
«Picão de esporas, largam redeas logo,
Abaixo lanças, fera a terra fogo..
Cam.

Imediatamente se reuniram sobre si os 8 Cavateiros de cada Fio; o Guia na frente, apoz ele o Contra-Guia seguidos dos outros 6 Cavaleiros por filas, e saindo a passo ocuparam os 4 ângulos da Praça; levantando depois ao Galope fizeram a escaramuça correspondente rodando nos Círculos, cortando terreno, enristando as lanças, quando passavam ao lado dos seus contendores; e logo fazendo Halt; e tomando posição, formados em batalha, saiu a passo o Guia do Fio Verde, e parando a poucos passos em frente do Fio, que lhe estava oposto, fez o sinal de desafio, brandindo a lança, e voltando ao galope foi perseguido pelo Guia do Fio oposto que na carreira lhe jogou uma lançada, aparando-a, e defendendo-se com a sua lança, e por este modo se seguiram os outros Cavaleiros, repetindo-se este combate duas vezes por cada Fio: acabado o qual se retiraram ao galope, e fazendo círculos, cortando o terreno sairam da Praça.
E entregando as lanças aos seus Pagens, mudaram todos de Cavalo, e sem demora se apresentaram na Praça com os seus Escudos no braço esquerdo e reunidos aos seus Fios fizeram ao galope uma diferente escaramuça mais dificil, e complicada que a primeira, e tomando nova posição nos 4 angulos principiaram o combate das Alcancias, que consistio em atirar, na carreira ao inimgo, boillas oucas de barro pintadas, defendendo-se com o Escudo, o Cavaleiro, que era atacado; seguindo-se os Cavaleiros uns aos outros na forma do combate das lanças, e também por duas vezes cada Fio, uma para acometer, outra para defender, causando ao Publico tanto prazer, e divertimento este segundo combate, como tinha causado susto o primeiro; e concluido ele os Cavaleiros ao galope fizeram nova escaramuça, e se retiraram.
As 4 bandas de musica tocavam sempre, e alternadamente nos 4 lugares da Praça em que estavam colocadas. Seguiu-se logo:

O CARROUSSEL

No curto espaço de tempo necessário para se fazerem os arranjos para esta muito divertida, e cientifica parte do Torneio descançaram os Cavaleiros. Entretanto no angulo direito da Praça se colocou um Pagem tendo na mão uma lança chamada de roca, por que o cabo tem o feitio de uma roca comprida acabando em ponta de ferro muito aguda. No meio, do lado direito da Praça estava dependurada uma argolinha ligeiramente sustida por uma cadeia inclinada para o centro, segura a uma comprida escapula de madeira arqueada em cima, e pregada á teia da tricheira. Do lado esquerdo da Praça no meio, e paralelo á argolinha estava um quadrado de madeira pintado com a cabeça de Medusa, em relevo em um elevado poste pregado na teia do mesmo lado esquerdo; e defronte uma cabeça de papelão sobre um pedestal de 5 palmos de altura; e sobre outro pedestal quasi razo, e quasi no fim desse mesmo lado es¬querdo estava outra cabeça de papelão, e em cada angulo da praça um criado, ou Pagem.
Os Cavaleiros tendo mudado de cavalo, montaram no da entrada, e continência Real, que era o mais formoso, o mais bem ensinado, e o mais ricamente ajaezado, e se formaram em linha nos respectivos Fios, e logo o Guia do Fio Verde saindo a passo levantou de galope para a direita terra a terra; e chegando ao angulo do lado direito da Tribuna Real, a recebendo do Pagem a lança da roca, deu ao galope duas voltas em circulo, com a garupa ao centro, ou ao pilão, e endireitando-se com a argolinha procurou, no repelão, ou corrida, a toda a brida, espetar a argolinha, e levá-la na ponta da lança e com ela, ou sem ela, chegando ao angulo no fim do mesmo lado, e fronteiro áquele d'onde saiu tornou a pôr o cavalo na volta de garupa, ao centro. E logo passando o cavalo de mão, e atravessando a Praça diagonalmente se dirigiu ao angulo esquerdo, tornando a passar de mão da esquerda para a direita, e ao galope com a garupa ao centro recebendo do Pagem o dardo fez a pontaria á cabeça de Medusa atirando lhe o mesmo dardo que devia ficar cravado nela; chegando ao fim do mesmo lado, e sobre o galope terra a terra, e garupa dentro, tirando a pistola do coldre, e engatilhando-a a disparou, no repelão, contra a cabeça que estava sobre o pedestal, e na qual devia acertar; e chegando ao angulo direito do mesmo lado, metendo a pistola no coldre, sempre ao galope, e desembainhando a espada, e em uma comprida carreira inclinando-se todo sobre o lado direito procurou espetar com a ponta da espada a cabeça de papelão colocada no pedestal quasi rente ao chão; e dando duas voltas em círculo se retirou a passo a tomar o seu lugar na linha.
A este se seguiram os outros Cavaleiros fazendo todos o mesmo; e tão bem ensaiados estavam, que ao mesmo tempo se viam trabalhando nos angulos da Praça 4 Cavaleiros executando as diferentes operações do CARROUSSEL, desenvolvendo todos muita arte e galhardia; sendo uns mais felizes que outros não ocorrendo desgraça alguma; sendo esta parte das Cavalhadas a que excitou o maior prazer, admiração, e o mais excessivo aplauso.
Terminado o CARROUSSEL, e desempedida a Praça os Cavaleiros mudaram de cavalo, e no terceiro Rocim se apresentaram nas suas posições, fazendo uma nova escaramuça ao galope para o combate das CANAS, pelo mesmo modo do combate da ALCANCIAS. O agressor atirava uma cana enramada ao seu contrário, e este na carreira, procurava rebatê-la com a espada; o que foi repetido duas vezes por todos os 4 Fios.
A esta esçaramuça seguiram-se as JUSTAS, ou combate de Espadas ao galope; acabado o qual os contendores punhão as espadas em cruz correndo até debaixo da Tribuna Real, donde desfilavam a passo um para a direita, outro para a esquerda, e chegando á porta da Praça, se apeavaan, e montavam no cavalo da entrada.
Como as tardes de Novembro são pequenas, não houve tempo para se fa zer a corrida dos Pombos nem o Jogo do Estafermo.
A Continência final poz termo ás CAVALHADAS: os cavaleiros postados em Linha, e Fios alternado-se ao som de uma marcha tocada pelas 4 Bandas de musica juntas avançaram a passo, e em linha: e no centro da Praça fizeram Halt; e a um tempo se descobriram tirando os chapeus fazendo uma respeitosa cortezia ao Principe Regente, que a recebeu de pé com muito especial agrado, tirando o seu chapeu, aplaudindo muito os Cavaleiros, e a estes Reaes aplausos se seguiram os de todos os expectadores; retirando-se logo o Principe, e a Família Real, dirigindo-se ao Real Theatro de S. Carlos; permetindo S. A. R. que os Cavaleiros, que tinham a honra de ser Camaristas, Viadores, e Oficiaes Móres da Casa, podessem nessa noite estar na Tribuna Real vestidos como tinham feito as cavalhadas.
A cidade iluminou-se expontaneamente em obséquio á Nobreza que foi ao Teatro, e por toda a parte recebeu repetidos e estrondosos aplausos.
No dia 11 de Novembro repetiu-se a mesma função das Cavalhadas, fazendo-se exactamente tudo como no dia 2, com a única diferença de que se fez tudo ainda melhor do que no primeiro dia, como era natural, que assim acontecesse.
E como nessa noite o Principe Regente e a Familia Real não foram ao Teatro, o Marquez de Abrantes deu no seu Palácio a Santos o Velho um bri¬lhante Baile, e sumptuosa ceia a toda a Corte, e Corpo Diplomático, a que assistiram todos os Cavaleiros vestidos também como tinhão de tarde feito as Cavalhadas.
FIM

Nota: O que vai morrendo em Portugal, permanece vivo no Brasil. Continuam a fazer-se Cavalhadas, com trajes a “rigor” em algumas cidades.

11/05/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário