domingo, 26 de maio de 2013




TROVAS PARA O POVO

e... não só!


De um pequeno livreto, que deve ter uns cem anos, e na contra capa anuncia montes de livros a preços populares, como Orações a $30, Trovas para o Povo a $50 (de onde saíu este “fado”!), História de D. Inês de Castro a 1$00, Romeu e Julieta a 2$00, Texas Jack, 100 números a $60, bem como Capitão Morgan, e O que é o Casamento de Honoré de Balzac a 2$00, e até um Arte de Lavar Roupa por $50! (Tudo nos bons velhos Escudos portugueses, que valiam ouro!)
Uma maravilha!

 
De todos estes fados elegi um que vem preencher a dificuldade de muito pretensos nobres completarem a sua árvore genealógica!


Minha Família

(Para ser cantado com música do Fado Alexandrino)

MOTE
Minha família é distinta
E de nobre posição,
Eu pertenço a boa gente
Creiam, não lhes minto não...

GLOSAS
Minha mãe é vendedeira
De tremoço e burrié,
Tenho uma tia que é
Creada d'uma parteira.
Minha avó é lavadeira
Lava roupa branca e tinta,
Meu avô todo se pinta
A vender fava torrada,
Descendo de gente grada
Minha família é distinta...

Tenho um primo cauteleiro
Um tio que vende sorvetes,
Outro que é moço de fretes,
Um cunhado que é padeiro,
Tenho um sobrinho aguadeiro,
Varredor tenho um irmão,
Meu padrinho é sacristão
Meu pae é moço de cego
Sou tipo nobre, não nego,
E de nobre posição !...

Minha sogra vende sinas,
Minha sobrinha anda ao trapo,
O meu sogro, homem pacato,
É guarda d’umas sentinas.
Leva cartas ás meninas
Um coxo que é meu parente,
Também tenho um descendente
Que na praça vende flores,
Como vêem meus senhores
Eu pertenço a boa gente! ..

As minhas primas Linhares
São amas, criam gaiatos,
Eu deito gatos em pratos
Bacias e alguidares...
Donairosos titulares
Eu tenho com profusão,
Vivo n'um louco estadão
E livre de más penhoras
Mas... co'a barriga a dar horas
Creiam não lhes minto não!...

***

Para “completar”, uma trova, (da nobreza!) do século XV.
O primeiro Conde Vimioso, D. Francisco de Portugal, filho (ilegítimo) do bispo de Évora, D. Afonso de Portugal, tinha, pela sua posição e seu talento para a poesia, um papel muito importante nos Serões do Paço. Em 1515 El-Rei Dom Manuel deu-lhe o título de Conde.
Sua mulher, D. Joana de Vilhena, entretinha as damas que a visitavam, com a leitura de algumas obras de seu marido.
A trova que se segue foi por ele composta quando em 1498, em Belém, aborrecido, enquanto aguardava embarcar para África, onde foi comandar a praça de Arzila.

“Trova do Conde de Vimioso estando em Belém
enfadado do tempo e dos couzas dele”.

Isto acho de Belem:
Vejo d’além uns oiteiros,
Que não dizem mal nem bem
A quem conte meus marteiros.

Falo-lhes sem esperar
Resposta do que lhes digo;
Outro tanto vi achar
No amigo e no inimigo.

D’isto vivo em Belem,
Descanço de ver oiteiros,
Que respondem c’o que tem
E são muito verdadeiros.


20/05/2013

segunda-feira, 20 de maio de 2013



 
CONTROLE ALÉM-MAR


Médicos Cubanos seguem cartilha até na Bolívia

Namoros com nativas precisam de autorização do governo da ilha



ANDRÉ DE SOUZA - BRASÍLIA


Mesmo longe de casa, os médicos cubanos não saem do controle do governo daquele país. Foi o que aconteceu com os que foram trabalhar na Bolívia em 2006, no âmbito do acordo de cooperação firmado entre os dois países. Os médicos ficaram sujeitos a uma série de restrições impostas pelo governo de Cuba. Regulamento editado na época diz que o profissional deve informar imediatamente às autoridades cubanas caso tenha uma relação amorosa com alguma boliviana. Além disso, para que o namoro possa ir adiante, a parceira do médico deve estar de acordo com o "pensamento revolucionário” das missões cubanas.
Os profissionais também foram proibidos de falar com a imprensa sem prévia autorização, de pedir empréstimos aos nativos, e de manter amizade com outros cubanos que tenham abandonado a missão.
Outra proibição é a de beber em lugares públicos, com algumas poucas exceções, como festividades nacionais cubanas, aniversários e despedidas de outros médicos cubanos do país. Pelo regulamento, eles não poderiam sequer falar, sem prévia autorização, sobre seu estado de saúde com seus amigos e parentes que vivem em Cuba.
Eles também foram impedidos de sair de casa depois das 18 horas sema autorização do chefe imediato. Ao pedir permissão, os médicos deviam informar onde iam, os motivos da saída e se estavam acompanhados de cubanos ou bolivianos.
Se quisessem sair da área onde residiam e trabalhavam, também precisariam de autorização.
Se fossem sair de um dos departamentos bolivianos (o equivalente aos estados brasileiros) a autorização deveria vir do chefe máximo da missão naquele departamento.
Segundo o regulamento o não cumprimento dos deveres resulta em infraçâo, o que pode levar o médico a ser processado e punido pela Comissão Disciplinar. Entre as punições previstas estão a advertência pública, a transferência para outro posto de trabalho no país e o regresso a Cuba.
O GLOBO tentou falar com a embaixada cubana em Brasília para saber se a resolução foi atualizada, mas foi informando que o atendimento só será possível hoje.
As condições de trabalho dos médicos cubanos são alvo de críticas do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em representação entregue ontem a Procuradoria Geral da República, o Conselho diz que os cubanos estão sujeitos a regras que "ofendem a nossa soberania nacional, bem como os direitos fundamentais previstos na Carta Magna, que também são assegurados aos estrangeiros, e passíveis inclusive de tutela via mandado de segurança e habeas corpus, nos casos previstos na Constituição Federal de 1988 e nas respectivas leis".
Além da Bolívia, há vários médicos cubanos atuando na Venezuela. Os três países são politicamente aliados. •

Não esquecer que o Brasil também não foge da “aliança”. Para festejar o 1° de Maio foram a Cuba sete congressistas, com viagens e estadias pagas pela “viuva”! Possivelmente lá o 1° de Maio deve ser bem mais divertido! E barato, porque dá para empalmar as ajudas dde custo, e ainda fazer negócios, contrabando, etc.
Entretanto o “sapo-barbudo”, ex-atual presidente desta terra do futuro, internacionalmente conhecido e enaltecido com o nome de lula, está já na Argentina onde vai receber nada menos do que nove – 9 – honoris causa de quase todos as universidades argentinas. Apesar de quase analfabeto deve bater o record de honorabilidade científica mundial, desde que ninguém se lembre de propalar que em negócios extremamente excusos, e não só, embolsou para si e familia albuns milhões, possivelmente bilhões de dólares.
Todos aplaudem.
E o rei continua nu!



17/05/2013

quinta-feira, 16 de maio de 2013



 
O FOTÓGRAFO

E O CREME DE BARBEAR



Há muitos anos que deixei de fazer a barba. A causa próxima foi um ligeiro acidente de carro. Já noite, seguia por estrada asfaltada, piso escuro, faróis iluminando bem o caminho. De repente ao sair duma curva, um imenso pneu, daqueles dos moto-scrapers com mais de dois metros de diâmetro, deitado no chão, fechando a estrada que estava em reparação!
À noite, estrada preta e pneu preto, mesmo em África, nem preto vê. Quando me apercebi que tinha um desvio, noventa graus entrando pelo mato, era tarde. Travão a fundo, ainda fui chocar com o pneu. O carro nada sofreu, mas eu, que levava um passageiro no banco traseiro que com a batida se apoiou nas minhas costas, bati com a cara no espelho retrovisor interno que se quebrou e cortou-me a beiça superior. Sangue a escorrer para a camisa, parecia até um grave acidente! De qualquer modo tive que levar alguns pontos na dita beiçola. Durante os primeiros dias foi difícil falar, rir só segurando a beiça inchada para não abrir os pontos, então fazer a barba ficou fora de cogitação.
Como fazer a barba todos os dias é uma monotonia, uma chatice, resolvi aproveitar aquela deixa e nunca mais a fazer. Já lá vão quase três dezenas de anos!
Ainda guardo, para variar, alguns apetrechos cortadores, um deles bem velhinho que foi do meu pai, mas ao pensar em barba, e nos antigamentes, o que mais me lembro é da visita do senhor Williams, o dono do creme de barbear com o seu nome, muito publicitado e vendido mundo afora. Milionário, americano, foi no governo Kennedy talvez secretário de estado para assuntos africanos. Não sei bem se era este o cargo, mas foi o senhor Williams que o senhor J. F. Kennedy mandou a Angola para que ele visse com os seus próprios olhos como, pelos colonos, eram tratados, sobretudo certificar-se como eram destratados, os pretos! O Kennedy tinha autorizado a guerra da independência de Angola. Não esqueçamos que foi ele que mandou dinheiro para o Holden Roberto, o que fez deflagrar a matança de 15 de Março de 1961, que foi tão violentamente vergonhosa que ainda hoje, um quarto de século passado sobre a independência de Angola, não há um único membro de qualquer dos partidos políticos que queira assumir a sua responsabilidade. Talvez por isso mesmo o senhor JFK necessitava que um membro do seu governo fosse, in loco, ver as injustiças praticadas pelos portugueses, para se ajudar a justificar-se pela sua quota parte naquela tristíssima matança.
Como se pode imaginar, porque logo se soube da vinda deste emissário e suas intenções, a animosidade para com os americães aumentou, e a recepção ao senhor Williams limitou-se ao estritamente oficial. Sabendo-se a finalidade da visita, e a sua ligação à política americana anti-portuguesa (é bom ler Kennedy e Salazar - O leão e a raposa de José Freire Antunes) muita gente deixou de usar o seu creme de barbear, representado em Angola pelo Quintas & Irmão!
O Governo de Angola, recebeu ordens de Lisboa para deixar o inspetor à vontade. Ele que metesse o nariz onde bem quisesse, que ninguém o impediria.
Da parte do cônsul americano em Luanda foi enviado à Cuca um pedido para receber o sobredito em visita à fábrica. Era uma unidade industrial com razoável importância no contexto económico de Angola.
- Pode avançar.
Como não convinha alardear a visita deste sujeito, o diretor geral, o simpático engenheiro geógrafo Albano Martins da Costa, chamou-me e, meio em segredo, pediu-me que o acompanhasse durante a visita e aproveitasse para, discretamente, tirar duas ou três fotografias, mas que não desse o filme a revelar a ninguém, o que não teria qualquer problema porque desde há vários anos eu mesmo revelava e ampliava fotografias em casa, para o que estava convenientemente apetrechado, técnica e materialmente.
A Cuca era uma companhia com duas fábricas de cervejas e uma de rações para gado, bem estruturada industrial, comercial e socialmente, que o digam alguns dos seus colaboradores que a seguir à independência ocuparam imediatamente elevados cargos no governo.
Dia e hora previstos chega um carro com dois gringos, um que seria talvez o vice cônsul e o, já de antemão antipático, barbeador.
Na porta da fábrica, para os receber, o DG e eu.
O barbeador era um homem alto, forte, louro, que de tanto creme passar nas bochechas havia esquecido que um sorriso, mesmo quando se está em campos opostos, não faz mal a ninguém.
A conversa, como se pode imaginar era... muda!
O homem não queria nada conosco, e quando viu os primeiros operários africanos, que depois constatou serem a maioria, perguntou de imediato qual o horário de trabalho, salário, etc.
Como eu falava um pouco mais de inglês do que o DG, era a mim que o sujeito dirigia as perguntas. A resposta era simples: chamava-se o funcionário e ele que lhe perguntasse tudo quanto quisesse que o homem do consulado traduzia, para não ficar qualquer dúvida quanto à isenção da nossa atitude.
Perguntou o que quis e ouviu o que não quis, porque nenhum se queixou, nem disse mal dos portugueses, nem sabia de algum caso de canibalismo branco-negro!
No final da visita, como era tradicional lá na Cuca, um copo de cerveja no bar onde recebíamos visitas, e assinatura no Livro de Honra. Para que ninguém visse que tínhamos recebido um inimigo mandou-se comprar um livro novo, que se ainda existe só deve ter a assinatura dele!
Permanecendo na mesma amável atitude, quando lhe pedimos para deixar escritas as suas impressões, o que o colocava numa posição difícil perante a finalidade condenatória que tinha sido o objetivo pré determinado da sua viagem a Angola, limitou-se a assinar nome e data!
Foi embora com o mesmo sorriso de alarve novo rico americano com que chegara.
Logo de seguida fui eu correndo para casa para, super cuidadosamente, revelar as fotografias, fazer algumas ampliações e mandar para a Administração em Lisboa. A responsabilidade era muita!... Tanta que, apesar de ter já alguns anos de prática, troquei os produtos químicos na hora da revelação, começando pelo fixador que literalmente lavou o negativo inteiro! O negativo fixou-se transparente como vidro!
Quando abri a luz para ver o trabalho e constato que tinha feito uma grande burrice, e que da visita do barbeiro só ficara mesmo a solitária assinatura, num livro de honra exclusivo, deu-me para rir! Naquela altura, fazer o quê? Nada.
Voltei para a fábrica e fui mostrar as fotos ao DG.
O homem, habitualmente calmo e simpático, ficou danado. Eu, ria!
- A visita não era semi confidencial? Agora é que ninguém pode provar que ele esteve aqui!
- Você é maluco.
- Não fique preocupado com isso, porque há muito que isso eu também sei!
Acabámos rindo os dois, e nunca mais usámos o creme de barbear do senhor Williams!
Isto deve ter-se passado em 1962/3.

Escrito em Fev/2000

sábado, 11 de maio de 2013


CAVALHADAS

 (continuação)

Desde o meio dia ocupavam as trincheiras muitos milhares de pessoas de todas as Classes do Estado, e mesmo das mais respeitáveis da Corte, assim como das Províncias e Terras mais notáveis. Nos Camarotes brilhavam Senhoras, quantas neles podiam caber, elegantemente vestidas de grande gala com diamantes e plumas.
O Conselho d’Estado, o Ministério, o Corpo Diplomático, as primeiras Autridades Civis, e militares da Corte, ocupavam os bem armados camarotes para eles previamente destinados.
Às duas horas da tarde em ponto S. A. R. com a Princesa Regente, toda a Família Real acompanhados das Damas, Camaristas, Vidores, e Oficiais Móres da Casa, entrou na Tribuna Real, rompendo então, e com o maior entusiasmo, os mais sinceros e respeitosos vivas a S. A. R.; e obtida do mesmo Augusto Senhor a licença (que um dos Cavaleiros foi pedir) para começar o Torneio se abriram as portas da Praça em frente da Tribuna.

«Mastigão os Cavalos escumando
«Os Áureos freios com feroz semblante;
«Estava o Sol nas Armas rutilando
«Como em christa, ou rigido diamante,
Cam.

Entraram logo os 4 Fios dos 32 Cavaleiros tirando os chapeus, com as suas respectivas Bandas de musica, e equipagens de cavalos, e criados (menos as Guardas da Cavalaria, e as Carruagens) na mesma ordem, e formatura em que tinham saido do Passeio Publico, e desfilando a passo por baixo da Tribuna evacuaram a Praça.
Tendo os Cavaleiros recebido as lanças da seus respectivos criados en¬trarão logo na Praça; e em frente das tribunas se formaram em linha, altarnando-se os Cavaleiros dos 4 Fios; e esta variada alternativa de cores, a presença, e garbo militar dos 32 Cavaleiros, vestidos á antiga com seus cocares, ou plumas também de diversas cores, e com riquissimas prezilhas de diamantes, montados nos mais bonitos e soberbos cavalos de manejo, cobertos de veludo, ouro, e prata, e alguns de diamantes, apresentou um espectáculo, que excitou o Principe Regente e Familia Real um vivo aplauso, que foi seguido, e continuado por todos os espectadores.
Os Cavaleiros avançaram assim em linha parando três vezes, e brandindo as lanças em frente da Tribuna, e concluida esta Continência Real se dividiram sobre a marcha em dois corpos iguais, que pela direita, e pela esquerda da Praça retomaram a sua primeira posição.

«Já dão signal, e o som da tuba impele
«Os bellicosos animais, que inflama:
«Picão de esporas, largam redeas logo,
Abaixo lanças, fera a terra fogo..
Cam.

Imediatamente se reuniram sobre si os 8 Cavateiros de cada Fio; o Guia na frente, apoz ele o Contra-Guia seguidos dos outros 6 Cavaleiros por filas, e saindo a passo ocuparam os 4 ângulos da Praça; levantando depois ao Galope fizeram a escaramuça correspondente rodando nos Círculos, cortando terreno, enristando as lanças, quando passavam ao lado dos seus contendores; e logo fazendo Halt; e tomando posição, formados em batalha, saiu a passo o Guia do Fio Verde, e parando a poucos passos em frente do Fio, que lhe estava oposto, fez o sinal de desafio, brandindo a lança, e voltando ao galope foi perseguido pelo Guia do Fio oposto que na carreira lhe jogou uma lançada, aparando-a, e defendendo-se com a sua lança, e por este modo se seguiram os outros Cavaleiros, repetindo-se este combate duas vezes por cada Fio: acabado o qual se retiraram ao galope, e fazendo círculos, cortando o terreno sairam da Praça.
E entregando as lanças aos seus Pagens, mudaram todos de Cavalo, e sem demora se apresentaram na Praça com os seus Escudos no braço esquerdo e reunidos aos seus Fios fizeram ao galope uma diferente escaramuça mais dificil, e complicada que a primeira, e tomando nova posição nos 4 angulos principiaram o combate das Alcancias, que consistio em atirar, na carreira ao inimgo, boillas oucas de barro pintadas, defendendo-se com o Escudo, o Cavaleiro, que era atacado; seguindo-se os Cavaleiros uns aos outros na forma do combate das lanças, e também por duas vezes cada Fio, uma para acometer, outra para defender, causando ao Publico tanto prazer, e divertimento este segundo combate, como tinha causado susto o primeiro; e concluido ele os Cavaleiros ao galope fizeram nova escaramuça, e se retiraram.
As 4 bandas de musica tocavam sempre, e alternadamente nos 4 lugares da Praça em que estavam colocadas. Seguiu-se logo:

O CARROUSSEL

No curto espaço de tempo necessário para se fazerem os arranjos para esta muito divertida, e cientifica parte do Torneio descançaram os Cavaleiros. Entretanto no angulo direito da Praça se colocou um Pagem tendo na mão uma lança chamada de roca, por que o cabo tem o feitio de uma roca comprida acabando em ponta de ferro muito aguda. No meio, do lado direito da Praça estava dependurada uma argolinha ligeiramente sustida por uma cadeia inclinada para o centro, segura a uma comprida escapula de madeira arqueada em cima, e pregada á teia da tricheira. Do lado esquerdo da Praça no meio, e paralelo á argolinha estava um quadrado de madeira pintado com a cabeça de Medusa, em relevo em um elevado poste pregado na teia do mesmo lado esquerdo; e defronte uma cabeça de papelão sobre um pedestal de 5 palmos de altura; e sobre outro pedestal quasi razo, e quasi no fim desse mesmo lado es¬querdo estava outra cabeça de papelão, e em cada angulo da praça um criado, ou Pagem.
Os Cavaleiros tendo mudado de cavalo, montaram no da entrada, e continência Real, que era o mais formoso, o mais bem ensinado, e o mais ricamente ajaezado, e se formaram em linha nos respectivos Fios, e logo o Guia do Fio Verde saindo a passo levantou de galope para a direita terra a terra; e chegando ao angulo do lado direito da Tribuna Real, a recebendo do Pagem a lança da roca, deu ao galope duas voltas em circulo, com a garupa ao centro, ou ao pilão, e endireitando-se com a argolinha procurou, no repelão, ou corrida, a toda a brida, espetar a argolinha, e levá-la na ponta da lança e com ela, ou sem ela, chegando ao angulo no fim do mesmo lado, e fronteiro áquele d'onde saiu tornou a pôr o cavalo na volta de garupa, ao centro. E logo passando o cavalo de mão, e atravessando a Praça diagonalmente se dirigiu ao angulo esquerdo, tornando a passar de mão da esquerda para a direita, e ao galope com a garupa ao centro recebendo do Pagem o dardo fez a pontaria á cabeça de Medusa atirando lhe o mesmo dardo que devia ficar cravado nela; chegando ao fim do mesmo lado, e sobre o galope terra a terra, e garupa dentro, tirando a pistola do coldre, e engatilhando-a a disparou, no repelão, contra a cabeça que estava sobre o pedestal, e na qual devia acertar; e chegando ao angulo direito do mesmo lado, metendo a pistola no coldre, sempre ao galope, e desembainhando a espada, e em uma comprida carreira inclinando-se todo sobre o lado direito procurou espetar com a ponta da espada a cabeça de papelão colocada no pedestal quasi rente ao chão; e dando duas voltas em círculo se retirou a passo a tomar o seu lugar na linha.
A este se seguiram os outros Cavaleiros fazendo todos o mesmo; e tão bem ensaiados estavam, que ao mesmo tempo se viam trabalhando nos angulos da Praça 4 Cavaleiros executando as diferentes operações do CARROUSSEL, desenvolvendo todos muita arte e galhardia; sendo uns mais felizes que outros não ocorrendo desgraça alguma; sendo esta parte das Cavalhadas a que excitou o maior prazer, admiração, e o mais excessivo aplauso.
Terminado o CARROUSSEL, e desempedida a Praça os Cavaleiros mudaram de cavalo, e no terceiro Rocim se apresentaram nas suas posições, fazendo uma nova escaramuça ao galope para o combate das CANAS, pelo mesmo modo do combate da ALCANCIAS. O agressor atirava uma cana enramada ao seu contrário, e este na carreira, procurava rebatê-la com a espada; o que foi repetido duas vezes por todos os 4 Fios.
A esta esçaramuça seguiram-se as JUSTAS, ou combate de Espadas ao galope; acabado o qual os contendores punhão as espadas em cruz correndo até debaixo da Tribuna Real, donde desfilavam a passo um para a direita, outro para a esquerda, e chegando á porta da Praça, se apeavaan, e montavam no cavalo da entrada.
Como as tardes de Novembro são pequenas, não houve tempo para se fa zer a corrida dos Pombos nem o Jogo do Estafermo.
A Continência final poz termo ás CAVALHADAS: os cavaleiros postados em Linha, e Fios alternado-se ao som de uma marcha tocada pelas 4 Bandas de musica juntas avançaram a passo, e em linha: e no centro da Praça fizeram Halt; e a um tempo se descobriram tirando os chapeus fazendo uma respeitosa cortezia ao Principe Regente, que a recebeu de pé com muito especial agrado, tirando o seu chapeu, aplaudindo muito os Cavaleiros, e a estes Reaes aplausos se seguiram os de todos os expectadores; retirando-se logo o Principe, e a Família Real, dirigindo-se ao Real Theatro de S. Carlos; permetindo S. A. R. que os Cavaleiros, que tinham a honra de ser Camaristas, Viadores, e Oficiaes Móres da Casa, podessem nessa noite estar na Tribuna Real vestidos como tinham feito as cavalhadas.
A cidade iluminou-se expontaneamente em obséquio á Nobreza que foi ao Teatro, e por toda a parte recebeu repetidos e estrondosos aplausos.
No dia 11 de Novembro repetiu-se a mesma função das Cavalhadas, fazendo-se exactamente tudo como no dia 2, com a única diferença de que se fez tudo ainda melhor do que no primeiro dia, como era natural, que assim acontecesse.
E como nessa noite o Principe Regente e a Familia Real não foram ao Teatro, o Marquez de Abrantes deu no seu Palácio a Santos o Velho um bri¬lhante Baile, e sumptuosa ceia a toda a Corte, e Corpo Diplomático, a que assistiram todos os Cavaleiros vestidos também como tinhão de tarde feito as Cavalhadas.
FIM

Nota: O que vai morrendo em Portugal, permanece vivo no Brasil. Continuam a fazer-se Cavalhadas, com trajes a “rigor” em algumas cidades.

11/05/2013

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Este pedaço da história é dedicado especialmente aos meus amigos cavaleiros
Chico da Calçada, Carlos de Alpedrete e Henrique de Lisboa!


RELAÇÃO HISTÓRICA
(RESUMIDA)


CAVALHADAS

ou

TORNElO-REAL

 
QUE SE FEZ NA CORTE E CIDADE DE LISBOA

NO ANO DE 1795

POR

JOSÉ SEBASTIÃO DE SALDANHA OLIVEIRA E DAUN

SENHOR DE PANCAS
UM DOS 32 CAVALLEJROS
 
LISBOA
NA IMPRENSA LUSITANA
Calçada de Santa Ana. N.° 74, junto. ao Campo
----------- 1842---------





INTRODUÇÃO

Os Torneios, estes exercícios de Guerra, e de galantaria que faziam os antigos Cavaleiros para mostrarem sua dexteridade, e bravura, e que compreendiam todas as qualidades de corridas, e combates militares; abrangendo também e ligando entre si os Direitos do Amor, e do valer vieram dar uma grande importância à galantaria a esta perpétua ilusão do Amor; mas renovados em Lísboa em 1795, vieram dar a maior importância aos sentimentos de Fidelidade e de Nacionalismo da Nobreza de Portugal.
Recordarei pois as Cavalhadas, o memorável Torneio Real, que a Nobreza da Corte de Portugal fez em Lisboa no ano de 1795 para solenizar, e festejar o nascimento de Sua Alteza Real o Príncipe D. Antonio presumptivo Herdeiro da Coroa, nascido em 21 de Março de 1795, Filho de Suas Magestades Fedelissimas El Rei Dom João 6.° (Ainda naquele tempo Principe Regente de Portugal) e da Rainha Dona Carlota Joaquina de Bourbon.
Não era nova em Portugal esta espécie de Festejo público. O Senhor Dom João 1.° depois da Guerra com Castela convocou tanto os Grandes, e Nobreza do Reino, como estrangeiros para que em um ano continuado se fizessem sempre Festas, e Torneios; e neles forão armados muitos Cavaleiros; e querendo El Rei, que fossem armados dois Infantes seus fílhos, e que mais se tinhão destinguido, eles respeitosamente recusaram esta Distinção, mostrando o seu grande desejo de serem armados cavaleiros, não nos Torneios de Liça, mas sim no Campo de Batalha, e por esta ocasião o persuadiram à empreza de Ceuta.
Por ocasião do casamento de El Rei D. Duarte com D. Leonor Irmã do Rei de Aragão D. Afonso houverão muitas Festas e Torneios. O casamento do Príncipe D. João filho do Snr D. João 2.° foi festejado na Cidade de Évora, onde então se achava a Corte, com grandes festas, e sumptuosissimos Torneios.
Nesse tempo estavam muito em voga os Torneios a que também chamavão Justas Reaes: é memorável a chamada do Cavaleiro do Cirne em que El Rei desafiou a Justa, e veio com tanta riqueza e galantaria quanta no Mundo podia ser, segundo a expressâo do Chronista, e acrescenta — Que em uma quinta feira, El Rei depois de comer fez a sua mostra com seus 80 mantenedores; apoz ele todos os chamados aventureiros, que passavão de 50, aos quaes todos em cavalos, arnezes, paramentos, cimeiras, moços de esporas, e todas as mais cousas da Justa se ostentou a maior riqueza, dizendo os antigos Cavaleiros, nunca haverem visto pompa igual. No Domingo seguinte por noite se desfizerão as Justas e El Rei e a Rainha, e Principes foram para o Paço em triunfo: os Juizes das Justas adjudicarão a El Rei ambos os preços, que erão um rico anel para o mais galante, e um Colar de ouro ao que melhor justasse; mas El Rei somente quiz para si a honra de os distribuir, dando o anel a um Justador Valenciano, que se tinha distinguido, e o Colar de ouro a Diogo da Silveira.
Segundo Francisco de Morais foram muito celebrados os Torneios com que defronte do Palácio d’Enchobregas se festejaram os desponsórios do Príncipe D. João, Filho de El Rei D. João 3°.
No ano de 1627, a nobreza de Entre Douro e Minho festejou em Braga a entrada do Arcebispo D. Rodrigo da Cunha, com um famoso Torneio.
Mas parece que já no reinado do Senhor D. Pedro 2° não estavam em moda, nem em uso os Torneios, porque pelas ocasiões do casamento da Senhora D. Catarina de Bragança com Carlos 2° de Inglaterra, e do segundo casamento de El Rei com a Senhora D. Maria Sophia Isabel de Sabóia, houveram somente Touros Reais, distinguindo-se muito pela primeira ocasião os Condes de Sarzedas e da Torre; e pela segundo os Condes de Atalaia, e de Vila Flor, D. Christovão Manoel de Vilhena.
Em 1795, em tão fausta e solene ocasião agradou muito a idéia de um festejo português, e esta aprovada lembraram-se de um Torneio Real, a que também chamam Cavalhadas.
Lembrou-se de um Torneio, ou Cavalhadas feito em público com toda a possível magnificência, em todo o rigor da nobre arte de Cavalgar, ou Picaria e segundo os trajes, os usos, e estilos antigos, mais aproximados aos nossos tempos, e obtida a licença do Principe Regente procedeu á nomeação dos Cavaleiros; mas como os empregos, a idade, as moléstias inhabilitavam muitos Nobres para uma função tão desusada, e tão violenta, encarregou-se o Marquez de Ponte de Lima, Mordomo Mor da Casa Real de fazer por Avizos as convenientes nominações.
Os Senhores de Casa forão os primeiros nomeados porque representavam as famílias: e achando-se nesse tempo meu Pai impossibilitado com Gota, e assim mesmo sempre activamente empregado na Inspecção Geral do Terreiro Publico, e no Gabinete de S. A. R., e nessa occasião gravemente enfermo meu Irmão primogénito, recaiu sobre mim (ainda Solteiro) essa organização.
Foi encarriegado da direção Geral das Cavalhadas o Sargento Mor e Mestre de Picaria Manoel Carlos de Andrade, aissim como também aos ensaios gerais, que se fizeram na Tapada Real da Ajuda, exercitando-se separadamente os Cavaleiros nos Picadeiros de Belém, Quinta da Praia, Colégio dos Nobres, do Conde de Óbidos, do Marquez de Abrantes, e do Marquez de Castelo Melhor.
Assentou-se que fossem 32 os Cavaleiros, que formariam 4 Turmas, ou divizões, a que chamaram FIOS, que cada FIO se formaria de 8 Cavaleiros; e destes um seria o Guia, o outro o contra-Guia; que o vestuário seria o rigoroso antigo á picadora; que cada Fio teria uma diferente cor; que as 4 cores seriam Verde, Escarlate, Azu1 ferrete, e Amarelo; que os Fios Verdes e Azul seriam agaloados de ouro; e de prata o Escarlate e o Amarelo, que os Guias, e contra-Guias fossem nomeados pelo Marquez Mordomo Mor; e que as cores dos Fios, e os 6 Cavaleiros correspondentes a cada Fio fossem sorteados; que os arreios, jaezes, e enfeites dos cavalos fossem á antiga, e rigorosa moda portuguesa; que cada Cavaileiro montaria um cavalo de manejo para a Entrada, e para o CARROUSEL acompanhado de mais três Corseis, ou rocins, destinados para as escaramuças, e diferentemente arriados; que cada Cavaleiro seria seguido da 6 Criados de Libré ricamente fardados segundo os estilos das suas Casas, 8 para lievairam na mão, ou braço, uma lança, outro o escudo com timbre das suas armas, o terceiro o teliz, e os outros 3 para cada um levar á mão os três rocins, o que multiplicado por 32 dava um total de 128 cavalos, e 224 criados de libré; que cada Fio seria precedido da uma Banda de musica militar a cavalo de 20 Músicos fardados com as correspondentes cores de cada Fio, vindo a fazer o numero de 80 músicos a cavalo, e que as carruagans, dos Cavaleiros em grande Fiochi com os seus Moços de estribeira, ou ferradores seguiriam a Cavalgada nos dias das Cavalhadas.
E com tanta actividade, boa vontade, e inteligência se aprontaram os Cavaleiros, que S. A. R., o Principe Regente ordenou que os dias 2 e 11 de Novembro fossem os dias destinados para as Cavalhadas; o tempo estava sereno, e seguro; era o Veranico chamado S. Martinho.
No dia 2 de Novembro ao meio dia partiram os 32 Cavaleiros nas suas carruagens para o passeio publico, onde se reuniriam, assim como as suas equipagens e trens; na Rua larga do centro montariam a cavalo, reunindo-se separadamente os Cavaleiros aos seus respectivos Fios formando em linha ao som das 4 Bandas de musica; a um sinal convencíonado metaram em coluna, e desfilaram para a Praça das Cavalhadas, (onde o Príncipe Regente com a Família Real deveria chegar ás 2 horas da tarde) marchaindo a passo na Ordem seguinte:

«Dos Cavaleiros o estrépito parece
«Que faz que o chão debaixo todo treme;»
«O coração no peito, que estremece,»
«De quem os olha se alvotoça, e teme.»
Cam. C. 6.

Um luzido esquadrão de Cavalaria precedia os Cavaleiros, e depois de um intervalo regular rompia a marcha a Banda militar de 20 músicos a cavalo do primeiro Fio, formado dos seus 8 Cavaleiros a saber:
FIO VERDE
GUIA
Duque do Cadaval.
CONTRA-GUIA
Conde de Aveiras (1) — Nuno.
CAVALEIROS.
Marquez de Abrantes.
Marquez de Lavradio.
Conde de Sampayo (2) —Manoel.
D. Vasco da Camara (3).
Conde de Caparica (4).
José Telles da.Silva.

(1) Depois -— Marquez de Vagos.
(2) Depois — Marquez de Sampayo.
(3) Depois — Marquez de Belmonte.
(4) Depois — Marquez de Valada

Marchavam os Cavaleiros a 2 de fundo, o Guia na frente o Contra Guia na retaguarda, e ao lado de cada um dos Cavaleiros marchavam da parte de fora, e em linha três criados de libré respectiva a cada um, levando um a lança, outro o escudo, o terceiro o teliz.
Atraz do Contra-Guia de cada Fio seguiam-se os 24 Cavalos, Rocins para mudar, pertencentes aos 8 Cavaleiros do mesmo Fio, três para cada Cavaleiro, e levados á mão pelo cabrestilho pelos outros três criados de cada um.
Esta ordem de marcha do Fio Verde foi seguida em tudo pelos seguintes três Fios, com as suas distancias necessárias para a boa ordem, e brilhante desenvolvimento da Cavalgada.

FIO ESCARLATE
GUIA.
Marquez de Alorna.
CONTRA-GUIA.
Marquez de Angeja -— D. Pedro
CAVALLEIROS.
Correio Mór do Reino (5).
Marquez das Minas.
Visconde de Asseca — Salvador
Marquez de Ponte de Lima – D. Thomaz
Conde da Ega- (6) -— Ayres
José Sebastião de Saldanha Oliveira e Daun.(*)

(5) Depois — Conde de PenafieL
(6) Por falecimento da Condessa da Ega a 3 de Novemhro do mesmo ano,foi substituído por seu Irmão Joaquim de Saldanha de Albuquerque.
(*) Mais tarde 1º Conde de Alpedrinha

FIO AZUL FERRETE
GUIA.
Conde de Óbidos.
CONTRA-GUIA.
Marquez de Niza — D. Domingos
CAVALLEIROS.
Marquez de Penalva.
Conde de S. Lourenço (7)- José
D. Nuno Alvares Pereira de Mello
Visconde de Barbacena (8).
Francisco de Mello (9).
Conde de S. Miguel.

(7) Depois — Marquez de Sabugoza.
(8) Depois -— Conde de Barbacena.
(9) Depois — Conde de Ficalho.

FIO AMARELO
GUIA.
Marquez de Tancos — D. António.CONTRA-GUIA.
Marquez de Marialva — D. Pedro
CAVALEIROS.
Conde de Valadares (10) — Álvaro
Marquez de Tancos — D. Duarte
Conde da Sabugal
D. Fernando de Lima.
D. Gregório Ferreira d'Eça (11)
D. Pedro Manoe1 de Menezes

(10) Depois — Marquez de Torres Novas.
(11) Depois -— Conde de Cavaleiros.

Seguia-se um Corpo de Cavalaria, e atraz dele seguiam-se as 32 Carruagens dos Cavaleiros puchadas por 4 cavalos, ou machos em grande gala com seus moços de estribeira, ou ferradores ao lado, e a cavalo, e que fecha, vão a marcha da Cavalgada a qual se dirigio á Praça do Comércio, atravessando diagonalmente o Rocio, hoje Praça de D. Pedro e a rua Augusta por entre Alas e um imenso concurso de Povo apinhado nas ruas e nas janelas aplaudindo, e dando insessantes Vivas aos Cavaleiros.
(Continua)

08/05/2013

quinta-feira, 2 de maio de 2013





Em Lisboa
A  BICA  DO  ANDALUZ

X E : M : CCC : LXX : IIII : O : CON
CELHO : DA CIDADE : DE
LISBOA : MÃDOU : FAZ’ : ES
TA : FÔTE : A  S’UIÇO : D’ : D S
E : D : NOSO : SENH’ : REY : DÕ : A :
P (ER) : GIL : STEUEES : THESOURE
YRO : DA : DITA : CIDAD : E A : SOA
RIZ : ESCREUAM : DÕ : GRÃS.

por J. M. Cordeiro de Sousa –
in “OLISIPO” – Boletim do Grupo Amigos de Lisboa – Janeiro de 1944

Leitura:
ERA, 1374. O CON/CELHO DA, CIDADE DE / LISBOA MANDOU FAZER ES/TA FONTE A SERVIÇO DE DEUS / E DO NOSSO SENHOR REI DOM AFONSO / POR GIL ESTEVES, TE­SOURE/IRO DIA DITA CIDADE, E. AFONSO SOARES, ESCRIVÃO. DEO GRATIAS.
Suponho que nada mais se sabe acerca da consstrução do chafariz do Largo do Andaluz, além do que nos conta a velha inscrição que, há bons seiscentos é seis anos, lhe colocaram, comemorando a obra.
Corria o ano de 1336, quando o Conselho da Cidade encarregou o seu tesouireiro e o seu escrivão, de o mandarem fazer para serviço de Deus e do bravo vencedor do Salado, que é como quem diz: para refrigério dos sedentos cami­nhantes.
Nem sequer ao sítio se conhece a origem do nome, que, quanto a mim, os autores fantasiam, pondo de parte a mais razoável, e até a mais simples.
Diz-nos Veloso de Andrade que a sua água vem do poço de uma quinta na rua de S. Sebastião da Pedreira», e que já em 1769 constava de certo do­cumento do Senado da Câmara que de «há muitos anos é própria do público». Essa quinta, conta-nos frei Luiz de Sousa, ficava «ao sair de Lisboa, junto ao mosteiro de Santa Marta,... na estrada que corre da cidade para o lugar de Nossa, Senhora da Luz», e chegava até o largo onde está o chafariz que «lhe fica ser­vindo de espelho a uma janela, e fazendo o sítio delicioso à sede e cansaço dos passageiros, como ao cómodo e divertimento dos vizinhos».
O mosteiro, como se sabe, fora edificado em terrenos de uma quinta que D. Álvaro de Castro legara para um colégio de missionários da Índia, que veio a ser fundado em 1699.
Freire de Oliveira cita uma Carta-Regia de 21 de Dezembro de 1513 àcêrca do lançamento de um imposto destinado a obras nesta bica. Depois, pensaram em trazer-lhe a água para o Rossio, o que parece não ter chegado a efec­tuar-se. Mais tarde, quando as freiras se acolheram ao convento de Santa Joana, após o terremoto de 1755, já lá encontraram uns tanques e uns canos «antiquissimos» para onde corriam os sobejos da bica.
Esses sobejos, e mais a têrça parte da água, fonam, em Abril de 1769, concedidos às madres claristas que muito insistentemente os haviam pedido desde 1766 para os gastos da comunidade, muito embora frei Cláudio da Conceição anos diga que esta bica era uma das nove de água salobra existentes na capital.
Muita sêde deviam ter as pobres freiras!

A inscrição é composta com os caracteres monacais, vulgares na época do bravo Afonso IV.
Tem poucas abreviaturas.
Na 1a linha: E, abreviatura corrente da palavra Era;
na 3.° linha: FAZ', cuja apóstrofe representa a última sílaba da pala­vra fazer;
na 4ª linha S’UIÇO, correspondendo o mesmo sinal às letras er, som que mais vulgarmente era representado por um traço cortando a letra pelo seu terço inferior; D', por de, o que não é trivial, mas se repete na linha seguinte; DS, abreviatura ordinária da palavra Deus.
Na 5.° linha há a notar a abreviatura SENH', dando à apóstrofe a correspondência da terminação or, mas que comummente corresponde a is, os, us; e A, a clássica abreviatura de Afonso, que se repete na 7ª linha.
Na 6ª linha, o “p” cortado que se encontra a cada passo, não só na escrita lapidar, mas em documentos manuscritos até quasi aos nossos dias, por per ou por.
Finalmente, na 8.° linha, duas abreviaturas que têm intrigado quantos qui­seram ler a velha inscrição: DÕ GRÃS.
Joaquim José Moreira de Mendonça, que pela «inteligência» que tinha «de letras antigas», como ele próprio declara, foi encarregado pelo Senado da Câmara, em 1769, de ir ao Andaluz copiar o letreiro, e que da sua leitura passou petulantemente certidão, interpretou esse grupo de caracteres como de obras; e, como ele, outro leitor anónimo chegou a idêntica conclusão.
António Joaquim Moreira, além de várias incorrecções, e até da inclusão do nome de um Diõ (?) Afonso, que não está lá, interpretou as embaraçosas abreviaturas como do conc.°
Ora, o que lá está é simplesmente DÕ, que se traduz por D(e)o, e GRAS que quere dizer gr(ati)as, fecho devoto e vulgar de todo o arrazoado.
Lumiar, no dia de Nossa Senhora da Luz do ano de 1942.


 *          *          *
Sobre esta mesma Bica encontramos mais umas notas com interêsse (para quem gosta de Lisboa!) no livro:

MEMORIA
SOBRE CHAFARIZES, BICAS, FONTES E POÇOS PÚBLICOS
DE
LISBOA, BELÉM, E MUITOS LOGARES DO TERMO

por José Sérgio Velloso d’Andrade, Lisboa, 1851
Tem um padrão aonde se diz ter sido feita em 1374, e é a maior an­tiguidade que temos encontrado em toda esta nossa curiosidade. A sua água vem do Poço de uma Quinta na rua de S. Sebastião da Pedreira N.° 141 a qual pertence á Sr.ª D. Maria Gertrudes, viuva do ex-Ministro do Bair­ro d'Andaluz João Antonio Mayer
Em 1522, o Dr. Luiz Teixeira, e sua mulher D. Filipa Mendes senhoria util desta Quinta, por ser um prazo em vidas, proposeram uma acção ao Senado pela falta que lhes fazia a água daquele Poço. Morreo o dito Dr. Teixeira, e a Viuva D. Filipa tornando a casar com Fernam Martins, Desembargador do Paço, estes celebraram uma Escritura com o Senado, em 3 de Setembro de 1524, na qual se diz que querendo ele e sua mulher escusar aquela demanda, as fadigas e despezas, e outros inconvenientes que se seguiam; e mais temendo o duvidoso juízo, que não sabiam qual das partes ficaria vencedora; vinham de suas livres vontades fazer composição amigável, por via, e modo à transacção, e era, que quer eles experimentassem perda na tirada da água, quer não, recebendo 30$000 réis ficavam satisfeitos, e cediam desta demanda; cuja convenção era pelo tempo de três vidas, que ela D. Filipa tinha o dominio util d'aquela Quinta. O dito Fernam Martins e sua mulher receberam a dita quantia como consta da mesma Escriptura.
No ano de 1766 as Freiras do Convento de Santa Joana, represen­taram ao Senado que elas experimentavam grande falta d'agua, e que tinham por notícia, que um Francisco Garcia Lima, que então possuía a dita Quinta, pusera uma nora n'aquele poço para regar a sua horta; e esta era a razão da falta que sentiam. Despachou-se neste requeri­mento em 8 de Julho d'aquele ano. O Senado vai fazer vistoria quinta feira pelas 9 horas da manhã 31 do corrente mez, deferindo assim a este requerimento.
Na mesma ocasião apareceu outro requerimento das mesmas Freiras, pedindo se lhes mandassem dar os sobejos desta Bica, e a terça parte da água pura, alegando haver no seu Convento mais de 500 pessoas, e se bem que Clausuradas, se julgavam com igual direito aos mais habitantes; se com tudo os não podessem haver gratuitos, estavam prontas a fazer aforamento. Este requerimento teve por Despacho no dito dia 28 de Ju­lho de 1766. Apresente-se no acto da vistoria, que está mandada fazer.  
Desde este sobredito dia nada mais aparece senão um requerimento do mencionado Francisco Garcia Lima, queixando-se de se ter feito uma vistoria no seu Poço sem ele d'isso ser sabedor; e este requerimento teve por Despacho, em 18 de Março de 1769, (mais de dous anos depois). Proceda-se a nova vistoria, e citadas as partes se assine para ela o dia terça feira ás 3 horas da tarde, que se hão-de contar 21 de Março.
A isto se seguiu a vistoria no mesmo dia 21 de Março, em cujo auto se diz que dentro da Cerca das Freiras se viram dois tanques e canos, antiquíssimos, por onde se encaminhava a água; que a nora se achava sem calabre; e que neste acto da vistoria se entregaram todos os papeis ao dito Garcia, para ele no primeiro dia de Despacho passadas as férias da Páscoa, responder ao Senado.
Não consta o que se passara até ao dia 4 de Abril do mesmo ano de 69, mas com data deste dia existe uma Ordem do Senado que diz assim; O Vereador do Pelouro das Obras, com todos os seus Subalternos passe à Calçada de S. Sebastião, e Quinta de Francisco Garcia Lima, é nela faça demolir o engenho de nora, e pilares em que este assenta do Poço de que a ágoa ha muitos anos é própria do publico e não de particu­lar, por Escriptura que se celebrou com este Senado, no Arquivo do qual se acha.
Ao que fica dito seguiu-se uma Consulta do Senado com data de 7 do mesmo mês d'Abril, (três dias depois d'aquela Ordem) remetendo os mesmos dois requerimentos das Freiras, que tiveram os Despachos em 1766, como acima fica dito, na qual o Senado era d1opinião favorável áqueles pedidos; e cuja Consulta baixou resolvida em 20 do dito mez, mandando dar-lhe a água e sobejos sem ónus, ou pensão alguma. As Frei­ras lavraram uma Escriptura de posse com data do 1º de Junho do refe­rido ano de 1769.
Do expendido se vê; que na Cerca das ditas Freiras existiam dois tanques, e canos antiquíssimos por onde se encaminhavam os sobejos; que elas já d'antes os recebiam, por que se queixaram da sua falta e, fi­nalmente, que propunham até fazer deles aforamento; e por que isso oferece duvidas, parece-nos que este caso se pode explicar assim:—No logar aonde hoje existe este Convento havia, unicamente a Igreja de Santa Joana, pertença de uma Quinta de D. Álvaro de Castro, o qual falecendo a deixou em seu Testamento para ali se estabelecer um Colégo de Missionários da Índia; cuja fundação teve logar em 25 de Novembro de 1699; e quando estas Freiras fugiram do seu Convento d'Anunciada, assustadas de verem morrer dez Religiosas nas ruínas, pelo Terremoto de 1755, e juntas com as dos Conventos da Rosa, e Salvador entraram neste seu actual Convento; se bem tivessem tão poucas acomodações, que lo­go em seguida se gastaram duzentos mil cruzados nas Obras, que se man­daram fazer; não foram por certo aqueles tanques e canos, por que se diz—antiquíssimos—e as, ditas Freiras apenas ali contavam onze anos de existência; logo temos por mais coerente, que os sobejos haviam d'há muito sido dados ao sobredito D. Álvaro, e as mencionadas Freiras na falta de Titulo legal, é que propunham aquele aforamento.
Á agua desta Bica tambem se projectou trazer ao Rocio, (Praça de D. Pedro) para o que houveram imposições na Carne, e Vinho; e por Carta Régia datada de Almeirim aos 23 de Fevereiro de 1515, se deter­minou,—que visto já haver dinheiro para aquela Obra, se desse princí­pio a ela; mandando em especial a João Fogaça, que tomasse disso cui­dado, e fizesse pôr mão na dita obra; com tudo, nada mais encontra­mos sobre este objecto, nem mesmo no nosso exame ali descubrimos vestígio algum d’esse princípio.

Será que ainda se encontram vestígios desta antiga “bica” no Largo do Andaluz???
Quem vai lá procurar?

26/04/2013