De Volta à Indonésia
Há
uns quantos – muitos – anos, ainda o nosso querido amigo, hoje embaixador,
António Pinto da França, estava longe de ir como consul de Portugal para a
Indonésia, em Luanda, um jornalista cujo nome esqueci já, contou-me uma
história, que sempre supus autêntica, sobre uma aventura por ele vivida.
Estávamos
no meio da II Guerra Mundial. Os japoneses haviam invadido Timor, e os soldados
portugueses que ali estavam juntaram-se às tropas australianas. Discretamente,
como tudo que Salazar fazia, mandou-se de Portugal um navio, um “steamer ship”,
a carvão, levar mais um contigente de tropas para aquela longínqua colónia,
aliás para a Austrália. A acompanhar esse contingente, e para relatar a viagem,
um jovem jornalista, esse que bem mais tarde conheci em Angola.
O
navio, não tinha capacidade para fazer a viagem direta até ao destino. Tinha
que ir parando pelo caminho para se abastecer de alimentos e sobretudo de combustível,
carvão.
Com
a guerra em plena força, as esquadras japonesas e americanas no Pacífico,
encontrar carvão era um problema grave.
Pelo
rádio ia-se tomando conhecimento que em tal porto ainda havia carvão, mas ao ali
chegarem eram informados que tinham acabado de passar os navios de um dos
beligerantes e rapado tudo. O navio português começava a ver que seria difícil
chegar ao destino, andando “de Herodes para Pilatos”. Navegaram por vários
portos e o problema ficava cada dia mais complicado.
Uma
das paragens foi em Batávia, Jacarta, onde o jornalista teve oportunidade de
descer em terra. Quando souberam que ele era português, foi rodeado de
simpatia, e uma das coisas que lhe quiseram logo mostrar é o que escreve mais
tarde o embaixador Pinto da França no seu livro, primeiramente editado em
inglês em 1970, “Portuguese Influence in Indonésia”;
“No mesmo Museu (Arquivo Nacional
de Jacarta), levaram-me a uma arrecadação
para me mostrarem o famoso canhão português, conhecido por "Si
Djagur", que foi transferido para Batávia pelos holandeses, após a queda
de Malaca (para os ingleses, em 1825).
É realmente enorme e muito bonito. Tendo a culatra a forma invulgar dum punho
fechado, para os indonésios
símbolo de relações sexuais — tem em Java a reputação de ser uma fonte de
fertilidade. Por muitas gerações as mulheres estéreis vinham, de perto ou de
muito longe, trazer flores a "Si Djagur", nome dado pelos javaneses
ao canhão. Depois, sentavam-se no canhão, acreditando que assim se tornariam
férteis. Alguns anos após a independência, no empenho de combater a
superstição, o governo ordenou que o canhão fosse transferido da entrada para
um armazém do Museu Nacional. De nada serviu. Numerosos grupos de mulheres
juntavam-se diariamente à porta do Museu, protestando, pedindo com grande
alarido que lhes franqueassem o armazém e as deixassem sentar-se sobre o
canhão. Como esta crença parecesse haver esmorecido, o canhão saiu
posteriormente da arrecadação onde estivera escondido e passou a estar exposto
à entrada do museu de Kota, no centro histórico de Jacarta. Porém, segundo me
dizem, as mulheres estéreis voltaram a visitá-lo para lhe trazerem flores e
nele se sentarem.”
Contou-me ainda o tal jornalista que as
mulheres, e não só as estéreis, além de se sentarem no canhão, esfregavam nele
as mãos e as passavam depois na cabeça, no coração e nos orgãos sexuais dos
filhos e filhas, porque os homens que
tinham feito aquele canhão, além de prolíferos eram bondosos!
A seguir o nosso jornalista foi levado a
encontrar outra marcante presença dos portugueses naquela terra. Meteram-no num
carro e diziam-lhe que ele haveria de descobrir por si o que lhe queriam
mostrar. O carro seguiu por uma estrada à beira da costa, o mar de um lado a
encosta do outro. Uns quantos quilometros percorridos de repente surge a meia
altura um espigueiro! Isso mesmo um espigueiro como os que se vêm no norte de
Portugal.
Espigueiros no Soajo, Serra da Peneda, Gerêz, norte de
Portugal
Rezava a lenda que um dia fora encontrado na
praia o corpo dum homem, de pele clara, forte. Ainda respirava, levaram-no para
cuidarem dele, e como nunca tinham visto nenhum semelhante acreditavam que
tinha sido enviado pelos deuses.
Não há dúvida que era português, um náufrago,
que ali ficou, criou família, ensinou aos nativos como conservar as suas
produções ao abrigo de predadores e deixou essa indelével marca da sua origem e
a memória de homem bondoso, forte e prolífero, e assim também venerado.
Ainda há pouco tempo, e nalguns lugares,
segundo Pinto da França, quando nascia uma menina de pele mais clara diziam
logo que era descendente de portugueses, e se fosse rapaz, mas forte, era
também de origem “portuguis”!
Belas sementes espalharam os portugueses de
antão.
Na Índia, Mascate, Malaca, um grande centro
de irradiação da influência portuguesa, Indonésia, Macau e até Japão.
Em muitos lados ainda se fala um “papia kristang”, ou qualquer outro
“crioulo” com as raízes portuguesas. O que será que Portugal tem feito, ou está
a fazer, para preservar essa cultura, tão bonita e tão venerada, nessas
longíquas terras?
Ou abandonou tudo como fez com o Gabão onde
grande parte da população, que sabe que o primeiro contato com europeus foi com
os portugueses, que deram nome ao seu país, sempre quis estudar a língua
portuguesa e a história dos descobrimentos para melhor compreenderem a criação
do seu país, e Portugal nem se dignou enviar para lá um professor!
Em Malaca, Cingapura, e outras cidades há uma
imensidão que não quer perder um valor cultural que lhes deixámos: a língua, o
kristang. Em nem um destes países Portugal tem sequer um consulado!
Morreram os Afonso de Albuquerque, Francisco
Serrão, e outros que deram portugueses de valor aos povos que encontraram, e
promoveram a sua aproximação e integração.
E assim, lá nos confins, se mantém tão vivo o
culto do “Meninu”.
Já Bandarra previa esse culto do Menino
Imperador.
E hoje Portugal espera por que? Milagre?
Milagres são os homens de fé e vontade que os fazem acontecer.
Até remover montanhas.
15/11/2012
Muitos portugueses e seus descendentes deveriam ler isto e saber mais sobre a sua origem.
ResponderExcluirMuito boa a Crónica.
Abraço,
PTx
Margarida Jorge, angolana de gema, comentou:
ResponderExcluirPlenamente de acordo ! Somos um especialistas em abandonar, degradar e esquecer tudo o que fomos ou fizemos. . . . Memória curta.né????????