terça-feira, 7 de agosto de 2012



Monomotapa



Nem toda a gente sabe o que é ou onde fica o (antigamente) Monomotapa. Uma breve descrição: Monomotapa, ou Mwenemutapa, significa “o senhor de tudo”, da região a sul do Zambeze, que abrangia, muito grosseiramente, o Zimbabué de hoje e o norte da República da África do Sul, mesmo sabendo que no século XVI fronteiras não existiam, mas zonas de influência. Mas...
Vasco da Gama na sua primeira viagem à Índia, o primeiro lugar onde parou na costa de Moçambique foi no “Rio dos Bons Sinais”, ou "Terra de Boa Gente”, hoje Quelimane, onde colocou o primeiro padrão. Daí foi à Ilha de Moçambique, onde “obteve curiosas informações das minas de oiro que, no dizer dos moiros, tinham fornecido o oiro do rei Salomão”.
Encontrou alguns os xeques (ou scheiks?) da costa do atual Moçambique, mais ou menos dependentes do rei de Quíloa, que lhe ofereceu uma porção de oiro que teria servido para a fábrica da célebre custódia dos Jerónimos, como consta da carta de mercês a D. Vasco da Gama, de 20 de Fevereiro de 1504.
Mas foi Sancho de Tovar, o segundo em comando na armada de Pedro Álvares Cabral, o primeiro a aportar em Sofala, 1501. Encalhou na foz do Zambeze e a sua nau teve que ser incendiada. Foi o seu piloto que deixou a relação desta viagem, que infelizmente, com o secretismo português, foi só publicada em Itália por João Batista Ramusio e em latim por Archangelo Madragnano:

«No anno de 1500 mandou o sereníssimo rei D. Manuel uma armada de treze naus (contando a caravela de Gaspar de Lemos que voltou ao reino com a nova do descobrimento do Brazil) e navios para as partes da índia, e por seu capitão mor Pedro Alvares Cabral, fidalgo da sua casa, as quaes partiram bem apparelhadas e pro¬vidas do necessário para anno e meio de viagem. Dez d'estas naus levaram regimento de hir a Calecut, e as duas restantes a um logar chamado Çofala para contratar em mercadorias, ficando este porto na mesma derrota de Calicut, para onde as outras dez iam.
Continuando a nossa viagem chegámos diante de Çofala, onde ha uma mina de ouro, e ahi achámos junto a esta povoação duas ilhas; estavam aqui duas naus de mouros, que tinham carregado ouro d'aquella mina.» Collecção de noticias para a historia e geographia das nações.
«Cap. II — Da Ilha de Çofala, do Rio dos bons Sinaes e de Moçambique.— Aos quinze de Julho achavamo-nos sobre a embocadura do rio de Çofala, e por estar calmaria estivemos aqui surtos em onze braças, desde uma sexta feira depois de jantar até ao Domingo á tarde; os da terra fizeram-nos muitas rogativas, e vimos muitos fumos com que nos convidavam a entrar, o que não fizemos, perdendo n'isso muito, pois não obstante achar o Almirante pouco ouro quan¬do alli passou, pelo terem levado dois ou três zambucos que d’alli tinham partido oito ou nove dias antes, e ser costume dos Mouros não o mostrar por medo que os Christãos lhes façam mal, comtudo já por fim principiavam a trazer-nos algum, por isso julgámos que os fumos eram sinal para chamar-nos.»
«Cap. III — Da Mina donde El Rei Salomão tirava o ouro, e da qual se extrahe Mirra fina.—Em uma sexta feira 22 julho chegámos diante de Moçambique...
Estando nós n’esta ilha foi nos affirmado que tinham ido á Capitanea certos Mouros honrados que aqui habitavam, a cumprimentar o Capitão; aos quaes elle perguntou muitas cousas a respeito da mina de Çofala; e perante muita gente que alli se achava, responderam que com toda a certeza havia então uma grande guerra no logar donde vinha o ouro, e por este motivo não podia chegar n'aquella occasião, porém que havendo paz podem-se extrahir da mina dois milhões de mitigaes, valendo cada mitigal um ducado, e um terço; e que os annos passados, estando o paiz pacifico, as naus de Meca de Judá e de muitos outros legares tiravam da mina os ditos dois milhões; e que a Rainha Saba, que levara a este rei um tam grande presente era natural das partes da índia. Collecção de noticias para a historia."

Um dos primeiros autores do séc. XVI que escreve sobre Moçambique, foi Duarte Barbosa que acabou de escrever o seu Livro em 1516.
Duarte Barbosa foi escrivão da feitoria de Cananor; regressando ao reino acompanhou Fernam de Magalhães a Sevilha a casa de seu pai Diogo Barbosa que estava servindo de alcaide mor de Sevilha e Andujar, logar dado a D. Álvaro de Bragança por D. Fernando. Diogo Barbosa deu a filha em casamento a Fernam de Magalhães e Duarte Barbosa acompanhou o cunhado na sua navegação e com elle morreu na ilha Zebu, no 1° de Maio de 1521.
O Livro em que dá relação do que viu e ouviu no oriente foi publicado em italiano na collecção de Ramusio, impressa em Veneza em 1563.
Eis o que nos diz Duarte Barbosa acerca de Sofala:

“Indo mais adiante passando estás Bucicas caminho da índia ha vinte ou trinta leguas delas, está um rio que nom he muyto grande pelo qual dentro está hua povoaçam de Mouros que chamam Çofala junto com ha qual tem el Rey N. Sr. hua fortaleza; estes Mouros ha muyto tempo que pouoaraom aqy, por caso do grande trato de ouro que tinham com os gentios da terra fyrme.....
...ha maneira de seu trato era que a elles vinhaom em pequenos nauios que chamavam zambucos, do regno de Quiloa, Mombaça e Melynde muytos panos pintados d’algodam, ou branquos e azuis e delles de seda e muytas continhas pardas e roxas e amarelas, que ha hos ditos regnos uem em outros nauios mayores do gram regno de Cambaya; has quaes mercadorias hos ditos Mouros que uinhaom de Melinde e Mombaça compraom a outro que aqui as trazem e lhes pagam em ouro pelo preço de que elles hiaom muyto contentes ho qual ouro lhe daom a pezo; hos Mouros de Çofala guardauaom estas mercadorias, e has uendiaom depois ha hos Gentios do regno de Benametapa que aly uinhaom caregados douro; ho qual ouro lhe dauaom a troquo dos ditos panos sem pezo, em tanta cantidade que bem ganhaom cento por huu. Estes Mouros recolhem tambem muyta soma de marfim que achaom deredor de Çofala, que também uendem pero o regno de Cambaya ha seis crusados ho quintal”.

Os dois pontos da acosta que mais chamaram a attenção dos portuguezes foram Sofala, pelo seu commercio de oiro e de marfim, e Moçambique, pelo seu porto a meio caminho do Cabo para a Índia e onde podiam refrescar as naus d’aquella carreira e invernar no caso de arribada.
Assim em 1505 Pêro de Anhaya funda a fortaleza de Sofala, e Vasco Gomes de Abreu é encarregado, em 1506 de levantar a primeira fortaleza em Moçambique sitio onde depois foi convento de S. Paulo (depois palácio do governo). Esta fortaleza foi substituída pela de S. Sebastião, mandada construir pelo grande D. João de Castro em 1545.
Em 1516 já havia também uma fortaleza em Angoche. (Duarte Barbosa)
Como Simão Botelho, que escrevia em 1554, declara que a mais levava a Sofala, e aguora de pouquo tempo pêra qua se leua taobem a cuama, se pode deduzir que os portuguezes por aquelle tempo começaram a estabelecer-se no Cuama ou Zambeze, como parece se estabeleceram em Quelimane em 1544 e depois em Sena e Tete.
D’estes pontos penetraram no interior do império do Monomotapa os negociantes, os missionários portuguezes e por fim expedições militares para occupação.
Um dos primeiros foi Gonçalo da Silveira, que levado pelo zelo religioso, partindo de Inhambane, onde havia já uma feitoria portugueza, penetra no sertão africano, indo converter o rei de Tongue, vasallo do Monomotapa.
Este potentado estendia o seu domínio até o litoral e se alguns xeques eram independentes e só aceitavam o protectorado do rei de Quiloa, nem por isso estavam menos sujeitos ás suas incursões nos primeiros tempos da dominação portugueza, como parece deduzir-se do que nos conta Gaspar Corrêa do cerco que sofreu Pero de Anhaya, primeiro capitão de Sofala. (1)
O primeiro que nos deixou noticia escripta do império Monomotapa é Duarte Barbosa, que descreve nos seguintes termos:

«Ho grande regno de Benametapa.
Indo asy desta terra contra ho certam jas huu muy grande regno de Benametapa que he de Gentios ha que os mouros chamam Cafres.

Zimbaohe

Indo adiante pera ho certam quinze ou uinte jornadas, está hua muy grande pouoaçam que chamaom Zimbahoe, em que ha muytas casas de madeira e de palha; que he de Gentios, em a qual muytas uezes esta, o Rei de Benametapa e dali a Benametapa são seis jornadas; ho qual caminho uai de Çofala pelo certam dentro contra ho o Cabo da Boa Esperança; nesta mesma pouoaçam de Benametapa tem assento mais acostumado do Rei em huu logar muyto grande donde trazem os mercadores ouro dentro ha Çofala, ho qual daom ha hos Mouros sem pezo por panos pintados e cpntas, que antre eles saom muyto estimadas has quaes contas vem de Cambaia; dizem estes Mouros de Benametapa que ainda este ouro vem de muyto longe, de contra o cabo de Boa Esperança doutro reyno que he sugeito a este de Benametapa que he muy grande Senhor de muytos Reys que tem debaixo do seu porte; ele he Senhor de muyto grande terra que corre pelo certam dentro, asy pera o Cabo de Boa esperança, como pera Moçambique.

Como vimos, um dos primeiros portuguezes que penetraram no interior do continente africano pelo costa oriental foi o padre Gonçalo da Silveira.


(1) «... mas como os portuguezes de sua propria constellação são suberbos e altivos onde nom tem sogeição, com o muyto fauor do Rey que era muyto nosso amigo, que se chamava Mana Matapa, que era filho de outro Rey chamado Unhamuda, tanto os nossos se soberbearão em males, que tratavão a agente da terra pior que cativos» .Gaspar Corrêa. Lendas da Índia.

- A continuar...

08/08/2012

Um comentário:

  1. Interessante!!!!! O primeiro lugar que pisei em miçambique, foi Beira e logo a seguir Quelimâne!!!! Que CALOR!!!

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