sexta-feira, 10 de agosto de 2012



Monomotapa - 2



Para quem quiser saber “exatamente” onde ficava o reino de Monomotapa, só tem que seguir, qual com GPS, a descrição abaixo.
A carta de Gaspar Veloso a certa altura fala num homem, António Fernandes, que terá sido o verdadeiro, primeiro, descobridor do Monomotapa, por onde andou e era muito considerado.
Mas um pouco da história deste homem ficará para a próxima! Daqui a algum tempo, por que vou ficar fora de história de África até Outubro!

Carta de Gaspar Veloso, de Sofala, para El-Rei

1515-1516

(ANTT - Lisboa. Cartas dos Vice-Reis da índia - P.I. -162)

Estes são os Reis que há em Sofala ate à mina de Monomotapa e as coisas que há em cada um destes reinos.
Item - O primeiro Rei que confina com Sofala chama-se Mizandira e não há na sua terra senão mantimentos e marfim.
Item - Outro Rei que está além deste chama-se Rei de Mazira; não tem senão mantimentos e está a duas jornadas destoutro acima escrito,
Item - O Rei de Quitongue está a três dias de jornada destoutro e não tem senão mantimentos.
Item - O Rei de Embia está a quatro dias de jornada destoutro e não tem outra coisa senão andar ao salto (isto é: vivia só de roubo, de pilhagem).
Item - O Rei de Inhacouce está a cinco dias de jornada destoutro; é capitão-mor do Rei de Monomotapa; tem grande terra e todas as segundas-feiras fazem na sua terra feiras que se chamam feiras de "ssembaza" onde os mouros vendem todas as suas mercadorias e às quais acodem também os cafres de todas as terras; e assim tem (o Inhacouce) muitos mantimentos. Dizem que aquela feira é tão grande como a das ver temdes (?) e não há outra moeda senão ouro por pesos.
Item - O Rei de Manhica está a seis dias de jornada destoutro e e tem muito ouro cá.
Item - O Rei de Amçoce à quatro dias de Jornada destoutro e tira muito ouro de toda a sua terra. Este homem (António Fernandes) viu-o tirar e diz que se conhece onde o ouro está por uma erva, do tamanho de trevo, que sobre ele cresce. E que a maior soma que viu tirar num dia foi uma alcofa grande, cheia de barras tamanhas como um dedo e de grãos grossos. Não tem (o Rei de Amçoce) outra coisa senão este ouro e quem o tira paga ao Rei meio. Todos os mantimentos vêm de fora.
Item - O Rei de Bárué fica a quatro dias de jornada destoutro e tem ouro que lhe vem de fora marfim que há na terra.
Item - Q Rei de Betôngua fica a três dias de jornada destouro e não tem ouro, senão algum que lhe vem de fora.
Item - O Rei de Inhaperapara fica a quatro dias de jornada destoutro; tira ouro de toda a Sua terra e é grande Rei.
Item - O Rei de Boece está a cinco dias de jornada destoutro; este tem ouro de fora e é grande Rei.
Item - O Rei de Mazofe está a quatro jornadas destoutro; há muito ouro na sua terra e quem o tira paga-lhe ao meio.
Item - Dali a Embire, que é uma fortaleza do Rei de Monomotapa que a está agora construindo de pedra em sossa (pedra solta), à qual se chama Camanhaia e onde ele sempre está, há cinco dias de jornada. Dali por diante entra-se no reino de Monomotapa que é a fonte do ouro de toda está terra. É este (Rei de Monomotapa) é o maior Rei de todos estes e todos lhe obedecem desde Monomotapa até Sofala.
Item - Além deste há outro Rei que lhe não obedece e que se chama Rei de Butua que fica a dez dias de jornada destoutro. Tem muito ouro que se tira da sua terra ao longo de rios de água doce. E tão grande rei como o Monomotapa e está sempre em guerra com ele.
Item - Rei de Mombara está a sete dias de jornada deste de Monomotapa. Nesta terra há muito (ouro?) muito cobre e dela trazem o cobre a vender ao Monomotapa em pãis como os nossos e assim por toda a outra terra. Estes homens são mal proporcionados, não são muito negros e têm rabos como de carneiro (*). Entre este Rei e o de Monomotapa corre um rio grande o qual passam em almadias quando trazem as suas mercadorias a vender. Põem ás mercadorias no chão e tornam a passar para o outro lado do rio. Então, vêm os mouros ou os cafres, tomam a mercadoria, se esta os satisfaz, e deixam-lhes ali os panos ou outras quaisquer mercadorias que levem. Então, vêm os dos Rabos e se lhes agrada a mercadoria que aqueles lhe deixaram, levam-na; se não, deixam-na e vão-se embora, até que os outros venham pôr mais ou lhe tragam outra que os contente, conforme mostram por sinais. Estes dos Rabos adoram as vacas. Se morre algum deles, comem-no e enterram uma vaca. E quanto mais um negro for preto mais dinheiro dão por ele, para o comerem, e dizem que a carne dos brancos é mais salgada que a dos pretos.
Item - O Rei de Inhócua anda em guerra com o Rei de Monomotapa e o seu reino é de muito ouro. Dele ao Monomotapa há cinco dias de jornada. Este homem (António Fernandes) não passa além deste reino, por causa das muitas guerras que havia entre alguns destes reis e também por não ter presentes para dar aos reis, pois esta terra é costume o estrangeiro, para sua segurança e se quere falar ao rei, dar a este qualquer presente. Não lho dando, não lhe poderá falar. Os reis dão sempre, em retribuição, o dobro. Daqui voltou (António Fernandes) para trás e veio ter ao reino de Mozambia, caminho de Sofala, não sendo este o mesmo caminho por que fôra somente para ver outras terras. Neste reino há panos de algodão que vão vender ao Monomotapa.
Item - De Inhocua veio ter ao reino de Moziba, caminho de Sofala. Nesta terra não há senão panos de algodão, feitos nela e que são levados a vender ao Monomotapa.
Item - Dali veio ter ao reino de Quitengue que fica a sete jornadas destoutro. Nesta terra há muito ouro, que se extrai dela a qual confina com Batôngua onde há muito ouro e marfim, ouro que se tira dessa mesma terra e é muito. Esta terra tem um rio que vem ter a Cuama e vai sair para o mar a dezasseis léguas da barra de Sofala e neste mesmo rio da terra de Quitengue pode fazer-se uma casa de feitoria, num ilhéu que está no meio do rio e tem de comprimento uma carreira de cavalo e outro tanto de largura. Fazendo-se aí essa casa, teria Vossa Alteza todo o ouro desta terra, bem como o de Monomotapa que está a dez dias de jornada deste ilhéu. Além disto, podia resgatar-se muito marfim, para se levar à Índia ou a estes Reinos e assim se compensaria o resgate de Sofala que é prejudicado por um rio mais pequeno que de Amguoge vem ter a este de Quitengue e pelo qual vêm muitos zambucos carregados de panos para resgate por toda a terra. Tendo Vossa Alteza aquela casa ali feita, podia um bergantim andar por ali, guardando estes rios, para que não passassem mercadorias vindas de Anguoge ou de qualquer outra parte, porque os mouros de toda esta costa trabalham por danar este tráfico de Vossa Alteza, porque a todos lhes há de Vossa Alteza mandar desfazer a fortaleza de Sofala. Têm muita esperança nisto por agora se desfez de Quiloa. E pela feitoria que se construiu agora em Melinde, bem como por saberem que se desfez Angediva e Socotorá, parece-lhes que assim há de Vossa Alteza mandar fazer a Sofala. Fazendo-se aquela casa, segura Vossa Alteza o tráfico de Sofala e terá todo o ouro da terra de Quitengue assim como o de Monomotapa, por ser muito perto. Todas estas coisas tinha António Fernandes em segredo, sem as dizer aqui a ninguém, para as dizer a Vossa Alteza. E porque ele volta ao Monomotapa, com riscos de morrer por causa das muitas guerras que há nas terras, roguei-lhe que, se algumas de vosso serviço tinha guardadas para dizer a Vossa Alteza, mas dissesse, para eu as escrever a Vossa Alteza, por ele sempre me dizer que desejava ir a Portugal para dizer a Vossa Alteza coisas de seu serviço.
Item - Dali atravessou pela terra de Retôngua e veio ter à terra de Baro onde também há ouro. Deste Baro a Bétôngua há cinco dias de jornada. E dali veio ter a Sofala em vinte dias. Trouxe consigo, da primeira vez, cafres que com ele ousaram vir pelo medo que os mouros lhes metem, os quais trouxeram para resgate novecentos maticais que resgataram na feitoria e trouxeram de presente ao capitão cem maticais. E da segunda vez que voltou trouxe cafres que vieram resgatar e trouxeram presente ao capitão... no caminho, da primeira vez, em ir e vir, quatro meses e da segunda vez gastou mais tempo por causa das guerras e cheias. E esta gente toda não crê noutra coisa na lua nova porque no primeiro dia que (a vêem, adoram-na?)... gente que não é muito negra porém tem cabelo como os de guiné, e os dos Rabos que adoram as vaca e comem os homens são mais baços que estes. E esta gente, tirando os dos rabos anda armada com arcos e fechas ervadas, azagais e ticados. E todas estas terras m disse este António Fernandes em que andara e vira.

Gaspar Veloso

Notas do organizador

(1) Manuscrito encontrado na Torre do Tombo por Eric Axelson, que o transcreveu. Faz parte das Cartas d. V. Reis da Índia P.I. - 162 f.3(b).Esta versão actualizada é da responsabilidade de Caetano Montez (1940).

In “Monomotapa”. Org de João C. Reis



(*) Quando Gaspar Veloso se refere a “gentios com rabos de carneiro” não está querendo referir-se a “cauda”, nem a depreciar, mas sim à característica da maioria dos hotentotes, habitantes do sul de África, com Esteatopigia, que é a hipertrofia das nádegas, ocasionada pelo acúmulo de gordura na região. O fenômeno ocorre em ambos os sexos, mas é mais visível em mulheres. A maneira que Veloso encontrou para defenir essa característica foi comparar aos carneiros que têm os quartos traseiros volumosos.
Este povo, descrito por Veloso, continua a ser a maioria na África do Sul.


Mulher Hotentote – desenho do sec. XIV

10/08/2012

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