quinta-feira, 22 de dezembro de 2011


Naquele tempo Portugal tinha readquirido dignidade e não faltavam heróis. Hoje...
Nesta quadra é reconfortante lembrarmos o povo que já fomos, e pensar que poderemos voltar a sê-lo!



A retomada de Loanda

aos holandêses



Nas cidades e vilas de Minas Gerais, no Brasil, ocultar-se-iam, sem duvida, o contrabandista, o moedeiro falso, o fundidor clandestino, devotados estes miserandos às suas habilidades, ao primitivismo das explorações, negando-se à deficiente fiscalização, sem excepção, porém, sujeitos às oscilações climatéricais, ao acaso do abrigo, à suspeita dos cidadãos. Se existiam, contudo, é porque existia uma sociedade organizada.
Vivia-se, em suma, no Brasil. Vivia-se, em suma, em Angola. Os privilegiados com desafogo. Queixavam-se da ingerência de Madrid a população, os funcionários, os militares, o clero.
Comprovara-o, de resto, D. Francisco Manuel de Mélo no seu Eco Politico, panfleto contra a administração de Castela, sem dó a fustigando pela sucessão de erros cometidos no Ultramar, um dos motivos mais sérios, sem contradição nenhuma, influentes, decisivos, da proclamação da Independência de Portugal. O povo metropolitano não ocultava o seu sobressalto em relação a esse longínquo Ultramar. Inquietava-o o seu isolamento. Mas o mal que o castelhano nos fizera agravara-o espantosamente o holandês. Exprimiam-no: a manha, a arbitrariedade, a filáucia, as manipulações vesgas, o orgulho, as depredações, os assaltos e as perseguições.

LUANDA, LIBERTADA, VOLTA AO PODER PORTUGUÊS

Salvador Correia, largava no instante preciso do Brasil para socorrer a extensa parcela territorial africana do Atlantico. El-Rei mandava-o acudir — proclamou — à destruição do reino de Angola, de que todas as provincias do Brasil sujeitas a Portugal eram tam prejudicadas, que quase parecia impossível sustentarem-se, sendo os moradores do Rio de Janeiro a quem tocava maior dano, e de quem El-Rei fazia a maior estimação; fiando dele as disposiões de tam grande empresa.
Era certo que não equivalia o desembarque em Angola de Salvador Correia a uma declaração de guerra, nem mesmo, vendo bem, a um frívolo corte de relações diplomáticas. Encarava-se até a hipótese de se fortificar, sob o acordo tácito do holandês, o porto de Quicombo, a fim de se comunicar, através da Quisama, com Massangano, construindo-se depois na foz do Cuanza um baluarte. Interessava, no caso, a eficaz protecção (contra um ou outro soba sublevado) dispensada, evidentemente, às vilas do interior, onde os portugueses constituiam fortes agregados de âmbito familiar. Uma possibilidade que surgisse, porém, permitindo retomar Luanda, seria imediatamente aproveitada.

Este era "macho" e não levava desaforo para casa!

Como raciocinaria em tal transe Salvador Correia, inspirado no seu patriotismo e constrangido pela decadência em que se debatia o Brasil, não dispondo qualquer das capitanias de mão-de-obra suficiente, é que monta averiguar. Supomo-lo, porém. Descortinou que o holandês, embaraçado no sertão de Angola pelos portugueses, jamais granjearia os escravos de que necessitava. Só estes escravos, no entender do flamengo, poderiam movimentar os engenhos de açúcar do Brasil. Nada restava, portanto, aos paladinos e arautos da Casa de Orange, a fim de solucionarem o seu problema de produção e venda de açúcar à Europa. Recorreriam, assim, a um combate surdo, sub-reptício, sem levantes, no Ultramar, aos portugueses. Se estes não cedessem, adoptar-se-ia então outro processo. Não nos diz outra cousa o decreto do governo holandês de Janeiro de 1649, autorizando o corso e a campanha declarada, a guerra feroz, aos portugueses. Por conseguinte o interesse que a Holanda tinha em manter a paz com Castela. Ficariamos isolados, segundo o modo de ver de Haia, e não tardaríamos a defrontar um conflito armado em duas frentes: na Europa, com a Espanha, e no Ultramar, então com a Holanda. A esta, isso permitiria também a guerra com a Grã-Bretanha. Os portos do Ultrarnar Português, sem excluir os do Brasil e Angola, já conquistados, serviriam de apoio eficaz e cerrar-se-iam, sendo preciso, como uma torquês. As esquadras inglesas seriam destroçadas no Atlântico.
Não reflectia inutilmente Salvador Correia. Portugal afligia-se, fatigado, em virtude da série de vitoriosas campanhas sustentadas contra os exércitos de Madrid, enquanto o Ultramar se achava, por sua vez praticamente desguamecido dc tropas. Divisara-o o general-almirante no Rio de Jaineiro, onde a população não escondia o seu temor, considerando que para defesa da cidade não havia soldados, nem tão-pouco artilharia. O que Salvador Corrêa obteve, pois, para ocorrer a Angola, foi o minimo possivel, em homens, armamento, munições e navios.
A armada partiu do Rio de Janeiro na segunda quinzena de Maio de 1648 e avistou a costa africana a 12 de Julho. Compunham-na quinze embarcações e transportava 1400 homens entre soldados e tripulação. A nau almirante, porém, naufragou a 1 de Agosto e instantaneamente se submergiu, sem se saber a causa. Foi geral a consternação : tinham-se perdido 360 vidas! Salvador Correia, reagindo e assentindo prontamente na necessidade de acudir a Massangano, reuniu duma hora para outra os chefes da frota. Movia-o a ordem de D. Joao IV, a qual, oficialmente, requeria que a todo o custo se conservasse a paz com a Holanda. Expôs a situação. Valeria a pena tentar o ofensor dos nossos, direitos ? O parecer unânime, apoiando-o, reboou num grito. Afirmava : Ou ganhar Angola, ou ao Céu, desarreigando a heresia que há sete anos semeiam os holanleses nestes lugares de verdadeira cristandade.
A esquadra ergueu ferro de Quicombo no dia 6 de Agosto e no dia 11 fundeava em Luanda, perante o pasmo holandês. A terra o chefe supremo enviou João António Correia e os capitães Álvaro de Novais e Gaspar Robim. Incumbiam-se os três delegados de transmitir ao governador flamengo, da parte de Salvador Correia de Sá, uma comunicação muito importante. Dizia, que havendo-lhe ordenado o seu Fidelisssimo Monarca viesse a esta costa erigir uma fortaleza em Quicombo, ou estabelecer naquele porto uma feitoria, para os portuguese do Certão se comunicarem seguramente com os q. de Portugal ou de outra qualquer parte viessem, sem alterar a pax feita com os Estados Gerais, q. inviolavelmente mandava observar, se havia dirigido a este fim; mas que desembarcando no porto do seu destino, ali soube de sciencia certa, havião aleivosamente violado a mesma pax, rompendo contra a Nação Portugueza, naqueles que havião hostilizado, não sómovendo as armas em seu damno; mas influindo aos Sovas já Vassalos, o espírito de sedição, e rebeldia, convocando-os ao seu partido: acendendo por todos os modos o fogo da discórdia entre as suas e nossas armas: aliando-se com os inimigos do Certão, e concorrendo com eles a atacar-nos, e fulminando a nossa total ruina, e extinção nos Domínios desta Conquista : Que à vista destes infiéis procedimentos, lhe era lícito interpretar o seu Regimento com a resoluão q. fixamente tomava de socorrer os oprimidos Vassalos da Monarchia portugueza, opondo não só as suas armas em estado defensivo dos seus subditos, mas armando-se a corresponder-lhe com uma guerra ofensiva. Que penetrando-se porém dos ternos sentimentos da humanidade, q. o incitão a evitar estragos, e a poupar sangue, lhe propoem queirão antes pacificamente entregar-se segurando-lhes firme condescendência em todos os artigos de hua decente Capitulação.
Julgando o holandês a esta intimação que as forças portuguesas eram superiores às aparentadas pelos navios ancorados, e para o efeito concorrera argutamente Salvador Correia não hasteando o distintivo de almirante a uma das naus, aviso de que outras navegavam ao largo — solicitou oito dias para deliberar. Sumariava o prazo o intuito de se concentrarem em Luanda para a resistência os contingentes batavos do interior, proposta, claro, de que abertamente discordou Salvador Correia. Concedeu, apenas, quarenta e oito horas. Findos os dois dias, enviou de novo a terra emissários. Eram portadores estes de uma bandeirola branca e duma outra vermelha. No caso do inimigo optar pelo rompimento das hostilidades, mal o batel largasse do cais, içaria a vermelha desfraldada. A branca significaria obediência as condições.
O holandês, como é obvio, não se rendeu. De bordo foi avistado o sinal combinado. Imediatamente, Salvador Correia promoveu o desembarque de 650 soldados e 250 marinheiros, detendo-se apenas nas embaricasoes 180 homens e muitas reproduções de figuras humanas, em tudo semelhante a corpos. Diz o cronista : com chapéus nas partes em que melhor podiam ser vistos para mostrar maior poder. Na rapidez e astúcia residia, é evidente, todo o êxito.
A pequena força escalou aceleradamente o morro estratégico fronteiriço ao do Penedo e apossou-se, já num ponto distante, dos terrenos do convento de S. José.
No dia seguinte, 15 de Agosto, investiu-se contra um nucleo muito poderoso das hostes flamengas. Holandeses e catervas de muxiluandos foram num momento repelidos de quase todas as defesas exteriores e retrocederam, refugiando-se os primeiros nos fortes de Nossa Senhora da Guia e de S. Paulo — que dominavam a cidade. Foi tomado a seguir o forte de Santo António, a despeito de heróica oposição, e ali se encontraram armas, brote, chacina e peixe salgado. Na precipitação da fuga encravou o inimigo apenas duas peças das oito existentes. As restantes aproveitaram-nas os portugueses — que as juntaram às quatro trazidas de bordo.
O adversário replicou furiosamente de S. Paulo, bombardeando o burgo, pulverizando e incendiando o que não destruira ou abandonara no decurso da ocupação.
No dia 18, por deficiente incompreensibilidade do plano, que deterrninava conjugação simultânea das colunas atacantes e não avanços isolados, os nossos, depois de actos de indómita bravura, foram rechaçados ao tentarem forçar as portas da fortaleza de S. Paulo. Dizimou-os o nutrido fogo dos canhões assestados. Cento e sessenta e três vidas foram ali irremediavelmente ceifadas e tombaram a seu lado 160 praças feridas.
Ante o espectáculo, Salvador Correia não desanimou ou cedeu. Ordenou, pelo contrário, que se tocasse prontamente a recolher, com o intento de dar segundo assalto. Revelou-se, então, o inesperado. O adversário, julgando que nos valeria gente vinda de bordo, arvorou uma bandeira branca e mandou trombetas e parlamentários a pedir seguro, para virem dois capitães a ajustar as capitulações da entrega da fortaleza e do forte de Nossa Senhora da Guia.
Cortaleza de S. Miguel. Coisa linda !

Respondeu altivamente Salvador Correia, afiançando que se num lapso de quatro horas não fosse assinada a capitulação geral, a luta prosseguiria, protestando não perdoar a vida aos que se obstinassem em continuar a defesa.
O inimigo, pelo visto, desmoralizado, no dia 21, ponderadas as circunstâncias, anuiu, enfim, à capitulação. Sobravam-nos — vejamos a sorte — apenas em condições de combater quinhentos homens.
Salvador Correia, almirante dos mares do sul (desde 1634 habituado a derrotar os holandeoes e a comboiar navios que eles jamais avistavam), mostrou-se na altura indulgente. Perante o antagonista vencido, não foi de modo algum mesquinho. Concordou que ele desfilasse com as suas armas. Abre-se a porta da cidadela — rezam os escritos — e entre holandeses, franceses e alemaens, saem por entre allas da Tropa vencedora, 1100 infantes e outros tantos negros. Apenas divisam o pequeno numero de portugueses victoriosos a q. se entregam vencidos, se confundem, envergonhaos, e mormuram entre si, reprehendendo-se da acelaração com que hão cedido aos incessantes combates do seu pânico terror .
No dia 26, a bordo de uma nau e outra embarcação, o holandês deixava definitivamente Luanda. A capital seria baptizada com o nome de S. Paulo da Assunção e a fortaleza de S. Paulo passou a designar-se por fortaleza de S. Miguel. Ali se disse, finalmente, missa no dia 1.° de Dezembro de 1648.
Sessenta dias depois daquele memorável 26 de Agosto, incluídas as praças de Benguela-Velha, Pinda, Loango, Benguela, S. Tomé, tudo retornara às mãos dos portugueses.

In – “História de Angola”, Norberto Gonzaga, edição do C.I.T.A., 1967



20/12/2011

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