quinta-feira, 8 de dezembro de 2011



Angola - 1625


Na Quiçama, quási que exclusivamente ocupada por jagas, continuava a predominar o célebre Cafuxe, com quem o governador Fernão de Sousa quis evitar os transtornos e inconvenientes de uma guerra, para o que tinha fundadas razões, pelos escravos, fugidos de Cambambe, que êle acolhia negando-os aos reclamantes. Preferiu entender-se com os jagas Zenga e Quinda e autorizá-los a fazerem guerra ao Cafuxe, com a condição de restituirem os escravos dos portugueses que aprisionassem e de não molestarem os sobas nossos vassalos que continuassem fiéis, como o antigo Songa, proximo da Muxima.
As minas de Sal da Ndemba pertenciam ao soba Caculo-Kia-Kimone e havia toda a vantagem em as ocupar com um presídio, o que lhe era recomendado pelos ministros, mas Fernão de Sousa preferiu encarregar o capitão-mór do presídio da Muxima de, por intermédio dos sobas do Songe e da Muxima, chamar o Caculo às nossas boas relações, o que se conseguiu, não deixando êsse facto de provocar ciumes e a inimizade de outros sobas que se socorriam dos jagas e em especial do Cafuxe, para fazerem as guerras aos que eram nossos amigos ou se mostravam inclinados à política de paz.
Por êsse motivo o Caculo-Kia-Kimone foi atacado, tendo sido mortos alguns dos seus principais, e foi então que resolveu vir entregar-se completamente a nossa protecção, pedindo para se vir undar (i) a Luanda, e tomando nós conta da exploração da mina de sal.
Ainda no sul, mas para além do Libolo, no Haco, nós mantinhamos as melhores relações com o soba Ngunza-a-Nbemba (Quizambembe?) onde em 1627 Fernão de Sousa depois de mandar ao capitão-mór de Massangano que o avassalasse e undasse, abriu uma feira da maior importancia, porque ali afluia não só o negócio do Dongo, interdito pelas questões da Ginga, mas ainda o do sul, da região do Bié, que já então era conhecida dos nossos comerciantes.
Ao norte, não falando no Congo, na região entre o Bengo e o Dande e ainda ultrapassando êste rio, o que dava lugar a reclamações do rei do Congo, tinhamos estabelecido a feira de Sambanzombe, que depois mudámos para o Bengo, e mantinhamos as melhores relações com os sobas Quiluange, Cancango, Campangola, Quitexe, Cauanga, etc., e ainda com o Ambuila, todos Dembos, estando ocupadas por portugueses e exploradas pela agricultura as margens dos dois rios, havendo uma povoação com duas igrejas, e um capitão-mór em Matemo.

(i) Undar era a confirmação ou reconhecimento do soba pelo governador geral, e era feita com determinado cerimonial em Luanda.


Carta do Governador Fernão de Sousa
de 25 de Dezembro de 1625

DECLARAÇÃO DOS TRIBUTOS QUE SE PEDEM AOS SOUAS
(ortografia da época; a letra “u” pode ser “b ou v”)

Futa

1°. Futa responde em Portuguez, a prezente que o ynferior dá a seu superior em demõstração que o reconhece por superior a modo de hu cazeyro ao senhorio. A este respeito não se atreue soua nenhu yr a prezença de cappitão de prezidio sê lhe leuar futa, e os cappitaes a tê já tanto por sua que se o soua a não leua, ou se descuyda pede lhe a sua ynfuta, e pera este effeito sê cauza os chamão muytas vezes aos prezidios, e os detê neles huzando de modos injustos, e parece já tributo pondolhe nome de proês, e precalços. O mesmo huzão quando vão fazer alguã deligencia por mandado dos Gouernadores pola terra dentro, e a todo o soua pedê infuta obrigandoos a dala por força e violencia; o mesmo fazê os brancos quando os mandão seus cappitães a deligencias, ou vão a negocio de que os souas recebem grande opressão.

Loanda

2°. Loanda he tributo em reconhecimto de vassalagê, de vassalo pera sõr, que os Souas pagauão a ElRey de Angola. Os Gouernadores, e cappitães mores, e cappitães dos prezidios o forão yntroduzindo em sy a exemplo d'El Rey de Angola, e a este tributo responde os baculamentos que pagão a El Rey nosso sõr pelo que se não pode pedir Loanda aos Souas porque pagão baculamento, e somente a S. Mag.e pertence este tributo.

Vestir

3°. Vestir he hu modo que se introduzio pera pedir peças aos Souas pela maneira seguinte, mandauão os Gouernadores hum Macunze que responde a Embaixador cõ cantidade de panos de seda cõ suas empondas, e cõ feregoulos que he o vestido dos negros, e a cada Soua dezia que hera Macunze do Gouernador, e q hia buscar a Loanda, e como herão sempre pessoas doutas nesta negoceação despião o melhor que podião a cada Soua obrigandoos com praticas e que chamão milongos a darê pera o Gouernador, e o Macunze, lingoa, e companheiros as peças que não podião dar. Outras vezes se offerecião pessoas aos gouernadores a fazer estas missões; por certa cantidade de peças per contracto, e algus herão tão deuotos que se offerecião fazelo à sua custa, o que fazia a viagë por qualquer destes modos se apercebia de cedas, e doutras cousas, hia polas Prouincias, e em cada soua a q chegaua se assentaua em hua cadeira d'espaldas e se reprezentaua Gouernador, e intimidando o soua o obrigaua se hera poderoso a lhe dar polo menos dez peças, e sendo menor a cinco, a fora as que daua pera a companhia e mantimentos, e agazalhado necess.o em que às vezes entraua molhéres, e filhos dos Souas, cõ grande dezacato seu, que elles muito sentião, isto mesmo fazião, e fazë os cappitaes dos prezidios mandando Macunzes polos Souas à imitação dos Gouernadores.

Ocambas

4°. Ocamba he mandar o capitão do Prezidio aos Souas do seu destricto ou qualquer outro br.co ao soua com q corre hua peruleira de vinho, ou pano, ou outra fazenda cõ tenção de lha pagar o soua cõ fingimento de amizade, e boa correspondencia, e não querendo alguas vezes aceitala o soua o obrigão a tomala por boas palauras, e lha deixao em caza, e se o soua se descuyda em a pagar a mandão arrecadar dele em peças de indias por tres, ou quatro preços mais do q valia o q lhe mandarão. Conuê que os capitães dos prezidios, e Portuguezes nao huzë de ocambas que comprê, e vendão a preço certo, e que os souas nao sejão obrigados a pagalas.

Imfuca

5°. Infuca he vender aos souas de fiado per modos, e palauras q lhes parece que ou não pagarão, ou o farão tarde dandolhes as fazendas per rogos, ou por força, e passado certo tempo mandão os capitães, e Portuguezes pedir aos souas que lhe paguê o que derão a infuca, e não pagando prendenlhe molheres, e filhos, e vassalos a que chamão filhos de Morinda q são forros, e amarardos së ordë de justiça os mandão a esta Cidade a vender por peças, e embarcar de mar em fora, polo que se deue euitar este modo de venda, e que somte se faça nas feiras, e pumbos, por Pombeiros.

Outros modos

6°. Costumão os capitães dos Prezidios pôr Tendalas, e manilumbos, escrauos forros, e catiuos pelos quaes exercitão todos os modos de tirar peças chamando os Souas aos Prezidios, ou seja pera guerra, ou pera fazer baluartes, e obras nos Prezidios em têpo de suas sementeyras, ou de nojos, ou de outras necessidades em que nao podë yr, e não yndo os meação por leuãtados, e por remirë sua vexação se concertão por tantas peças, e aos que vão ao Presidio não lhe dão audiencia tënos ao sol no terreyro descontentaose das obras que fizerão, e por peças libertão suas pessoas, e se liurão destas vexações, e a tudo isto chamão proës, e precalços de seus cargos.

Vundar

7°. Vndar he ceremonia de q huzao os Souas quando succedê nas Terras por morte do vltimo sõr da terra, ou quando por cauzas justas conforme a suas leis, e costumes lanção o sõr fora da terra, e ellegê os macotas que são os do Cons.lo outro sõr, o qual costuma ser o sobrinho do morto, filho de sua Jrma porq este të por legitimo sõr, e não o f° que dizë pode ser adulterino, este tanto que he electo, e antes de o ellegerem o fazê saber ao Gouernador pedindolhe que o aja por bem, e que o queira vndar, q he o mesmo que confirmalo na terra, e vndar he estando o soua diante do G.or peito por terra em sinal de Vassalamto a sua Mag.e se lhe lança hua pouca de farinha por cima dele, e elle a toma cõ suas mãos, e se enfarinha polos peitos, e braços, e antão se tê por senhor da terra, o Gouernador o manda yestir em acabando de se vndar conforme a calidade, e poder do soua, e o soua lhe prezenta o que quer, e da a quê lhe lança a farinha, e a quë o veste, capitão da gda, secretario, e Tendala, o que lhe parece, isto se pode leuar se o soua volutariamte o da, e se lhe não faz força porq responde ao dereito da confirmação, chancellaria, e mais dereitos que o Donatario paga pola confirmação, e tambê se poderá tomar o que o soua de sua propia vontade dá porq të por grande desprezo não lhe tomar o que por este modo dá porq cujdão que o tê por jnimigo leuantado, e porque quando lho aceita o Gouernador por outro modo lho satisfaz.

(Biblioteca da Ajuda, cod. 5I-VIII-30 e 31. Governo de Fernão de Sousa).

In “APONTAMENTOS SOBRE A OCUPAÇÃO E INÍCIO DO ESTABELECIMENTO DOS PORTUGUESES NO CONGO, ANGOLA E BENGUELA” por Alfredo de Albuquerque Felner

Nota: bem bramava o governador para Portugal, mas... sem qualquer controle pelo interior do país!
Mas não há como condenar esses homens entregues à selva, a si mesmos, numa selva inóspita, desconhecida e selvagem, daqueles tempos. É ver o que fizeram, em ambientes muito mais “humanos”, os espanhóis perante uma civilazação avançada, os imigrantes americanos face aos índios, os boers na África do Sul, os racistas brancos na Índia e África inglesa, etc.
Sem mais comentários!

06/dez/11

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