(Continuação)
Historia da residência dos Padres da
Companhia de Jesu em Angola...
CAPITULO 6.°
DOS SOCORROS QUE PORÃO A CONQUISTA DE ANGUOLA
1.° O governador Paulo Dyas de Nabaes trouxe setecentos homens de guerra, gente mui honrrada, e luzida no anno de 1575.
2.° No anno de 1578 veo o Capitão António Lopez Peixoto sobrinho do Governador com quatrocentos soldados, muitas munições e fazenda que mandou a sua custa António Dyas de Navaes pae do dito Governador.
3.° No anno de 1579 vierão duzentos soldados que também mandou o pae do dito Governador e pêra este socorro mandou emprestar o Cardeal Dom Anrique que então governava, vintadous mil cruzados.
4.° No ano de 1584 trouxe o capitão João Castanho Velez duzentos homens a custa de sua magestade. Veo nesta frota o desembargador João Morgado de Reizende com os ofícios de Provedor da Fazenda e provedor das minas com muitos instrumentos pêra as beneficiar (1).
5.° No anno de 15&6 mandou sua Magestade ao Capitão Jacome da Cunha com noventa soldados (2).
6.° No anno de 1587 vierâo obra de cento e cincoenta soldados Tudes¬cos, framengos, e castelhanos os quaes morrerão de doença antes de poderem peleiar.
7° No anno de 1592 mandou sua magestade por Governador deste Reyno Dom Francisco Dalmeida com seiscentos soldados, e muita fazenda pêra pagamentos.
Podemos acrescentar a este numero outros soldados que em diversos tempos vierâo, que forão por todos dous mil trezentos e quarenta pouco mais ou menos.
Destes morreriâo em guerra obra de quatrocentos e cincoenta, os mais fallecerão de doenças, ou se forão pêra diversas partes.
Avera oie nesta conquista, contando os que estão no arraial, em dous presídios, e nas duas villas, pouco mais de trezentos homens de poleia (3).
CAPITULO 7.
DAS VICTOR1AS QUE DEOS DEU AOS PORTUGUEZES
1. Não podia El Rey de Angola com hum Soba levantado o qual lhe tinha desbaratado alguns exércitos que contra ele mandara, e os vencendores pera porem espanto aos emigos, tinhão feitos valados dos osos, e cavei¬ras dos mortos ao longo dos caminhos. Aiuntou o Rey outra vez contra este Soba hum campo de obra de seiscentos mil homens, e por estar amigo com o Governador pedio lhe socorro. Deulhe o Governador cíncoenta arcabuzeiros; marchando o campo do Rey diante, e chegando aos valados das cavei¬ras de seus parentes desacorçoarão, e pedirão aos nossos tomassem a vãoguarda, fizerão no assi, chegarão ao imiguo, desbaratarãono, sem fiquar nenhum soldado ferido. Os da parte do Rey saquearão ao arraial e seguirão aos contrários. Aconteseu esta vitoria no anno de 1577.
2.o No anno de 1579 estando o Governador Paulo Dyas no Anzele terra da província da liamba com obra de cincoenta homens somente, foy sercado de hum grosso exercito por ordem de El Rey de Angola por a ocasião que se dirá no capitulo seguinte. Couza que se não esperava por correrem os nossos em amizade com o Rey, e com todo o Reyno. Defendeuse o Governador muy valorosamente pondo grande terror aos imigos, com os tiros dartelharia. Matou lhes o seu capitão, pello que logo levantarão cerquo. Dahi por diante mandou o Governador ao capitão, e sargento mor Manuel João a destruir aquela província. Matou e cativou muita gente, tomou muitos mantimentos, com que se sustentava nosso campo.
3. No anno de 80 indo o Governador ao longo do rio Coanza para cima com duzentos e noventa portuguezes, com duas galeotas, hum caravelão e outras embarcações menores, pretenderão estorvar-lhe a pasagem alguns Sobas visinhos ao rio. Aloiouse em terra o arraial, e fazendo volta sobre os imigos o capitão Manuel João com cento e sesenta homens os destruiu e queimou algumas três legoas de povoações, e tomou cem pesas vivas. Durou o saco 15 dias com que ficou o arraial provido de gado, sal, azeite e muitos outros mantimentos.
4.o No anno de 81 destruio o nosso exercito a hum poderoso Soba por nome Songa na província da Quiçama, e sogeitou ao serviço de sua Magestade toda aquella província que he de gente mais belicosa que ha no Reyno de Anguola. Foi por capitão António da Costa parente do Governador.
5.o No mesmo anno de 81 estando os nossos no Mocumbe terra da província da Quiçama iunto do rio Coanza, os mandou o Rey cerquar com hum grande exercito. Saiolhes a nossa gente ao encontro huma madrugada, mataria obra de quinhentos, e os mais fugindo se matavão com facas pêra hirem fazendo caminho rompendo pellos dianteiros como tem em custume. Acharão hum Soba emforcado entre dous ramos de huma arvore. Dos nossos nenhum morreo.
6. No mesmo anno de 81 foi destruído pellos nossos hum poderoso fidalgo na província da liamba por nome Anguola Quichaito e o Governador pôs outro em seu lugar. Foi por capitão António da Costa parente do Governador que então servia de Ouvidor Geral.
7. No mesmo anno de 81 passou a liamba o capitão mor do campo Luiz Sarrão, destruio alguns fidalgos com os quaes nunca pode entrar exercito de El Rey de Anguola por estarem fortes em matos de muitos espinhos. Dos nossos foi Deos servido não ser nenhum morto nem frechado.
8. O capitão do campo Luís Sarrão por mandado do Governador Paulo Dyas passou outra vez a liamba na era de 82 com oitenta soldados a socorrer alguns Sobas que estavão por nós porque o Anguola mandara sobre elles hum grande exercito que os deitou de suas terras e pôs outros nellas. Os imigos sabendo a ida do capitão se poserão em fugida sem aguardar o ímpeto dos nossos, tornarão os Sobas amigos a suas terras e de novo se vierão sogeitar a obediência de sua Magestade outros trinta e quatro, e com isto ficou quasi toda a liamba conquistada e também a Quiçama como esta dito. E oje em dia o estiverão, se ouvera nesta conquista copia de gente de modo que huns andarão no campo ganhando terras de novo, e outros em presídios conservando o ia ganhado.
9. Na era de 83 deu nosso Senhor aos Portuguezes a nomeada vitoria que chamão de Talandongo na provinda do Mosseque a qual socedeo desta maneira. Mandou o Governador seu exercito a tomar as minas de prata de Cambambe, de caminho destruirão a hum poderoso imiguo por nome Bambantungo e poserão outro na terra, e o arrayal se aloiou en Talandongo que na lingoa quer dizer terra donde se vee a cidade do Rey, muito fresca de bons ares de muitos palmares e fruitas. Chegou o Governador e fundou ali huma cidade com seus fortes a que pôs nome nova Gaza obra de huma legoa das minas de Cambambe. Estando aqui aloiado o Governador Paulo Dyas, com seu capitão mor Luis Sarrão e todos os mais Portuguezes, que não passavão de cento e vinte, senão quando aos 2 de Fevereiro da dita era que he dia da purificação de nossa Senhora dece sobre elles o mais grosso exercito que dizem aiuntou nunca Rey algum de Anguola. Serião hum conto e duzentos mil homens, tomavão três legoas de terra cubrindo montes, e vales, e vinhãose chegando a Cidade repartidos em três esquadrões. Os nossos confiados no favor da Virgem gloriosa sairão ao encontro aos imiguos acompanhados de muitos escravos seus e gente de alguns Sobas que estavão da nossa parte, repartidos em outros três esquadrões cometerão aos contrários antes de acabarem de deser dos outeiros e isto com tanto esforço que matandolhe hum capitão os puzerão em fugida, seguirão o alcance e fizerâo nelles grande estrague. Dos portuguezes morrerão somente sete, dos imigos huns se matavão na fugida e outros se fazião em pedaços pelas rochas. Morrerão obra de Quarenta mil. Em memória desta mercê de Deos tomarão os Portugueses por avogada desta conquista a Virgem nossa Senhora com titulo de nossa Senhora da Vitoria, a que fazem festa no dito dia e a Maçangano puzerão nome a villa da Vitoria (4).
10. Entrou o demónio em hum preto Cristão filho de hum Soba, foi se ter com El Rey de Anguola e prometeulhe que se lhe dese hum grande exercito e algumas espingardas elle lhe entregaria todo o nosso campo. O Rey parecendolhe bem a promessa aiuntou outro poder maior de gente que o sobre dito, porque dizem chegaria a hum conto e quinhentos mil homens. Deulhe mais quarenta espingardas e meio alqueire de pólvora mesturada com carvão. Não foy este exercito demandar ao Governador que estava em Maçangano, mas foi cometer o capitão mor do campo André Ferreira Pereira, que andava conquistando a província de liamba com cento e trinta soldados, e com obra de oito mil frecheiros dos Sobas que da nossa parte peleiavão. Esta província estava rebelada por se ter o Gover¬nador retirado de Cambambe pêra Maçangano. Sabendo o capitão mor que estavão ia perto saiolhes ao encontro repartindo sua gente em três esquadrões, como vinhão os imiguos. Quis Deos que aquella madrugada cahío emtre os dous campos huma névoa tão espessa, que nem os nossos virão a inumerável multidão dos imiguos, por não desacorçoarë, nê elles quão poucos erão os nossos por não cobrarem mor animo. Deu o capitão mor sobre elles com tanto valor e esforço que os pôs em fugida, de modo que ainda que por duas vezes se reformarão com brados de seus capitães sempre forão desbaratados. Morreo nesta batalha a flor dos fidalgos de Anguola os quaes vinhão apostados a não tornarem a ver orrosto a seu Rey sem vitoria. As cabeças dos três capitães com muitas cargas de narizes forão mandadas a esta Loanda. Os despoios forão muitos assi de fato, como de mantimentos. Os nossos seguindo a vitoria conquistarão mais de cincoenta Sobas, e chegarão até o rio Lucalla, oito ou dez legoas da corte do Anguolla. Aiuntou logo o Rey outro exercito, mas também foi pello nosso desbaratado. Não se concluio desta feita a conquista deste Reyno por falta de gente e pólvora (5).
O traidor que deu o alvitre ao Rey também ouve seu merecido castigo porque sendo tomado vivo lhe cortarão a cabeça, e pêra terror dos outros, lhe queimarão seu corpo. Morreo com muitos sinaes de arrependimento de seus peccados e muito pesante da traição que tinha cometida, e confessadocom hum Padre de S. Francisco que andava no arraial por nome Frei João. Aconteseu esta vitoria dia de S. LUÍS Rey de França a 25 de Agosto de 85 na liamba em huma terra que chamão Casicola.
11. No anno de 89 rebelou contra Sua Magestade hum Soba pode¬roso na liamba por nome Mosengue Azenza e fez rebelar a outros que ia estavão sogeitos. Foi contra elles o capitão mor André Ferreira Pereira deulhes batalha e desbaratouos. Cativou mais de 500 peças e ouve mui grande despoio, muitos vestidos de seda, armas de Portugal, porcelanas. escritórios, muita fazenda e mantimentos.
(1) Acerca dos dois socorros de 1578 e 1579 há dúvidas e divergências nos escrito¬res das coisas de Angola. Vejam-se Feo Cardoso, Memórias, páginas 129 e. seguintes; Lopes de Lima, Ensaios, Parte I, página XIII, 89; Alberto de Lemos, Historia de Angola, páginas 137-138; Felner, Angola, páginas 138-139. O Catalogo dos Governadores de Angola, do século XVIII, está, neste passo, de acordo com o nosso manuscrito do sé¬culo XVI. O socorro de 1579, em que iam os missionários Baltazar Barreira e Frutuoso Ri¬beiro, partiu de Lisboa a 20 de Outubro de 1579 e aportou a Luanda em 23 de Fevereiro de 1580. Cf. Boletim da Sociedade de Geografia, IV, páginas 349-350, carta de Frutuoso Ribeiro, de Luanda a 14 de JS^arço de 1580; Franco, Synopsis Ann. 1579, n.° 6; Zma-gem da Virtude... Évora, página 97.
(1) O Padre Diogo da Costa, em carta de S. Tomé a 19 de Junho de 1584, tem que a armada saiu de Lisboa a 25 de Janeiro de 1584, e o Padre Baltazar Afonso acrescenta que os soldados seriam por todos duzentos. Bolefim e volume citado, páginas 374-375. Cf. Lopes de Lima, página XV; Felner, oô. cíí.» página 148.
(2) Franco na Synopsis Ann., 1586, n.° 2, escreve, não sabemos com que fundamento, que na armada de seis navios foram em 1586 para Angola 300 soldados.
(3) No manuscrito original estão escritos è margem, por todo este capítulo, em algarismos os inúmeros que no texto se designam por extenso.
(1) Conta esta célebre vitória o Padre Baltazar Barreira, testemunha presencial, em carta de 20 de Novembro de 1583. Cf. Boletim citado, págs. 371-372.
(5) Esta memorável vitoria é referida pelo Padre Baltazar Barreira em carta de 27 de Agosto de 1585, dois dia depois da batalha. Boletim da Sociedade de Geografia, IV, págs. 37&.380.
(a continuar...)
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