segunda-feira, 5 de outubro de 2009

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Ó  Incas!  Ó  Incas!
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Levantar bem de madrugada, porque o trem sai muito cedo, e é preciso recolher todos os turistas espalhados por tanto hotéis da cidade.
Agora a caminho de Machu Picchu o ponto alto de todo o destino nos Andes! Não tão alto porque saído de Cusco baixa-se até 1.700 m, Aguas Calientes, de onde se sobe a montanha para Machu Picchu a 2.400.
Sai o trem de Cusco e tem que vencer uma das montanhas que circundam a cidade, para passar no alto lá pelos 3.800m. Como as curvas em caminho de ferro têm que ser largas e com declive moderado, os cusqueños criaram um sistema sensacional: o combóio começa devagar, indo de frente; de repente pára e inverte a marcha, muda a agulha, vai de ré e sobe mais um pedaço; mais adiante volta a andar no sentido inicial. Estrada em “Z”! E fazendo isto mais duas vezes chega, resfolgando, ao cimo do morro de onde a vista sobre a cidade é total!
Já do outro lado da montanha inicia a descida para o Vale Sagrado dos Incas até Ollantaytambo, donde segue depois ao longo do rio Vilcanota, que também se pode chamar de Urubamba, e ao entrar no Brasil passa a chamar-se Solimões, cujas águas acabam no Amazonas, através dum vale mais do que apertado, uma profunda garganta entre montanhas grandiosas, altíssimas, imponentes, um espetáculo em que nos sentimos cada vez mais ínfimos!


Parte do Vale Sagrado


Um dos "cicerones", a simpática e desconfiada llama !

Durante o trajeto, num trem ótimo, em que nos servem um lanchinho como nos aviões, gente sempre simpática, os guias turísticos chamam um por um todos os turistas que são: alemães, gringos, portugas, brasileños, guatemaltecos, franceses, poloneses, ingleses, colombianos, e tudo o mais que se possa imaginar e avisam: “eu, F., sou o vosso guia. À chegada do trem cada um deve procurar um lugar no primeiro ônibus que puder e que se encontram do outro lado do rio. Lá no alto, à entrada da Machu Picchu, eu chamarei pelo meu grupo para entrarmos todos juntos”. Uma alegria.
Finalmente chegamos a Aguas Calientes, assim chamado o local por ter uma nascente de águas termais, na base da montanha de Machu Picchu. Lugar especial onde tudo quanto há são os tais ônibus que levam o dia todo a transportar turistas encosta acima e abaixo, 700 metros de desnível em meia dúzia de quilômetros, umas dúzias de restaurantes de todos os preços, sempre de sorriso e simpatia disponível e uma rua estreitada pelas tendas dos vendedores de souvenires, que os ônibus atravessam com margem de milímetros para os objetos expostos!
Após a subida, num num zig-zag incrível, MACHU PICCHU.


Não se pode descrever a subida em ônibus por este declive e estas curvas!

 Finalmente, o tal sonho da juventude a tornar-se realidade. O expoente máximo dos “segredos” dos Incas, do culto do Sol, das aclla huasi, dos sacerdotes, dos...



O mítico Machu Picchu, e em baixo uma vista com a subida da serra

Não creio que exista alguém neste planeta, minimanente informado, que não tenha visto uma, ou muitas, fotografias de Machu Picchu. Na curva dum rio, elevado aos tais setecentos metros acima dele, rodeado de outras montanhas que ultrapassam os três e quatro mil metros, lá estava o... a... aquilo que ninguém consegue saber bem o que foi e para que serviu, mas que por isso mesmo estimula a imaginação e nos leva a sonhar com o que de certeza não foi um lugar idílico, um paz e amor, um recinto de meditação e oração!
Mas é uma beleza. Não sei se tem muito ou pouco que ver. Na primeira visita, guiada, andámos lá dentro mais de duas horas. O Templo do Sol, do Condor, as Accla huasi,... À tarde voltei, pouquissima gente, um silêncio profundo, um ar limpo, um não sei quê de mística que toda a lenda nos envolve! Aqui e além um ou outro turista tira do bolso um pequeno livro, ajoelha e faz uma oração! A quem? À fé deles, ao deus de cada um “na eterna mentira de todos os deuses, porque só os deuses todos são verdade”, como dizia Fernando Pessoa (a primeira vez que o cito, em todos os meus escritos).


Um dos "equipamentos" para medir a posição do sol

No dia seguinte, manhã cedo ainda a nova avalanche de turistas não tinha chegado e ali estava eu de novo a respirar aquela tranquilidade e, porque não, a comunicar-me com o Mango Capac e o Pachacutec, o fundador de Cusco e grande estadista inca, vendo o sol contornar algumas daquelas misteriosas pedras que foram meticulosamente colocadas de modo a determinar com rigor o início da época das sementeiras e das colheitas, mostrando os extremos dos solstícios, e pensando que foi dali, dos Andes, que nos vieram as batatas, o milho e até hoje as melhores lãs do mundo, das vicuñas.
Não sei se fiz ou meditei alguma oração a algum deus. Mas que todos naquele lugar têm que louvar a criação e sua infinita capacidade... têm.


Mais um pouco de Machu Picchu

No regresso de Machu Picchu, novamente de ônibus, este deixa-nos no mesmo local onde nos recebeu na chegada. Só que para chegar a esse ponto, uma vez que não há espaço para manobras, umas centenas de metros antes do “ponto final” o motorista inverte a marcha, e tal como o combóio à saída de Cusco, preenche a última parte do percurso... de ré! Nem olha para trás! Parece mesmo nem sequer olhar pelos retrovisores! E lá vamos nós, pelo meio daquela pequena rua cheia de vendedores, os tecidos e outras peças de artesanato “olhando” serenamente aquele e mais umas dezenas de ônibus a passarem-lhe a escassos centímetros sem jamais os derrubarem!
É quase o fim do espetáculo. Depois do almoço num restaurante pequeno e muito confortável sobre as rochas que obrigam as águas do Vilcanota a dançarem corrente abaixo, é compulsória uma visita a esses vendedores. E barganhar aquilo que já não é caro, mas é tudo bonito. Séculos de artesanato, artesanato com ARTE maiúscula, transformado em recordações, e não só, para os turistas! Os tais meio$ são o único fator limitador das compras!
No regresso a Cusco um carro nos aguardava a meio caminho, em Ollantaytambo. Dia de eleições, a povoação estava em festa. O povo com os seus trajes típicos davam ao local uma cor e uma animação que nos parecia fantasiosa. Não era. Aquela povoação conserva muito das suas tradições e o povo veste-se, em grande parte, como sempre se vestiram os seus antepassados. Lindo.


A beleza e a alegria do colorido


Atravessámos um pouco do Vale Sagrado, sagrado porque era dali saía a maioria dos alimentos do povo, que fica a uma média de 2.800 metros de altitude e subimos outra serra a caminho de Chincheros, para voltarmos a Cusco. Paisagens lindas, ao longe, entre outros, o monte Chicon (vejam a coincidência) com 5.600 metros, coberto de neve a partir dos 4.500.
Nas pequenas povoações que atravessámos, com frequência se viam nas portas de algumas casas um pau comprido, talvez uns 3 a 4 metros, inclinado a 45° com um pano vermelho amarrado na ponta. O que significava? Venda de chincha, uma bebida muito popular, tradicional, feita de milho, levemente fermentada.
Parámos. Casa modesta, para não lhe chamar pobre e um copo enorme de chincha por 0,50 soles. Muito agradável e que de momento me transportou a Angola onde fazem, ou faziam, o mesmo tipo de bebida que se chamava uálua, quimbombo, quissângua, macau, etc. O troco de 1 sole dei-o ao garotinho, talvez de cinco anos, que estava à porta, cara redonda, bochecha vermelhinha, roupa típica. O sorriso que fez quando viu a moeda na mão talvez tenha sido a resposta dos Incas à nossa conversa lá em Machu Picchu. Valeu.


Estava a chegar ao fim a nossa estadia. Uma semana tinha voado.
Enchemos a barriga de arte, de história, de tradição, de lenda e mistério! Teríamos lá ficado mais um mês ou dois para beber mais.
Pode ser que um dia... quem sabe, Ó Incas, ó Incas?



No próximo texto, algumas sugestões peruanas. Confira.


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