Em Março de 2006 escrevi um texto sobre os ciganos que até hoje eu mesmo acho interessante e que podem revisitar, aqui no blog https://fgamorim.blogspot.com/search?q=ciganos, mas a história dos ciganos é muito mais do que escrevi, interessante, triste pela perseguição que sempre sofreram, mas que mostra um povo resiliente, especial.
Em
2006 escrevi “Consta que, por volta do século X, este povo começou a sair do
Industão, perseguido pela invasão muçulmana, ou por estes obrigados a lutar nas
suas fileiras” possivelmente sob o sultanato de Abu al-Qāṣim
Maḥmūd ibn Sabuktigīn (c. 971-1030), conhecido
por Mahmud of Ghazni, Sultão do Grande Império Ghaznavid, que obrigava os
indianos a se alistarem no seu exército, o maior e mais temido do seu tempo,
mas parece que bem antes muitos haviam já fugido de outros confrontos.
Essa
diáspora incluiu diversas de castas como se vai ver adiante, e se espalharam
por todo o mundo
Depois
desta pequena introdução hoje vou falar duma gente que não eram um povo, nem
uma etnia, mas durante séculos foram ostracizados, perseguidos, mal tratados,
etc.
No
final tiraremos as nossas conclusões.
Cagot foi o nome que lhes deram em maior parte da Europa, sobretudo em França, enquanto na Espanha, Navarra era Agotes.
A
história destas pessoas discriminadas e perseguidas, que chegou quase até aos
nossos dias, é uma raridade difícil de explicar. Temos de recuar a épocas muito
remotas que justificam o repúdio pela ignorância dos povos. Ainda assim, não se
compreende como se prolongou tanto tempo. Os últimos agotes da história vivem
em Bozate, bairro equidistante de Arizkun e Errazu, no vale navarro do Baztán,
na fronteira com França. Do outro lado dos Pirenéus, os franceses chamavam-lhes
cagots. Viviam em bairros isolados, com a proibição de se misturarem com os
habitantes de outras povoações. Para que a sua separação fosse completa, deviam
distinguir-se até na própria vestuário e tinham de usar na roupa a marca de um
pé de pato vermelho, de forma bem visível (lembram da Estrela de David,
amarela, que os nazis obrigaram os judeus a usar? Esta marca do pé de pato
começa por volta do século XIII !) Além disso, estavam obrigados a avisar da sua
presença tocando umas castanholas para que os outros se afastassem (Isto também
lembra os leprosos da Palestina, há mais de 2.000 anos!). Eram alvo de
discriminação na igreja, onde lhes estavam reservados os últimos bancos. Não
podiam chegar até ao altar nem para comungar nem para receber a paz; o
sacerdote descia para lhes dar. Na oferta de pão à igreja, que o acólito
recolhia num saco, ele virava-o para que os pães dos agotes não se misturassem
com os outros. Tinha uma pia de água benta e um cemitério à parte, e até havia
igrejas com uma porta especial para eles. Também não lhes era permitido ser
sacerdotes. Nunca os deixavam participar nos bailes e nas festas das aldeias do
vale. Uma maldição que chegou ao fim... só no século XIX !!!
Seus nomes variavam muito de acordo com a
província e o idioma local:
Na Gasconha eram chamados de Cagots, Cagous e Gafets; em Bordéus, Ladres, Cahets ou Gahetz; no País Basco espanhol, Agotes, Agotak e Gafos; no País Basco francês, as formas Agotac e Agoth, em Anjou, Languedoc e Armagnac, eram Capots, e Gens des Marais (povo do pântano); na Bretanha, eram Cacons, Cacous (possivelmente do bretão Cacodd, que significa leproso), Caquots e Cahets. Às vezes referidos como Caqueux, Caquets, Kakouz, Caquins e Caquous, nomes dos Caquins locais da Bretanha devido à baixa estatura semelhante e à discriminação na sociedade. Em Bigorre também eram chamados de Graouès e Cascarots, em Aunis, Poitou e Saintonge também Colliberts, nome da antiga classe de colliberts (servos, miseráveis).
Gésitains, ou Gésites, referindo-se a Geazi, personagem bíblico, servo de Eliseu, amaldiçoado com lepra devido à sua ganância. O Parlamento de Bordéus registra descendentess da raça de Giezy como um insulto usado regularmente contra os Cagots. Giézitains é visto nos escritos de Dominique Joseph Garat (político basco francês, séc. XVIII/XIX). Elizabeth Gaskell (romancista inglesa, sec. XIX) registra o termo anglicizado (vidé anglicismo) Gehazites em sua obra An Accursed Race. Ainda se se encontramoutros nomes como Caffos, Essaurillés, Trangots, Caffets, Cailluands e Mézegs (do francês antigo, mézeau que significa muito provavelmente leproso).
Anteriormente, alguns desses nomes eram
vistos como sendo grupos semelhantes, mas distintos dos Cagots.
A origem dos Cagots não é conhecida com certeza, embora ao longo da história muitas lendas e hipóteses tenham sido registradas, fornecendo possíveis origens e razões para seu ostracismo. Os Cagots não eram um grupo étnico ou religioso distinto, mas uma casta racializada. Eles falavam a mesma língua que as pessoas de uma área e geralmente mantinham a mesma religião também, com pesquisadores posteriores observando que não havia evidências que diferenciassem os Cagots de seus vizinhos. Sua única característica distintiva era sua descendência de famílias há muito identificadas como Cagots.
Diversas lendas situam a origem dos Cagots em eventos bíblicos, incluindo a de serem descendentes dos carpinteiros que fizeram a cruz em que Jesus foi crucificado, ou descendentes dos pedreiros que construíram o Templo de Salomão após serem expulsos do antigo Israel por Deus devido à má qualidade do trabalho. De forma semelhante, uma lenda mais detalhada situa a origem dos Cagots na Espanha como descendentes de um mestre entalhador dos Pirenéus chamado Jacques, que viajou para o antigo Israel via Tartessos, para fundir Boaz e Jaquim para o Templo de Salomão. Enquanto estava em Israel, ele foi distraído durante a fundição de Jaquim por uma mulher e, devido à imperfeição causada na coluna, seus descendentes foram amaldiçoados a sofrer de lepra.
Outra teoria é que os Cagots eram descendentes dos Cátaros, que foram perseguidos por heresia na Cruzada Albigense. (Se já não lembra dessa “bestialidade”, refresque a memória em https://fgamorim.blogspot.com/search?q=c%C3%A1taros
Com algumas comparações, incluindo o uso do
termo crestians para se referir aos Cagots, que evoca o nome que os
Cátaros deram a si mesmos, bons crestians. Uma
delegação de Cagots ao Papa Leão X (1475-1521) fez
essa afirmação, embora os Cagots provavelmente sejam anteriores à heresia
Cátara e a heresia Cátara não estivesse presente na Gasconha e em outras
regiões onde os Cagots estavam. O historiador Daniel Hawkins (Juiz americano, 2022)
sugere que talvez esta tenha sido uma manobra estratégica, uma vez que nos
estatutos da
limpeza de sangue tal
discriminação e perseguição aos condenados por heresia expiravam após quatro
gerações e, se esta era a causa da sua marginalização, também fornecia
fundamentos para a sua emancipação. Outros sugeriram uma origem entre os cristãos arianos .
Uma das primeiras menções registradas dos
Cagotes está nas cartas de Navarra, elaboradas por volta de 1070. Outra
menção antiga dos Cagotes data de quando eles parecem ter sido chamados de de Chretiens ou Christianos.
Outros termos vistos em uso antes do Chrestia, Crestiaa e Christianus, que em textos
medievais se tornaram inseparáveis do termo leprosus, e assim em Béarn se tornaram
sinônimos da palavra leproso. Assim, outra teoria é que os Cagots foram dos
primeiros a converter-se ao Cristianismo,
e que o ódio dos seus vizinhos pagãos continuou mesmo depois de também se terem
convertido, apenas por razões diferentes.
Outra possível explicação para o nome Chretiens ou Christianos reside no facto de, na Idade Média, todos os leprosos serem conhecidos como pauperes Christi e, fossem visigodos ou não, estes Cagots terem sido afetados por uma forma particular de lepra ou por uma condição semelhante, como a psoríase. Assim surgiria a confusão entre cristãos e cretinos (deficiente mental, desprezível) e explicaria as restrições impostas aos leprosos e aos Cagots. Guy de Chauliac (1300-1390, cirurgião) escreveu e Ambroise Paré (1510-1590, também cirurgião) escreveram que os Cagots eram leprosos com "rostos bonitos" e pele sem sinais de lepra, descrevendo-os como "leprosos brancos" (pessoas afetadas de "lepra branca"). Dermatologistas posteriores acreditam que Paré estava descrevendo leucodermia (manchas brancas na pele que ocorrem devido à redução ou ausência de melanina). Os primeiros éditos aparentemente se referem a leprosos e Cagots como categorias diferentes de indesejáveis, sendo essa distinção explícita em 1593. O Parlamento de Bordéus e os Estados da Baixa Navarra repetiram as proibições costumeiras contra eles, com Bordéus acrescentando que, quando também fossem leprosos, se ainda existissem, deveriam portar clicquettes (chocalhos). Uma crença em Navarra era que os Agotes eram descendentes de leprosos imigrantes franceses. Comentaristas ingleses posteriores apoiaram a ideia de uma origem em uma comunidade de leprosos devido às semelhanças no tratamento dos Cagots nas igrejas e às medidas tomadas para permitir que leprosos na Inglaterra e na Escócia frequentassem as igrejas.
Nas décadas de 1940 e 1950, foi realizada uma
análise do tipo sanguíneo dos
Cagots de Bozate em Navarra. A distribuição dos tipos sanguíneos
mostrou maior semelhança com a observada na França entre os franceses do que
com a observada entre os bascos. Pilar Hors (espanhola, 1951) usa isso como
apoio à teoria de que os Cagots na Espanha são descendentes de migrantes
franceses, muito provavelmente de colônias de leprosos.
O preconceito contra os Cagot existia no norte da Espanha, oeste da França e sul da França, coincidindo aproximadamente com as principais rotas. Victor de Rochas (médico francês, sec. XX) escreveu que os Cagots eram provavelmente descendentes de ciganos espanhóis do País Basco .
Em Bordéus, onde eram numerosos, eram
chamados de ladres. Este nome tem a mesma forma que a palavra francesa antiga ladre igual à palavra gascã para ladrão
(derivada em última instância do latim latrō, e cognata do catalão lladres e do
espanhol ladrón, que significa ladrão ou saqueador), que é
semelhante em significado ao termo latino mais antigo, provavelmente de
origem celta, bagaudae (ou bagad), uma possível origem de agote .
A
alegada aparência física e etnia dos Cagots variavam muito entre lendas e
histórias; algumas lendas locais (especialmente aquelas que defendiam a teoria
da lepra) indicavam que os Cagots tinham cabelo loiro e olhos azuis, enquanto aqueles que favoreciam a história da
descendência árabe diziam que os Cagots eram consideravelmente mais escuros. Na obra
de Pío Baroja (espanho, sec. XIX/XX) Las horas solitarias, ele comenta que os residentes Cagot de Bozate tinham tanto indivíduos com traços
"germânicos" quanto indivíduos com traços "romani", isto também é apoiado por outros que investigaram
os Cagots no País Basco, como Philippe
Veyrin (sec. XX, pintor
e historiador basco) que afirmou que o "tipo étnico" e os nomes
dos Cagots eram os mesmos dos Bascos em Navarra. Embora as pessoas que se
propuseram a pesquisar os Cagots tenham descoberto que eles eram uma classe
diversa de pessoas na aparência física, tão diversa quanto as comunidades
não-Cagot ao seu redor. Uma tendência comum era afirmar que os Cagots não
tinham orelhas ou não tinham lóbulos de orelha, ou
que uma orelha era mais comprida que a outra, com outros supostos
identificadores, incluindo mãos e/ou pés palmados, ou a presença de bócio .
Graham Robb (escritor inglês nascido em 1958) considera a
maioria das teorias acima improváveis: “Quase todas as teorias antigas e
modernas são insatisfatórias... o verdadeiro "mistério dos cagots"
era o fato de eles não terem nenhuma característica distintiva. Eles falavam
qualquer dialeto da região e seus sobrenomes não eram peculiares aos cagots...
A única diferença real era que, após oito séculos de perseguição, eles tendiam
a ser mais habilidosos e engenhosos do que as populações vizinhas, e mais
propensos a emigrar para a América. Eles eram temidos porque eram perseguidos
e, portanto, poderiam buscar vingança.”
Uma hipótese moderna de interesse é que os
Cagots sejam descendentes de uma extinta guilda medieval de carpinteiros. Esta hipótese explicaria
a característica mais marcante que os Cagots em França e Espanha têm em comum:
a restrição na escolha da sua profissão. O símbolo do pé palmado vermelho que
os Cagots por vezes eram obrigados a usar poderá ter sido o emblema original da
guilda, segundo a hipótese. Houve um breve período de grande atividade na
construção civil ao longo dos Caminhos de Santiago nos séculos IX e X; este período poderá ter
conferido à guilda tanto poder como suspeita. O colapso da sua atividade teria
deixado um grupo disperso, mas coeso, nas áreas onde os Cagots são
conhecidos.
A hipótese da guilda de Robb, juntamente com
grande parte do trabalho em sua obra A Descoberta da França, foi fortemente criticada por “ignorar a maioria das
obras secundárias em sua própria bibliografia dos Cagots" e por ser uma
"reciclagem de mitos do século XIX".
Por razões semelhantes, devido às suas
atividades comerciais restritas, Delacampagne sugere uma possível origem como
uma comunidade culturalmente distinta de lenhadores que foram cristianizados relativamente tarde .
Um cartão-postal de Bagnères-de-Bigorre, mostrando o bairro de Cagots e o rio Adour que o separa da cidade principal.
Os Cagots estavam presentes na França, da Gasconha ao País Basco, mas também no norte da Espanha (em Aragão, sul e norte de Navarra e Astúrias). Eram geralmente obrigados a viver em alojamentos separados, em povoados chamados crestianies e a partir do século XVI, cagoteries, que ficavam frequentemente nos arredores das aldeias. Na escala de Béarn, por exemplo, a distribuição dos cagots, muitas vezes carpinteiros, era semelhante à de outros artesãos, que eram numerosos principalmente no Piemonte. Longe de se concentrarem em apenas alguns lugares, os cagots estavam espalhados por mais de aldeias e vilas. Fora das montanhas, 30 a 40 % das comunidades tinham cagots, especialmente as maiores, excluindo aldeias muito pequenas. Os edifícios que constituíam as cagoteries ainda estão presentes em muitas aldeias.
(A continuar dentro de poucos dias)
14/nov/2025
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