Doações ou Ofertas – (2ª parte. Final)
Já
não lembro quantos foram, talvez uns trinta ou quarenta, todos de muito
interesse.
O
meu amigo achou a ideia muito boa, mandou buscar os livros aqui em casa,
levou-os para Benguela, onde residia, e contatou o Diretor do Instituto, para
fazer a entrega dos livros.
Escreveu-me
logo a seguir: “Infelizmente são todos burros. Não se interessaram. Vou eu
ficar com eles. Pode ser que um dia apareça alguém mais consciente”!
E
assim a “Agronomia Angolana” ficou a secar em Benguela!
7.-
Outra doação, feita há uns tantos anos, de pouco me lembro tanto mais que o meu
PC apagou muita memória, onde estaria a troca de correspondência com o “doado”.
Tenho lutado para estabelecer contato com a pessoa que me agradeceu, mas...
Recebido
de um amigo que tinha “herdado”, um magnífico compasso, obra de arte, feito por
um famoso metalúrgico alemão de Dresden. Guardado no seu, ainda, impecável
estojo, tinha neste uma pequena placa com o nome do artista.
Foi
fácil na ocasião encontrar a origem, porque teria sido professor universitário
de mecânica no final do século XIX. Escrevi para Desden, Tecnische Universitat
Dresden (traduzi pelo Google !) mandando a foto da peça (lindona) dentro do seu
estojo e logo recebi uma carta, amável dizendo que dentro da Universidade
tinham até uma sala no museu com as peças desse professor artista e a que eu
lhes mostrava era para eles ainda desconhecida.
Disse
logo que tinha prazer em doá-la, e assim foi despachada. Pouco depois recebi
uma amável carta de agradecimentos, escrita em alemão e inglês mas que
terminava com um MUITO OBBRIGADO!
De
tudo isto só lembro do nome de quem assinava Andreas, que era o reitor –
Chanceler – da Universidade. Voltei a escrever para lá.
Recebi
há dias a seguinte mensagem:
Dear Francisco Amorim,
Dr. Andreas Handschuh is no longer the chancellor of
the TU Dresden as he is since 2022 the State Secretary in the Saxon State
Ministry for science, culture and tourism.
Não
desarmei e escrevi novamente, agora para a tal Secretaria de Estado. Este
senhor deve lembrar-se da doação e poderá mandar-me os elementos que lhe
pedirei: data da doação e foto da peça.
Faz
parte também da minha história!
A
ver!
8.-
Quando vivi em Moçambique, 1971-75, era diretor da Biblioteca Nacional de
Moçambique, Ruy Sanches da Gama, amigo, espírito culto, aberto, alegre.
Um
dia telefona-me a pedir se eu lhe mandava uns quantos refrigerantes. Precisavam
de fazer uma grande arrumação lá na Biblioteca, porque nalguns lugares havia
infiltração de humidade, mas isso só podia ser feito fora de horas e não havia
dinheiro para horas extras. Todos com boa vontade, ficavam até tarde, tinham
que comer qualquer coisa à noite, mas nada tinham para beber. O Rui compraria
umas sanduiches, mas precisavam de bebida.
Mandei
logo umas caixas de Coca-Cola, 7-Up e
também a cerveja 2M (para o final da festa!).
Como
agradecimento o Rui mandou-me um cartão muito especial que, como se vê guardo
até hoje com o maior carinho e saudade. Antológico:
Na
linguagem camoniana:
“Chiquíades”
Cessem das Reunidas e da Impala
A fama das bebidas que tiveram.
Ao pé desta que tanto nos regala,
Que da 2M, para cá, nos deram.
Gulbenkian, Rockefeller e outros assim
Não valem puto ao pé do Amorim.
Nota:
“Reunidas” era a concorrente da 2M e Impala uma das suas cervejas.
Só
para receber este cartão até teria mandado mais umas caixas!
Dois
anos depois o vintecincobarraquatro desestabiliza tudo, e o Ruy
antevê que deixar livros extra na Biblioteca seriam saqueados, como mais tarde
vi na Guiné (onde comprei na rua livros dos antigos Serviços de Agricultura), e
pergunta-me se eu quero guardar alguns. Tinha muita coisa repetida. Eu disse
logo que quereria todos os que achasse que podia dispensar. Mandou-me uma boa
quantidade da Revista de Moçambique, 48 números, que durante anos fui lendo e
pesquisando, e até escrevendo sobre assuntos ali colhidos.
Fiquei
a saber, por exemplo das magníficas pinturas rupestres e de antiquíssimas
construções em pedra, coisa rara. Ótima publicação, com muita história e
artigos científicos.
Perguntei
para Moçambique se tinham esta publicação e a resposta foi a esperada: nem uma.
Decidi então doar todos os volumes que tinha, e surgiu a ocasião especial. O
meu amigo e Prof. Dr. Jorge Ferrão, hoje reitor da Universidade Pedagógica em
Maputo, era na altura Ministro da Cultura.
Como
é evidente o meu amigo embandeirou em arco, e as revistas, enviadas através da
Embaixada de Moçambique no Brasil, lá seguiram e foram bem festejadas à
chegada.
O
“bom filho voltou a casa”!
9.-
Querendo começar, aliás continuar a aliviar o meu escritório, com muito livro
que nem eu nem ninguém voltará a ler, ofereci (ou doei?) talvez uns 200 livros,
sobretudo de autores brasileiros e alguns portugueses (Machado de Assis, Alencar,
Pompeia, Bilac e outros mais Camilo, Garrett, etc.) para a Biblioteca do Borel,
uma famosa sanzala do Rio.
A
ideia dos organizadores que vieram aqui a casa coma kombi pintada “Aceitamos
Livros”, eram emprestarem livros a quem os quisesse ler. Voltariam mais
tarde para pegar mais, mas nunca mais apareceram.
Telefonei-lhes.
“Desistimos do trabalho! Ninguém se interessou.”
É
pena. Paciência
10.-
Como muitos sabem o meu bisavô FGA foi muito amigo de Almeida Garrett, seu
discípulo, e biógrafo. As últimas palavras de Garrett foram para ele: “Amorim,
já não o vejo” e fechou os olhos para sempre.
Os
descendentes disseram a FGA que ele escolhesse alguns itens do seu “patrono”,
como recordação, mas o bisavô não aceitou nada.
Ainda
em vida Garrett tinha-lhe dado uma “faca” abra cartas, de marfim, em que tem escrito
“Pertenceu a Garrett
F. Gomes de Amorim.”
Muito
bonita, um item ligado à história. (Garrett faleceu em 1854!)
A
quem doar??? Não gosto da Universidade de Coimbra (apesar de ter pena de não
ter lá estudado) pela politicalha que por ali reina. Ofereci à Biblioteca
Nacional, em Portugal, que entusiasmadamente aceitou a oferta e para lá já foi
enviada via diplomática. (Depois de muita briga com o Consulado aqui no Rio!)
Na
BN sabemos que será conservada e exibida quando se falar no Grande Mestre
Almeida Garrett.
11.-
Entre muita coisa que guardei e foram do meu avô e do bisavô, estão “peças” que
agora não interessam aos netos – tetranetos do meu bisavô FGA ! – algumas que
são antigas, históricas e que entendi devem ser preservadas nos lugares mais
aconselháveis, tal como foram as Revistas de Moçambique e muitas outras de que
vou escrevendo.
Um
incrivelmente bonito e muito raro retrato do rei D. Carlos de Portugal, tecido
em seda (!) foi proposto ser doado à Fundação da Casa de Bragança.
Ficaram
encantados com a oferta. Nem sabiam que existia tal coisa! E mais uma medalha
de 1964, comemorativa da Consagração de Nossa Senhora da Conceição como Rainha
de Portugal. A consagração de Portugal à Virgem Maria que teve extraordinárias consequências:
-
A coroa real deixou de ser colocada na cabeça dos monarcas portugueses.
-
As cerimônias de ascensão dos príncipes herdeiros ao trono passaram a ser
chamadas de Aclamação.
-
A coroa real passou a ficar ao lado do trono, sobre uma almofada, pois
pertencia à Virgem.
Ainda
juntei a isto uma página do famoso álbum de Caricaturas de Rafael Bordalo
Pinheiro com um “retrato” do Rei Dom Luis.
12.-
Aí talvez em 1988, comecei a gostar de fazer alguns desenhos e sobretudo
retratar amigos ou pessoas da família. Comecei a fazer alguns, a maioria não
saía bem, mas fui insistindo e só depois de 95 “acelerei” um pouco a produção.
Fiz
retratos da família, amigos, conhecidos e muita outra gente, e também muitos
autorretratos porque o modelo se dispunha a isso.
Nunca recebi 1 centavo! Uma única vez consenti
em ser pago! Fiz os retratos de nove bisnetos de uns amigos que vivem em
Portugal e eles mandaram-me uma bela garrafa de vinho e um ótimo queijo da
Serra!
Alguns
que mostram o “estilo do artista”
13.-
Outra relíquia que veio de casa do meu avô foi um livrinho de 1865, que pesa 5
kilos, e que há anos tinha dado a um neto que estudava engenharia mecânica, que
imagino jamais se tenha interessado, por ele.
O
neto vive no Canadá e nunca quis saber do livro, impresso nos EUA, é um livro,
além de raro, MUITO bem ilustrado, obra a guardar!
Imperial Cyclopedia of Machinery
Voltou
às minhas mãos, capas soltas, sem lombada, e eu que gosto dessas bricolagens,
decidi restaurar o livro, e até refiz a lombada com pele de elefante!
Depois
vi se havia algum à venda e só encontrei dois, nos EUA, por US$500 e $600.
Sabia
que tinha que o entregar para onde fosse preservado.
Um
grande amigo aquém pus o problema, dizendo que a faculdades oficiais eram
ninhos de esquerdopatas... NÃO.
Outro
grande amigo, oficial superior do exército, sugeriu o Instituto Militar de
Engenharia, aliás a faculdade de engenharia mais antiga de toda a América
Latina (ou só do Sul?), fundada em 1792, onde aliás ele também tinha estudado.
Contatou
o reitor do Instituto, que agarrou logo a ideia, e vésperas de fim de ano lá
fomos entregar o livro.
Recebidos
por toque de clarim – para o meu amigo, não para mim! – todos os oficiais,
professores, se encantaram com o livrinho.
Ficou
em ótimas mãos.
14.-
Sempre fui “apaixonado” por carros antigos. Tive vários, a começar pelo
primeiro, comprado em 1953, um Tryumph Gloria 1934, conversível, 4 lugares,
motor 1.000 cc, uma beleza! Depois um Rugby 1926, Sedan, que estava impecável
quando o comprei em 1956! Em 1961 foi um Morris Minor 1932, motor de 600 cc.
Depois não tive nem mais dinheiro nem tempo para comprar outros que me passavam
debaixo do nariz e me deixavam saudoso. Comprei livros que agora doei/ofereci
ao Clube de Carros Antigos do Brasil. Uns 40, belos livros.
Aqui
estão eles os meus carros, arrumadinhos. Os meus não estavam tão bem, mas
andavam lindamente!! E me deram muita vivência.
Abaixo as capas de 2 livros e o anúncio de um lindo Alvis
15.-
A mais importante doação que fiz em toda a vida foi o espólio literário do meu
bisavô, Francisco Gomes de Amorim.
Natural
de Averomar, Freguesia da Póvoa de Varzim, era o lugar indicado para guardar
esse espólio, que além de muita coisa manuscrita tinha centena e meia de cartas
de contemporâneos, como Garrett, Camilo, Herculano, Bulhão Pato, etc. incluindo
espanhóis e outros europeus.
Fez-se,
no Salão da Câmara Municipal da Póvoa, a cerimónia da doação mas como isso
envolveu muito mais história, ficará para outros escritos.
12/01/2025
Admirei o artigo, tio Chico.
ResponderExcluirMande mais memórias
Querido Tio
ResponderExcluirInfelizmente não consigo publicar no seu blog. Aqui fica:
Também eu fui contemplada com a sua generosidade. De facto, é generosidade e muita sabedoria e até altruísmo, essa preocupação em deixar esses bens entregues a quem os cuide. A planta de Lisboa, maravilhosa, que me ofereceu há alguns anos, está bem cuidada e mostro-a a quem sei aprecia e isso nota se pelo modo como é manuseada. Tenho que começar a pensar a quem a vou doar. Eu estou muito grata. Vou tentar juntar fotografias
Um carinhoso abraço a si e outro à tia
GA
Francisco,
ResponderExcluirGostei sobretudo do poema à la Luiz Vaz.
Abraço
APM
Já sabia de algumas, por “confissão“ do próprio.
ResponderExcluirTudo o que lista e narra é obra de Homem Grande. Exemplo claro de que “Quem sai aos seus…”
Luxo e privilégio o meu, de o ter como Amigo exemplar!
Grande abraço. Beijo à sua menina.
H