Novo Encontro de
Escritores
Aparecem
uns sujeitos, a maioria bigodudos e/ou barbudos, vestidos à moda antiga, que
berram comigo porque reuni uma quantidade de ilustres escritores da língua
portuguesa para que pudessem ter uma conversinha entre eles, na eternidade fora
desta Terra, e ainda por cima, além de terem estado no mais belo mosteiro
beneditino de toda a Europa, ainda tiveram a prova de que o planeta continua a
dar coisas boas, porque beberam vinhos especialmente selecionados para esse
convívio. E alguns até beberam bem!
Zangados
comigo por não terem sido convidados!
Faltaram
muitos, e alguns especiais para mim, e outros tantos que não tiveram tempo para
conversar porque o dia estava a nascer e as suas condições etéreas não lhes
permitia ali ficar depois do sol nascer. Além disso o refeitório teria que
estar aberto para os monges!
Quando
acordo, por vezes meio estremunhado, tento reconhecer quem esteve a
perturbar-me, e não consigo recordar nenhum, até porque os sonhos são sempre
confusos e precários.
Decidi
que tinha que os atender. É evidente que uns tantos desses autores lusófonos
são muito interessantes, mas o espaço que disponho para reunir alguns outra vez
é exíguo.
Mas
esta noite vi nitidamente dois deles que, não estando bravos comigo, muito pelo
contrário, foram até de um carinho e ternura especial. Primeiro foi o meu
bisavô e homónimo, que tanto escreveu sobre o Brasil, a Amazónia e seus povos,
e que me dizia o que fixei:
E
antes de despertar, outra figura se aproxima, barba cerrada, porte digno, que
também me quis dizer algo.
- Sabes bem que eu fui o único bisavô que te conheceu. Sou o outro, o Arroyo, a quem a tua mãe tanto queria, e não digas a ninguém mas ela era a minha neta preferida. Tu eras muito bebé, e tanto gostaria de te ter visto crescer, mas... o meu espírito foi chamado para outa dimensão e deixei-vos tinhas tu pouco mais de dois anos. Nada escrevi sobre o Brasil, ou África, que parecem ter sido os temas de maior interesse, já que a história foi bem conversada, mas vê se me dás um cantinho para assistir a um novo Encontro e aproveito para conhecer os teus outros antepassados.
Vou tentar. Juntar uns tantos de lusófonos, sempre será muito interessante vê-los, nos seus trajes da época, e ouvi-los conversar.
Uma
vez que vou fazer isto “a pedido” de meus antepassados, terei que lhes dar um
lugar com algum destaque e, já que eles podem aparecer em qualquer lugar, sem
terem que reservar lugar em aviões ou foguetes, elegi um lugar aqui no Rio de
Janeiro, maravilhosamente adequado: o Real Gabinete Português de Leitura, e,
ainda por cima na rua Luís de Camões!
Não
cabe muita gente, mas... os etéreos não se chocam uns com os outros!
Em
vez de lhes dar vinhos de Portugal... terão um bom café, poderão escolher entre
caipirinhas e frutas variadas, e não faltará bom vinho brasileiro, selecionado
por um renomado sommelier que irá recomendar e encomendar o necessário (!).
Também
estão designadas quatro testemunhas que depois, além de serem os garantes do
que acontecerá, farão os seus comentários, e que serão conhecidas pelas siglas
ARS, AVC, HBM e TPA.
Conversado,
o administrador do Real Gabinete, a quem foi complicado fazê-lo acreditar no
Encontro havido há uns sete anos em Alcobaça, finalmente autorizou,
disponibilizando as salas, garantido que ficou a segurança e a impecável
limpeza posterior, e a autorização para entrarem somente os organizadores do Encontro,
dois, e as testemunhas.
Marcada
a data para um sábado após saírem todos os funcionários, para que
domingo se possa
deixar tudo
impecavelmente
limpo e arrumado.
Marcou-se
a data, para daqui a uns quantos dias.
Entretanto tive que novamente chamar o São Pedro (que ele não gosta que lhe chamem santo!). Conversa, silenciosa, meditada, que lá no Alto, onde não há santos, é Simão, o pescador, que me dá a entender que podia convidar quem quisesse. Lembrava-se bem do Encontro em Alcobaça, onde ateus, cristão e judeus tão bem confraternizaram. Era só elevar o pensamento que eles viriam, mesmo que alguns, eventualmente, tivessem ainda no seu curriculum eterno algumas pequenas dúvidas, sempre perdoadas, porque amaram o Outro e foram, na Terra, mal compreendidos.
Tudo
preparado - caipirinhas, frutas que alguns talvez nunca tenham provado em vida,
e alguns docinhos, como os quindins da Iáiá e os vinhos das boas vinícolas do
Rio Grande do Sul, sobretudo o Prossecco que arrefece a garganta e convida ao
papo!
Chegou
o dia. Entretanto o parceiro que colaborou na organização deste Encontro,
decidiu esperar pelos convidados em Lisboa, e descreve assim o aparecimento de
alguns:
A sombra amiga do enorme pinheiro manso disse-me que
o seu dono há muito ali estava no topo da arriba de Almada, a ver Lisboa na
outra banda do Tejo já salgado e quase mar. Abri a cadeira de praia que anda
sempre na bagageira do meu carro e sentei-me.
Se Augusto Gil por ali andasse, diria que «nem uma agulha bulia na
quieta melancolia dos pinheiros do caminho». Mas não, aquele não era lugar para
melancólicos, é sim poiso de sonhadores, com barcos a caminho da esperança e na
volta de aventuras.
Estava eu nestas cogitações quando vejo, a certa
distância, um homem alto e forte que se aproximava em passo lento e quase
solene. Postura de dono de sítio. Estava eu aqui tão tranquilo e vem agora
aquele correr comigo daqui para fora. Aguardemos com a calma dos inocentes os
convidados que preferirem por aqui passar... com saudade!
E lá vem um.
Nariz proeminente de cana em ângulo recto como os de
quem não tem tempo a perder.
- Eu estou aqui a gozar o panorama e para informar os convidados que o Encontro dos Escritores é no Rio de Janeiro no magnífico Real Gabinete Português de Leitura. É uma beleza. Por favor queiram para lá se dirigir. Vão chegar bem a tempo porque o dia lá está a nascer.
Bem
cedo estavam a chegar ao Real Gabinete os primeiros convidados, e nós, quietos
num canto, à espera.
Já
lá estão uns quantos no meio da grande sala, alguns admirados da beleza do
lugar, outros que com ela estavam já familiarizados.
Sem
quase passarem da porta aguardavam, mudos e quedos os dois organizadores e as
quatro testemunhas, que podiam ver e ouvir os convidados, mas impossibilitados
de os contatar.
Alguns
convidados foram direto tomar um cafezinho e ouviram-se:
- “Ahhhh! Que saudade!”
Outros, que não saíram nunca da Europa, estranharam algumas bebidas e frutas que desconheciam, atreviam-se, provavam e se deliciavam, saboreando enquanto se entrosavam com os brasileiros.
- Que frutas lindas. E que aroma! Delícia.
Nota: A continuar, em poucos dias
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