quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 

TIRADENTES

Um livro – um Herói

 

Sempre gosto de comentar os livros que leio, quer seja para criticar, malhar, tentar esclarecer ou elogiar.

Recebi há dias, de um grande amigo, um belo presente: o livro “O Tiradentes – Uma biografia”, 500 páginas, edição de 2018, de Lucas Figueiredo, e li com muito interesse o livro em 3 ou 4 dias.

Eu não tinha uma opinião que fundamentada sobre quem teria sido e o que tinha feito Tiradentes, a não ser que fora o único enforcado e decapitado-esquartejado, na Inconfidência Mineira, por ser o mais modesto dos envolvidos na conjura.

Mas estava enganado. Ele foi bem mais do que isso.

Politicamente nada encontrei no livro que merecesse qualquer comentário. O autor, sendo de feição política de esquerda ou direita, não envolveu em todo o texto a sua opinião, o que já é um ponto a seu favor.

Livro com grande quantidade de informações, o que obrigou o autor a um quase conhecimento de toda a vida do Herói, de quem sempre se soube quase nada e sobre quem muito se especulou.

Serviu para políticos fazerem discursos e até para um movimento terrorista o MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes, justificar as suas ações.

Só dois comentários, não ao autor; o livro é um tanto cansativo pela imensa quantidade de detalhes, referências... necessários, cansativamente pesquisadas, e todos com indicação das fontes onde foram encontrados, outro ponto a seu favor.

Do Tiradentes, Joaquim José da Silva Xavier, existe pouquíssima informação e então cada um terá uma opinião a seu respeito.

Parece que o primeiro livro que apareceu sobre ele foi publicado em Paris em 1892 por Montenegro Cordeiro , “Tiradentes – Une esquisse”, que já procurei em França e está esgotado. Aqui no Brasil o que existe sobre Tiradentes é muito pouco, e sobretudo bastante fantasiado.

Pintaram-no com uma linda e vistosa farda, quando as fardas daquele tempo nada tinham de especial, além de que as de Tiradentes, por andar a correr florestas e mato estavam muito rasgadas.

Depois de ser executado pintaram-no (sem que algum pintor jamais o tivesse visto, igual a um Cristo) e a emoção geral, não só do povo mas dos “ilustrados” senhores das políticas foram-se aproveitando dessa admiração pelo infeliz, toda a sua vida injustiçado.

  
     A farda no séc. XVIII               A fantasia para Museu  
 

    A “imitação” de Cristo

 Deste livro podem tirar-se algumas conclusões:

1.      Tiradentes foi um homem de bem, correto, valente, sempre injustiçado, não pertencia às "zelites" mineiras, entrou para o Regimento de Cavalaria com o posto de alferes, cumpridor e eficiente em todas as ordens que foi recebendo, 14 anos preterido para a promoção dentro do exército a que pertencia, homem simples, mas destemido.

2.      Não bajulava ninguém sempre enviado para os lugares mais inseguros, como a fronteira Minas Gerais/Rio de Janeiro, onde viviam bandos de assassinos à espera da passagem de comerciantes que sempre levavam algum dinheiro ou ouro com eles, e eram brutalmente roubados e mortos.

Sempre regressava vitorioso, prendendo e até abatendo alguns dos facínoras, e jamais ouviu um palavra de louvor, nem projeto de promoção na carreira.

3.      Quando se fartou de ver a corrupção entre governantes, ouvidores, juízes, comerciantes, todos, e vendo que jovens que entravam no exército depois dele, beneficiados e protegidos ou de famílias mais ricas, eram promovidos e ele permanecia, e permaneceu, quatorze anos no mesmo posto, um dia comentou que Minas Gerais eram muito mais ricas do que Portugal e enquanto eles aqui se esfolavam para trabalhar a corte jogava dinheiro fora como se fosse lixo.

4.      Aí, em conversa com homens formados em Coimbra que tinham vivido, mesmo à distância, a Independência americana, com o seu entusiasmo e sede de justiça, liberdade e igualdade (esta, até hoje uma farsa) decidiu que Minas tinha que se separar da ganância de Portugal, desbocado e inconsequente saiu por todo o lado a pregar uma rebelião ou revolta, para se separarem da Coroa, em Portugal.

5.      Os pseudo líderes - que só Tomás António de Gonzaga, praticamente assumiu - confabulavam enquanto tomavam café e uma cachacinha, sem daí passarem, e só Xavier enfrentou a estrada e todos com quem se encontrava os animava a aderirem. Sempre de cara aberta, entusiasmado, mas descuidado. E não parava em Minas e no Rio de Janeiro.

6.      Um dos maiores devedores a todo o mundo e à Corte, já metido na conjura e "amigo" do Tiradentes, pensou que o melhor para ele seria delatar ao governador de Minas Gerais tudo quanto sabia, para ser recompensado das enormíssimas dívidas que tinha, com Minas e com a Corte.

7.      Aí começa a Inconfidência, brutal, cheia de condenações aleivosas, embustes e mentiras, textos deturpados pelos juízes, etc., encobertando amigos do governador, até que culmina na morte, monstruosa, de Joaquim Xavier que quis assumir a culpa de todos para que os outros se livrassem da condenação. Palmas para ele. Honesto, ético, mas meteu a cara fundo de mais. Acabou meio louco com todo o seu entusiasmo e vontade de ver Minas independente.

 

Ele é realmente um HEROI, e eu passei a admirá-lo, muito, e a respeitar a sua memória.

Mas terminei de ler o livro com um amargo de boca, e uma tristeza pesada: a corrupção corria livre, brutal e descarada por todo o lado, Os governadores, auditores, fiscais, todos, comerciantes, etc., metiam a mão nos dinheiro públicos com um desplante incrível. Ninguém pagava dívidas, nem a fornecedores nem a Minas e roubavam o que podiam do "quinto", para ser estupidamente desbarato em Portugal (com o que eu concordo!).

O que me entristeceu com isto:

a) Os nobres portugueses que para aqui vieram roubaram quase tanto quanto hoje alguns políticos e governantes. Olhos fechados para os puxa saco e amigos, e nada para os outros, como para o Xavier.

b) Essa corrupção tornou-se endémica, e continuamos a sofrer com isso, daí o país não crescer como poderia.

Séculos de pouca vergonha não se limpam em um mandato presidencial.

E o pior foi o exemplo dos tais "nobres", pior ainda sendo portugueses, que me envergonham.

O governador de Minas, Visconde de Barbacena, Luiz Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça e Faro, nobre, formado em Coimbra, chegou sem um tostão, e o seu primeiro ato foi locupletar-se com a verba que tinha obtido para melhorar os militares - dinheiro, armas, casernas, o equivalente a largos anos do salário de um alferes! - e regressou a Portugal milionário!

Era fácil encher a sua fortuna. Comerciantes havia que deviam à Coroa tanto dinheiro (o delator da Inconfidência, só cerca de 2.600 anos do salário do alferes) e não pagavam, iam entregando calmamente parte ao governador para ir protelando o pagamento, como muitos faziam.

O visconde ainda teve o desplante de, antes de regressar a Portugal, trocar o nome duma pequena localidade, chamada, primeiro Arraial da Igreja Nova de Nossa Senhora da Piedade da Borda do Campolide, e a seguir Borda do Campo, para Barbacena, para se elogiar a si próprio, ele que foi um ladrão que aqui esteve 10 anos a roubar.

Chegado a Portugal foi homenageado por D. João VI, ainda príncipe regente (D. Maria I estava já mais do que louca) ocupou altos cargos, altíssimos, como refere a Enciclopédia, e em 1808 não quis acompanhar a família real para o Brasil.

Fez amizade com o invasor francês, Junot, que o nomeou membro da deputação (que puta ação!) que foi a Paris cumprimentar, e saudar Napoleão. Logo Junot que roubou centenas ou milhares de obras de arte em Portugal. Deviam entender-se bem em pilhagens.

E ainda, quando D. João regressa a Portugal, é “promovido” a conde, nomeado Par do reino e do Conselho de Estado !!!

Os ignaros que vivem na cidade de Barbacena nunca pensaram em riscar o nome dele do mapa!

É assim que se não ensina e esquece a história.

Se lá tiver uma estátua que lhe façam o mesmo que ele ajudou a fazer a Tiradentes: esquartejá-la. Se for de pedra, que a moam e sirva de alicerce a uma conduta de esgoto.

O que lhe parece a ideia, senhor prefeito de Barbacena?

Finalmente felicito o autor do livro, Lucas Figueiredo, pelo exaustivo trabalho que nos levou a melhor “conhecer” um injustiçado louco por liberdade.

 

18/12/2022

 

3 comentários:

  1. Outro mártir que lutou contra o "sistema" e acabou sendo "eliminado": nosso "Bozo"!

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  2. Sistema de país pobre a roer um país demasiado rico!

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  3. ALÉSSIO RIBEIRO SOUTO5 de março de 2023 às 13:08

    Sua densa análise é uma indicação primordial de que todos — e especialmente os jovens — devemos ler o relato do L. Figueiredo para, à luz da história, compreender e avaliar melhor a atual conjuntura, em que estamos a vivenciar um dos maiores retrocessos político e social que se tem notícia.

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