Encontros Conversados ‘2’
Querendo
começar os “encontros” por ordem cronológica e não conseguindo encontrar nenhum
persa, sabendo que os persas navegaram muito, experimentei um cartaginês,
Hannon, que terá vivido entre c. 500 a.C. e ?440 a.C. Ainda pensei que não
teria como me entender com tão estranha linguagem que ele teria, mas... no Além
o que falam são os espíritos e todos se entendem.
Concentrei-me,
imaginei como seria o Almirante Hannon, certamente um homem determinado, culto,
muito afeito ao mar, uma vez que o Mediterrâneo era constantemente percorrido
por cartagineses, que se encontravam em situação privilegiada no Meio da Terra!
A civilização cartaginesa é produto de hibridação. Os fenícios
misturaram-se com os autóctones, berberes, a que chamavam de 'libu',"os
líbios.
Então o nosso almirante seria parecido com um hispânico!
Ele já estava a seguir o meu pensamento, e diz-me
- Sou um homem típico do que hoje se chama o Magrebe! E ando no mar
desde criança.
- Como surgiu essa
ideia de tentar dar a volta a África?
- Nós, cartagineses,
fenícios e egípcios somos quase o mesmo povo. Vários reis, mas quase uma
família. Eu conhecia o périplo que Faraó Neco II (660 a.C. - 593 a.C) mandou fazer,
há cerca de uns cem anos, estudei-o bem e decidi ir completar o que os
navegadores egípcios não conseguiram. Entretanto perdeu-se o nome dos
responsáveis, os que comandaram ou escreveram sobre esse périplo que, segundo
consta não terá passado do encontro com algumas ilhas no grande mar oceano.
- Mas de quem foi a
iniciativa dessa viagem?
- Desde há muito que
Cartago dominava o Mar Mediterrâneo, com inúmeras colónias, na Espanha, na
Sicília, Marrocos, Malta, etc. e tudo isso lhe dava um grande poderio
económico. Então a ideia foi correr a costa de África para negociar e fundar
novas colónias, que não eram outra coisa do que entrepostos comerciais.
- Para isso saíram 60
embarcações a remo e à vela, com milhares de famílias para novos assentamentos?
- Era, sim, uma esquadra
imensa, mas com uma organização perfeita, que me foi confiada, devido à minha
vida toda dedicada à navegação.
- E resultou em algo
positivo?
- Não exatamente.
Estabelecemos bons contatos mas somente em assentamentos a Norte das Montanhas
Atlas. Para sul o povo era extremamente atrasado e nada tinha de interesse para
negociarmos.
Mas qual foi a razão
principal para interromper a viagem e regressarem a Cartago?
- Tínhamos saído com uma
multidão de gente, que deveriam fundar ou criar outras colónias, fora os
milhares de remadores, para o que foi necessário reservar boa parte dos barcos
somente para levar alimentos, na esperança de encontrar no caminho gente que
nos pudesse abastecer, mas isso não foi possível. Assim, com receio de nos
faltar comida demos meia volta. Ao mesmo tempo estávamos muito para sul e de
repente a terra começa a cuspir imenso fogo quando estávamos fundeados numa
sossegada baía. O fogo chegava ao mar e num instante tivermos que pôr a
esquadra no alto mar e voltar para casa.
- Foi fácil o retorno,
que em princípio seria navegar contra-vento?
- Não esqueça que todas
as embarcações tinham remos. Cinquenta homens cada barco, e aproveitávamos cada
pouco de vento que às vezes nos aparecia favorável.
- Quer dizer, Cartago
procurou expandir-se para sul e para Norte, neste périplo com o Almirante
Himilco. Pouco hoje se sabe da sua viagem e navegação, mas que procurou e terá
achado as Ilhas Cassiteritas, à procura de estanho.
- Isso mesmo. Fez uma
magnífica navegação, apanhou calmarias e grandes mares, foi muito auxiliado
pelos Tartessos que já faziam essa viagem com a mesma finalidade e nos vendiam
depois o estanho em Gadis.
- Almirante Hannon, foi
uma grande honra conversar com o Senhor. Muito obrigado, e espero que continue
a descansar na Paz do Alto, lá nos etéreos do seu deus Baal.
Estas
conversas iam me deixando meio tonto. Eu mesmo receava que estivesse a
endoidecer, com conversas impossíveis.
Mas
eram reais, porque sempre levei comigo um caderno e várias canetas para não
perder nada do que conversássemos.
Nesse
dia decidi que não podia conversar com mais ninguém. A cabeça doía. Fui andar,
sozinho, por ruas onde quase ninguém passa, e só dois dias depois me fui sentar
no mesmo lugar e invocar novas testemunhas de tempos que o tempo não sabe já
quando foi.
Escolhi
três, da Grécia.
Duas
mulheres e um homem: ambas Artemísias e ele Temístocles.
Elas
por se saber o quanto foram determinadas e inteligentes nas batalhas navais em
que estiveram envolvidas, e ele, também não navegador porque comandou uma
esquadra em batalha naval, que venceu.
-
Artemísia, sátrapa de Cária, uma região
bem grande na Anatólia grega, porque decidiu entrar da Batalha de Salamina
apoiando Xerxes um rei persa?
- Apesar de ser de
origem grega toda a Anatólia estava sob o domínio de Xerxes, que era obcecado
por conquistar a Grécia, e eu não podia ficar neutra.
- Preparou e comandou
até 5 embarcações de guerra pagas do seu bolso?
- Não era grande coisa,
já que a frota persa era de uns 800 barcos, mas a nossa atuação teve muita
influencia pelos conselhos que fomos dando ao rei.
- A sua atuação foi tão
inteligente que os próprios gregos a elogiaram. E não quiseram mais tarde
revidar a sua escolha?
- Não, porque logo se
estabeleceu a paz, o rei Xerxes abandonou a batalha, derrotado e voltou para
Persépolis.
- Quer dizer que
Artemísia entrou para a história como uma almirante estratega?
- Lá isso não sei.
Soubemos que Xerxes ficou meio louco com a derrota e acabou sendo assassinado.
- E Cária continuou
grega?
- Sim, mas eu pouco
depois saí do mundo terreno! E nada mais fiquei sabendo.
- Obrigado, Almirante
Artemísia. A sua atuação foi há 2502 anos e é necessário que a gente dos tempos
atuais saibam que houve grandes mulheres, desde sempre.
- Chegou a encontrar-se,
pelo menos na Batalha com Temístocles?
- Não. Ele usou uma
estratégia muito bem planejada, e atacou sobretudo os barcos dos maiores
almirantes de Xerxes e o próprio navio em que este se encontrava. Eu ocupava
outra ala, que felizmente venci, mas no fim Xerxes deu-se por vencido e fugiu.
Foi
rápida a conversa com Artemísia, a primeira, mas duas se destacaram na
história.
Havia
que chamar para um pequeno papo Temístocles, que com toda a sua capacidade
foi-se organizando para enfrentar Xerxes I, filho do Rei Aqueménida Dario I,
que tinha alargado imenso as fronteira do seu reino, e queria continuar as
conquistas do pai, ocupando toda a Grécia
Creio
que Temístocles estava à espera que o chamasse, porque afinal foi ele que
organizou e comandou a frota grega, com 200 embarcações com Xerxes que tinha
mais de 800.
E
já comecei a ouvir a voz já triste de Temístocles, o grande general e almirante.
- Porque me chamas?
- Porque me lembrei de
recordar grandes nomes de navegadores, e de almirantes. Li um pouco sobre a sua
vida, mesmo havendo pouco disponível, mas achei que seria uma figura
fundamental em se tratando de navegador ou almirante, e pelo que li a sua
estratégia foi sensacional na Batalha de Salamina.
- Eu estive a ouvir a
tua conversa com Artemísia. Mulher a admirar, valente, habilidosa, e que
felizmente não atacámos porque Xerxes entretanto tinha dado fim á Batalha.
Mesmo tendo lutado contra nós, criou no povo grego grande respeito, mas faleceu
logo a seguir.
- Sei que foi toda a
vida um grande líder militar e mostrou grande coragem ao atacar diretamente a
embarcação do rei Xerxes, o que ajudou a desmoralizar toda a frota dele e se
retirarem da Batalha.
- Éramos 200 contra 800
e defendíamos a nossa terra que Xerxes já tinha ocupado parte dela. Tinha que
ser tudo ou nada.
- Foi muito ovacionado, mas não tardou a ser
posto de parte. O que se passou?
- Inveja, inveja, um dos
maiores males que dominam os homens. Eu não era oriundo de famílias ricas ou
nobres, mas estava no comando geral dos exércitos gregos, e isso incomodou
muita gente!
- E retirou-se logo para
junto do inimigo que tinha vencido.
- O rei Xerxes apreciava
homens com coragem e saber e recebeu-me muito bem. Foi lá que vivi, em paz os
últimos dez anos da vida terrena.
Grande Almirante, muito
obrigado por me ter dispensado uns momentos da sua verdadeira Paz.
Foi
uma grande figura da história da Grécia. Simples, mas GRANDE.
E,
para depois deixar a Grécia em Paz vou chamar mais uma grande figura daquele
tempo: Artemísia II.
Outra
mulher excecional.
Irmã
e depois esposa de Mausolo, filhos de Hecatomno, como seus irmãos Hidrieus e Ada, também casados, todos foram sátrapas de Cária,
começando por Mausolo, uns 70 anos depois da morte de Artemísia I.
Este
reinou por meio século e, ao morrer deixou o cargo à irmã/esposa. Cária e Rodes
não estavam em boas relações e Rodes decide atacar Cária.
É
assim que Artemísia entra para a história, e não só.
- Porque casaram dois irmãos com duas irmãs?
Era normal nesse tempo, ou foi exigência do pai Hecatomno para manter o domínio
de Cária na família?
- Não era normal, mas
havia inúmeros casos, sobretudo nas famílias nobres para manterem o poder. No
Egito há até casos de faraós que herdavam do avô que era pai deles!
- Depois que Mausolo
faleceu como foi o seu governo face aos ataques de Rodes.
- O povo não aceitou
muito bem que uma mulher os governasse. Mas como estávamos em estado de geurra
com Rodes, nada fizeram.
- Mas Rodes decidiu-se a
atacar, e a começar por Halicarnasso. Como foi a sua estratégia?
- Mandei construir um
porto escondido e secreto e deixei a armada rodeana avançar. Quando chegaram a
Halicarnasso desembarcaram todos os homens, deixando as embarcações fundeadas,
convencidos que a conquista tinha sido fácil. Nessa altura mandei sair a nossa
esquadra que se apropriou de todos as embarcações de Rodes, e navegámos para
lá, nos barcos deles e nos nossos. Ao verem chegar, na frente, os seus barcos
abriram logo as portas da cidade. Desembarcámos e conquistámos de vez aquela
grande ilha que nos importunava.
- E os rodeanos que
ficaram em Halicarnasso?
- Foram todos mortos
pela população local.
- Magnífica estratégia.
- E que ideia foi essa
de todos os dias misturar um pouco das cinzas do irmão/marido morto a uma
bebida e toma-la?
- Eu sabia que não ia
durar muito. Foi grande a revolta contra uma mulher no poder. Assim fui-me
juntando ao meu amado irmão e marido até morrer. O que levou pouco tempo,
- Mas assim que ele
morreu mandou erguer o mais belo monumento a um falecido que a história
regista.
- É verdade. Mandei
construir em Halicarnasso e dei-lhe o nome de Mausoleu. Foi um templo imponente
tal como ele foi quando reinou. Morri antes dele estar construído.
- Grande mulher. Um
exemplo que grande determinação e capacidade de gestão. Obrigado. E uma mulher
linda, como a imaginou o pintor italiano Francesco Furini, em meados do século
XVII.
- Foi muita bondade
dele. Eu não era tão bonita assim!
- Mas é bom que a
história nos mostre mulheres valentes e bonitas. Adeus Artemísia
Vamos deixar a Grécia e seus heróis em Paz. Continuaremos com outros que se destacaram muitos séculos mais tarde.
05/09/22
Obrigada, Francisco. Mais uma “ pérola“, que traz a antiguidade ao presente. O saber que é necessário partilhar. Essa do casamento entre irmãos é importante ser divulgada. Antigamente não temiam a consanguinidade. Mas o reconhecimento das capacidades independentemente do sexo, é questão velha—e, como bem aponta, ainda não resolvida. Por via, ao que creio, também de um factor que muito bem enuncia: a Inveja. Qual rastejante, continua minando tudo com que se cruza. Milénio após milénio, o vermezinho continua; persistentemente…
ResponderExcluirHBM
Francisco,
ResponderExcluirParabéns! Que bela imaginação. Que tal Eustáquia?
Abraço
APM
Uma delícia! Abraço,
ResponderExcluirInteressante viagem no tempo...Obrigado
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