terça-feira, 6 de setembro de 2022

 

Encontros Conversados ‘2’

 

Querendo começar os “encontros” por ordem cronológica e não conseguindo encontrar nenhum persa, sabendo que os persas navegaram muito, experimentei um cartaginês, Hannon, que terá vivido entre c. 500 a.C. e ?440 a.C. Ainda pensei que não teria como me entender com tão estranha linguagem que ele teria, mas... no Além o que falam são os espíritos e todos se entendem.

Concentrei-me, imaginei como seria o Almirante Hannon, certamente um homem determinado, culto, muito afeito ao mar, uma vez que o Mediterrâneo era constantemente percorrido por cartagineses, que se encontravam em situação privilegiada no Meio da Terra!

A civilização cartaginesa é produto de hibridação. Os fenícios misturaram-se com os autóctones, berberes, a que chamavam de 'libu',"os líbios.

Então o nosso almirante seria parecido com um hispânico!

Ele já estava a seguir o meu pensamento, e diz-me

- Sou um homem típico do que hoje se chama o Magrebe! E ando no mar desde criança.

- Como surgiu essa ideia de tentar dar a volta a África?

- Nós, cartagineses, fenícios e egípcios somos quase o mesmo povo. Vários reis, mas quase uma família. Eu conhecia o périplo que Faraó Neco II (660 a.C. - 593 a.C) mandou fazer, há cerca de uns cem anos, estudei-o bem e decidi ir completar o que os navegadores egípcios não conseguiram. Entretanto perdeu-se o nome dos responsáveis, os que comandaram ou escreveram sobre esse périplo que, segundo consta não terá passado do encontro com algumas ilhas no grande mar oceano.

- Mas de quem foi a iniciativa dessa viagem?

- Desde há muito que Cartago dominava o Mar Mediterrâneo, com inúmeras colónias, na Espanha, na Sicília, Marrocos, Malta, etc. e tudo isso lhe dava um grande poderio económico. Então a ideia foi correr a costa de África para negociar e fundar novas colónias, que não eram outra coisa do que entrepostos comerciais.

- Para isso saíram 60 embarcações a remo e à vela, com milhares de famílias para novos assentamentos?

- Era, sim, uma esquadra imensa, mas com uma organização perfeita, que me foi confiada, devido à minha vida toda dedicada à navegação.

- E resultou em algo positivo?

- Não exatamente. Estabelecemos bons contatos mas somente em assentamentos a Norte das Montanhas Atlas. Para sul o povo era extremamente atrasado e nada tinha de interesse para negociarmos.

Mas qual foi a razão principal para interromper a viagem e regressarem a Cartago?

- Tínhamos saído com uma multidão de gente, que deveriam fundar ou criar outras colónias, fora os milhares de remadores, para o que foi necessário reservar boa parte dos barcos somente para levar alimentos, na esperança de encontrar no caminho gente que nos pudesse abastecer, mas isso não foi possível. Assim, com receio de nos faltar comida demos meia volta. Ao mesmo tempo estávamos muito para sul e de repente a terra começa a cuspir imenso fogo quando estávamos fundeados numa sossegada baía. O fogo chegava ao mar e num instante tivermos que pôr a esquadra no alto mar e voltar para casa.

- Foi fácil o retorno, que em princípio seria navegar contra-vento?

- Não esqueça que todas as embarcações tinham remos. Cinquenta homens cada barco, e aproveitávamos cada pouco de vento que às vezes nos aparecia favorável.

- Quer dizer, Cartago procurou expandir-se para sul e para Norte, neste périplo com o Almirante Himilco. Pouco hoje se sabe da sua viagem e navegação, mas que procurou e terá achado as Ilhas Cassiteritas, à procura de estanho.

- Isso mesmo. Fez uma magnífica navegação, apanhou calmarias e grandes mares, foi muito auxiliado pelos Tartessos que já faziam essa viagem com a mesma finalidade e nos vendiam depois o estanho em Gadis.

- Almirante Hannon, foi uma grande honra conversar com o Senhor. Muito obrigado, e espero que continue a descansar na Paz do Alto, lá nos etéreos do seu deus Baal.

Estas conversas iam me deixando meio tonto. Eu mesmo receava que estivesse a endoidecer, com conversas impossíveis.

Mas eram reais, porque sempre levei comigo um caderno e várias canetas para não perder nada do que conversássemos.

Nesse dia decidi que não podia conversar com mais ninguém. A cabeça doía. Fui andar, sozinho, por ruas onde quase ninguém passa, e só dois dias depois me fui sentar no mesmo lugar e invocar novas testemunhas de tempos que o tempo não sabe já quando foi.

Escolhi três, da Grécia.

Duas mulheres e um homem: ambas Artemísias e ele Temístocles.

Elas por se saber o quanto foram determinadas e inteligentes nas batalhas navais em que estiveram envolvidas, e ele, também não navegador porque comandou uma esquadra em batalha naval, que venceu.

- Artemísia, sátrapa de Cária, uma região bem grande na Anatólia grega, porque decidiu entrar da Batalha de Salamina apoiando Xerxes um rei persa?

- Apesar de ser de origem grega toda a Anatólia estava sob o domínio de Xerxes, que era obcecado por conquistar a Grécia, e eu não podia ficar neutra.

- Preparou e comandou até 5 embarcações de guerra pagas do seu bolso?

- Não era grande coisa, já que a frota persa era de uns 800 barcos, mas a nossa atuação teve muita influencia pelos conselhos que fomos dando ao rei.

- A sua atuação foi tão inteligente que os próprios gregos a elogiaram. E não quiseram mais tarde revidar a sua escolha?

- Não, porque logo se estabeleceu a paz, o rei Xerxes abandonou a batalha, derrotado e voltou para Persépolis.

- Quer dizer que Artemísia entrou para a história como uma almirante estratega?

- Lá isso não sei. Soubemos que Xerxes ficou meio louco com a derrota e acabou sendo assassinado.

- E Cária continuou grega?

- Sim, mas eu pouco depois saí do mundo terreno! E nada mais fiquei sabendo.

- Obrigado, Almirante Artemísia. A sua atuação foi há 2502 anos e é necessário que a gente dos tempos atuais saibam que houve grandes mulheres, desde sempre.

- Chegou a encontrar-se, pelo menos na Batalha com Temístocles?

- Não. Ele usou uma estratégia muito bem planejada, e atacou sobretudo os barcos dos maiores almirantes de Xerxes e o próprio navio em que este se encontrava. Eu ocupava outra ala, que felizmente venci, mas no fim Xerxes deu-se por vencido e fugiu.

Foi rápida a conversa com Artemísia, a primeira, mas duas se destacaram na história.

Havia que chamar para um pequeno papo Temístocles, que com toda a sua capacidade foi-se organizando para enfrentar Xerxes I, filho do Rei Aqueménida Dario I, que tinha alargado imenso as fronteira do seu reino, e queria continuar as conquistas do pai, ocupando toda a Grécia

Creio que Temístocles estava à espera que o chamasse, porque afinal foi ele que organizou e comandou a frota grega, com 200 embarcações com Xerxes que tinha mais de 800.

E já comecei a ouvir a voz já triste de Temístocles, o grande general e almirante.

- Porque me chamas?

- Porque me lembrei de recordar grandes nomes de navegadores, e de almirantes. Li um pouco sobre a sua vida, mesmo havendo pouco disponível, mas achei que seria uma figura fundamental em se tratando de navegador ou almirante, e pelo que li a sua estratégia foi sensacional na Batalha de Salamina.

- Eu estive a ouvir a tua conversa com Artemísia. Mulher a admirar, valente, habilidosa, e que felizmente não atacámos porque Xerxes entretanto tinha dado fim á Batalha. Mesmo tendo lutado contra nós, criou no povo grego grande respeito, mas faleceu logo a seguir.

- Sei que foi toda a vida um grande líder militar e mostrou grande coragem ao atacar diretamente a embarcação do rei Xerxes, o que ajudou a desmoralizar toda a frota dele e se retirarem da Batalha.

- Éramos 200 contra 800 e defendíamos a nossa terra que Xerxes já tinha ocupado parte dela. Tinha que ser tudo ou nada.

 - Foi muito ovacionado, mas não tardou a ser posto de parte. O que se passou?

- Inveja, inveja, um dos maiores males que dominam os homens. Eu não era oriundo de famílias ricas ou nobres, mas estava no comando geral dos exércitos gregos, e isso incomodou muita gente!

- E retirou-se logo para junto do inimigo que tinha vencido.

- O rei Xerxes apreciava homens com coragem e saber e recebeu-me muito bem. Foi lá que vivi, em paz os últimos dez anos da vida terrena.

Grande Almirante, muito obrigado por me ter dispensado uns momentos da sua verdadeira Paz.

Foi uma grande figura da história da Grécia. Simples, mas GRANDE.

E, para depois deixar a Grécia em Paz vou chamar mais uma grande figura daquele tempo: Artemísia II.

Outra mulher excecional.

Irmã e depois esposa de Mausolo, filhos de Hecatomno, como seus irmãos Hidrieus e Ada, também casados, todos foram sátrapas de Cária, começando por Mausolo, uns 70 anos depois da morte de Artemísia I.

Este reinou por meio século e, ao morrer deixou o cargo à irmã/esposa. Cária e Rodes não estavam em boas relações e Rodes decide atacar Cária.

É assim que Artemísia entra para a história, e não só.

- Porque casaram dois irmãos com duas irmãs? Era normal nesse tempo, ou foi exigência do pai Hecatomno para manter o domínio de Cária na família?

- Não era normal, mas havia inúmeros casos, sobretudo nas famílias nobres para manterem o poder. No Egito há até casos de faraós que herdavam do avô que era pai deles!

- Depois que Mausolo faleceu como foi o seu governo face aos ataques de Rodes.

- O povo não aceitou muito bem que uma mulher os governasse. Mas como estávamos em estado de geurra com Rodes, nada fizeram.

- Mas Rodes decidiu-se a atacar, e a começar por Halicarnasso. Como foi a sua estratégia?

- Mandei construir um porto escondido e secreto e deixei a armada rodeana avançar. Quando chegaram a Halicarnasso desembarcaram todos os homens, deixando as embarcações fundeadas, convencidos que a conquista tinha sido fácil. Nessa altura mandei sair a nossa esquadra que se apropriou de todos as embarcações de Rodes, e navegámos para lá, nos barcos deles e nos nossos. Ao verem chegar, na frente, os seus barcos abriram logo as portas da cidade. Desembarcámos e conquistámos de vez aquela grande ilha que nos importunava.

- E os rodeanos que ficaram em Halicarnasso?

- Foram todos mortos pela população local.

- Magnífica estratégia.

- E que ideia foi essa de todos os dias misturar um pouco das cinzas do irmão/marido morto a uma bebida e toma-la?

- Eu sabia que não ia durar muito. Foi grande a revolta contra uma mulher no poder. Assim fui-me juntando ao meu amado irmão e marido até morrer. O que levou pouco tempo,

- Mas assim que ele morreu mandou erguer o mais belo monumento a um falecido que a história regista.

- É verdade. Mandei construir em Halicarnasso e dei-lhe o nome de Mausoleu. Foi um templo imponente tal como ele foi quando reinou. Morri antes dele estar construído.

- Grande mulher. Um exemplo que grande determinação e capacidade de gestão. Obrigado. E uma mulher linda, como a imaginou o pintor italiano Francesco Furini, em meados do século XVII.

- Foi muita bondade dele. Eu não era tão bonita assim!

- Mas é bom que a história nos mostre mulheres valentes e bonitas. Adeus Artemísia

Vamos deixar a Grécia e seus heróis em Paz. Continuaremos com outros que se destacaram muitos séculos mais tarde.

05/09/22

 

4 comentários:

  1. Obrigada, Francisco. Mais uma “ pérola“, que traz a antiguidade ao presente. O saber que é necessário partilhar. Essa do casamento entre irmãos é importante ser divulgada. Antigamente não temiam a consanguinidade. Mas o reconhecimento das capacidades independentemente do sexo, é questão velha—e, como bem aponta, ainda não resolvida. Por via, ao que creio, também de um factor que muito bem enuncia: a Inveja. Qual rastejante, continua minando tudo com que se cruza. Milénio após milénio, o vermezinho continua; persistentemente…
    HBM

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  2. Francisco,
    Parabéns! Que bela imaginação. Que tal Eustáquia?
    Abraço
    APM

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  3. Interessante viagem no tempo...Obrigado

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