segunda-feira, 30 de novembro de 2020

 

Há  2.000  anos... como hoje !

Naumaquias

 

Naumaquias: do latim Nave, nau, navio e do grego Mákê¸ guerra, luta. Ora vejam lá se os angolanos não têm uma ligação com a Grécia: maca em quimbundo é confusão, briga!!!
“Já que incidentemente nos veio à ideia o gladiador náutico, daremos notícia do que ele era e da naumaquia romana, copiando o que a este respeito escreve Mr. Landelle na sua obra Le langage des marins. Diz ele:
As naumaquias, espetáculos formidáveis de batalhas navais, eram dadas diante do povo romano em circos que tinham o mesmo nome. O edifício, cercado de cadeiras e de pórticos, tinha no seu fundo uma arena que se enchia de água por meio de tubos.
Os combatentes, gladiadores condenados, eram chamados naumaquiários. Júlio César, (ainda nos tempos a.C., e que casou três vezes com as lindas Cornélia, depois a Pompeia e por fim a Calpúrnia, que ele tratava por Calpurninha!) para dar aos romanos o espetáculo da primeira naumaquia, fez escavar uma imensa bacia que o Tibre alimentava. A luta teve lugar entre galeras tírias e egípcias; para a curiosidade que excitaram os aprestos desta festa cruel, tendo atraído estrangeiros de todas as extremidades do império, foi preciso levantar tendas por falta de alojamento para eles.
Suetónio (Caio Suetónio Tranquilo, escritor latino; 69 - ca. 141 d.C.) conta que, no momento de desfilarem pela frente de outro imperador, Cláudio, (imperador entre 41 e 54 d.C.), os naumaquiários gritavam: - Deus te guarde! Aqueles que vão morrer te saúdam!
 Cláudio, por distração, respondera:
- Deus vos guarde a vós mesmos!
Tomando esta resposta por uma graça, os gladiadores náuticos não investiram para combater. O imperador, furioso, quis primeiro mandá-los matar a todos; mas esta execução não teria satisfeito a curiosidade do povo, e constrangeram os naumaquiários à abordagem das naves.
Doze trirremes sicilianos e outros tantos rodianos combateram então ao estrondo de uma trombeta tocada por um tritão de prata, máquina maravilhosa que aumentava os atrativos do terrível espetáculo, enquanto milhares iam sendo abatidos sob o olhar sedento de sangue do povo.
A mais cruel e mais considerável das naumaquias foi a que deu Nero (54-68 d.C.). Ele fez furar expressamente a montanha que separa o lago Tuino (Lago de Martignano?) do rio Lira (Tibre). Cerca de 35 kms! Dezenove mil naumaquiários combateram sobre galeras de três e quatro ordens de remeiros. Fizeram aparecer sobre uma delas monstros marinhos de toda a espécie, para tornara cena ainda mais horrenda.
Citam ainda a naumaquia de Domiciano (81-96 d.C.), na qual combateram três mil homens divididos em duas flotilhas, uma dos atenienses e a outra dos siracusanos; mas o edifício monumental que cercava a bacia ficou célebre. (Histoire Universelle Theatres, 1797, tom. IV)

                                Naumaquia, teatro de morte !!!
 
Custa a compreender como dezenove mil pessoas, dispostas a morrer para divertirem um indivíduo ou milhares de indivíduos, caminhavam armadas para o cruento sacrifício sem virarem essas armas contra a tirania que as imolava por mero prazer! Morte por morte, antes acabar pelejando para vingar o ultraje feito à natureza, do que assassinarem-se reciprocamente para saciar a ferocidade das multidões, sedentas de sangue e de espetáculos horríveis! Mas não! Dezenove mil homens com os braços armados e com os braços soltos para manejarem as armas a seu arbítrio caminhavam como brutos e por iniciativa alheia a um combate de morte, saudando além disto o tirano chefe dos tiranos que os sacrificava aos seus caprichos!
Aqueles que vão morrer te saudam!
Mas quem eram estas vítimas? Era quem escolhia o povo e os imperadores romanos para instrumentos da sua espantosa ferocidade! Os homens do mar! Porventura dezenove mil soldados de uma legião sujeitar-se-iam a este crudelíssimo passatempo? Porventura haveria tropa que se acampasse ou viesse às praças de Roma para um combate de morte, a fim de satisfazer os caprichos populares, sem se revoltar contra esse povo, e tirar-lhe o apetite de cenas tão desumanas! Decerto não.”
 
A primeira parte deste texto é tirada do livro “Quadros Navais” do Vice-Almirante Celestino Soares.
 
Mas...é muito curioso vermos como, desde sempre, a maioria dos humanos são bestas, covardes e ávidos de sangue.
Há 2.000 anos estas naumaquias eram uma bestialidade sem limites, porque além de morrerem milhares de prisioneiros ainda se destruíam embarcações valiosas, e gastavam inumeráveis vida a construir os tanques e as condutas de água. Para deleite da bestialidade. Era uma variante mais selvagem do que as próprias lutas de gladiadores no circo. E o povo adorava, aplaudia, quanto mais mortes melhor.
E hoje? Guerras com armas de toda a espécie, químicas e biológicas. Uns aplaudem ainda, a maioria já chora.
E... na tv, nos filmes? Lutas de boxe que deixam os homens, e mulheres, todos rebentados, sangrando e num caminho mais rápido para a demência por traumas craneanos. E as lutas do WWE, a luta livre em que os combatentes atiram o adversário por cima das grades, chutam-lhe na cabeça, torcem-nos todos, homens e mulheres. E o público aplaude e paga caro os bilhetes para ir assistir a estas cenas de insanidade e violência.
E os filmes? Pelo menos na televisão a maioria é de assassinatos, violência, sexo, bestialidade. E, se são a maioria, é porque o público quer.
Alguma diferença entre os tempos de hoje e o dos romanos, com gladiadores da terra e do mar ? NADA.
Pior ainda quando transpomos situações assim bestas – que nenhum outro animal faz – para o campo da política. É semelhante.
Uns gangsters que mentem, mentem e mentem, convencem o povo idiota que vão tornar o país num paraíso terreal! E os idiotas votam. Depois, os tais gangsters que se auto denominam governo, não governantes, enchem o tal governo com os amigos, família, amantes, tios, sobrinhos e outros ineptos e arrogantes, enquanto, paralelamente enchem os próprios bolsos, desmoralizam o povo que deixa de acreditar em quem quer que seja e fica quieto a assistir ao desmonte da moral, da ética e da honestidade.
Se 19.000 naumaquiários nada fizeram contra o besta do imperador, e tinham força mais que suficiente para isso, talvez em Portugal uns 9.000.000 possam com facilidade derrubar quem os está a prejudicar e roubar, e melhor ainda em Espanha onde uns 40 milhões estão a ficar com a corda no pescoço a assistirem a um governo criminoso a querer desagregar aquele país.
Por que não saem todos à rua? Sem baderna nem armas! Armados só de bandeiras brancas, vassouras, enxadas, forquilhas, espanadores, levando os seus cachorrinhos na trela, etc. para mostrarem que são o povo, o autêntico, que não quer mais essa gente infame.
Tanto em Portugal, como em Espanha, na Europa, nas Américas, o povo, inculto, ignorante, parece preferir assistir a gente a matar-se, com gládios ou nas naumaquias, nas nojentas lutas de pancadaria, nos filmes de terror e de assassinatos, a ver uma constante a afastá-lo das suas raízes, e talvez até a aplaudir como os acéfalos romanos.
Fico a pensar na ópera Il pagliaccio, com aquela ária
 
Vesti la giubba e la faccia infarina.
La gente paga e rider vuole qua.
 
É isso. A gente paga a farsa e quer rir. Mesmo da morte violenta.
Portugueses: aproveitem o dia de amanhã, 1° de Dezembro, e saiam às ruas. Aos milhares. Milhões.
 

30/11/2020




segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 

Alzheimer e Fenix


 Há menos de um mês escrevi neste blog sobre senilidade e imaturidade e, como em todos os assuntos, sempre fica muito por dizer, mesmo quando escritos por investigadores, professores, etc.
Basta ver o caso de Camões sobre quem se escreveram centenas ou milhares de livros, e parece que a realidade é que nada de concreto se sabe sobre a mais importante personagem da língua portuguesa.
Voltamos agora a falar um pouco mais sobre essas senilidades e imaturidades, mas acrescentando-lhe um outro aspecto, o renascimento.
Antes disso gostaria de passar duas “palavras” que são o título do texto, e enquadrá-las nas perspectivas atuais, em sequência à senilidade e à imaturidade.
Vou acrescentar um pouco ao que escrevi para que melhor se posso entender o raciocínio que me levou a escrever isto.
Como os que vão desaparecer primeiro, com toda a possibilidade serão os senis, (lembra o idiota grito dos gladiadores ao saudarem o imperador de Roma: “Os que vamos morrer a ti te saudamos!”) a quem dado o momento sócio econômico-financeiro e sanitário que estamos vivendo, deveria esclarecer este grupo com a família de quem descendem: os visigodos!
Os tais visigodos que por guerras internas e incapacidades entregaram a Península Ibérica aos mouros que, na sua expansão, chegaram às portas de Paris!
O que estamos a assistir pela Europa fora, sobretudo e quase exclusivamente a Europa Ocidental, e a Escandinávia, aquela, que viveu e cresceu e deu lições ao mundo com a sua cultura greco-romana-judaico-cristã, e esta do aparentemente impecável socialismo, agonizam. Em solidariedade (nada a ver com o sindicato polonês), o chamado Reino Unido também se juntou a esse grupo, malgré a brincadeira do Brexit, não fossem eles anglo....saxões!
Este primeiro considerando pode levar a imaginar que todos estes godo-saxões terão um antepassado comum, que se chamou Alzheimer.
Fazendo um pequeno retrato, aliás laudo médico, sobre os sintomas evidentes dessa família, onde raros são os que do fundo do poço gritam por socorro sem que alma alguma os escute, temos:
1.- a tsnunami islâmica a inundar esses países, e os autóctones... a verem e deixarem;
2.- os governos covardemente a fingir que não vêm – não querem ver – nem reagem às atrocidades cometidas por esses invasores contra cidadãos, matando judeus e cristãos e dando risada;
3.- Paris financiou até a construção da Grande Mesquita, e só em França há mais de duas mil mesquitas enquanto fecham igrejas e sinagogas;
4.- Barcelona (ou a Catalunha?) quis vender a sua Monumental praça de touros de Barcelona para o saudita ali construir a maior mesquita da Europa;
5.- os invasores exigem que se acabe a festa de Natal;
6.- obrigam as escolas a servirem comida halal;
7.- gritam para que não se sirva carne de porco;
8.- atacam sinagogas e igrejas e destroem cemitérios de judeus e cristãos;
9.- na Noruega quem se queixar de estupro praticado por islamita, se não tiver ferimentos, ainda tem que pagar as custas do tribunal e pesada multa;
10.- ao mesmo tempo grupos LGBT e bolcheviques, a governarem, por exemplo a Espanha, propõem leis do aborto, outras em que se retiram os filhos aos pais para serem educados pelo Estado, querem que as crianças sejam ensinadas a se masturbarem, recomendam que os pais possam ter relações sexuais com os seus filhos (filhos do Estado!) desde que estes tenham meia dúzia de anos;
11.- estão a preparar ainda outras leis para instituir a censura, que já está nos órgãos de informação, para calarem os meios de comunicação sociais;
12.- querem considerar lei de traição criticar o governo;
13.- em Espanha querem até abolir a língua espanhola (sic) e que se falem “dialetos ou línguas regionais” como o basco, catalão, galaico, etc., isto é destruir a unidade do país.
A lista das aberrações segue. E o povo? Aquele que vota, e votou nestas animalidades, já não reage.
DNA de Alzheimer. Já não entendem o que se passa, não ouvem, não vêem, não se interessam, parece estarem simplesmente a aguardar a eutanásia natural ou imposta. Morte morrida ou morte matada!
Este é o panorama que transparece do que está a parecer!
Adeus Europa da Cidade Luz e Victor Hugo, de Westminster e Shakespeare, das Portas de Brandeburgo e Beethoven, do Prado e das Cibeles, do Coliseu de Roma e de Verdi, da consciência e arrumo social dos escandinavos, e até do bacalhau com vinho tinto.
 
Depois os imaturos, e referi na altura, que além da jovem África, que ainda não chegou à adolescência, mas tornar-se-á adulta, todo o continente americano vive duma imoral imaturidade.
Comecemos pelos famosos e ricos (ainda) Estados Unidos da América, dominados pelos invasores calvinistas, com um único fito “abençoado” pela religião: enriquecer, enriquecer, enriquecer. De qualquer modo, à custa de quem quer que seja e o mais rápido possível.
Só sob esta mentalidade é que os EUA chegaram, tão rápido, ao apogeu que está a caminho de se apagar.
Fizeram com que o país fosse rico à custa sobretudo do braço do africano, até hoje segregado, maltratado, espezinhado! Dizimaram a maioria da população autóctone para lhes roubarem as terras. Criaram a lei de Lynch para matarem, leia-se assassinarem, legalmente.
Quando os latinos chegaram para assumir as tarefas menores que os invasores não queriam fazer, trataram-nos, e tratam-nos, no mesmo modo que aos africanos a quem, por eufemismo chamam afro-americanos.
Nota: os invasores são euro-americanos! Mas foi bom que tirassem o “euro” porque a Europa sempre foi mais civilizada, em termos humanos... depois da Inquisição e da Revolução Industrial Britânica !!!
Voltemos aos EUA.
Poder, poder, poder. Exploração das riquezas naturais até que se esgotem, não importa o quanto se destrói.
Desertos transformados em campos férteis e de alta produtividade através da utilização desmedida das águas subterrâneas, que não tardam a se esgotarem, a desenfreada caça ao petróleo através da fratura do xisto que acabará por tornar improdutivos milhões de quilómetros quadrados de terras férteis, a luta infame que faz o progresso das indústrias químicas, quer de medicamentos quer de insumos agrícolas que estão a alterar o nosso DNA, a fobia das máquinas de guerra, poderosíssimo fator de exportação, e assim o povo americano caminha para uma auto destruição. Quando? A continuarem com tamanha ganância, não será muito longe.
Chegamos à América Latina.
Na grande maioria dos casos em imenso desprezo dos conquistadores sobre os povos conquistados que os levou, e continua a levar numa rota de revolução socialista-bolchevique da qual sairão algumas décadas depois, mais pobres e mais perdidos.
O maldito foro de São Paulo, centro de “estudos e divulgação comunista” envenenou todos os países latinoamericanos. A luta pelo poder, somente pelo poder.
Não têm planos de governo. Alardeiam o tal socialismo que se sabe ser uma imensíssima farsa. O plano é um só: poder, poder, poder. Roubar.
O povo demasiado imaturo, inculto, muitíssimo inculto, não conhece a história, nem a sua história, e acredita nos demagogos que os enganam. E vão enganar até um dia, tarde, quando todos estiverem com a grilheta no pescoço. Talvez então uma Perestroyka os ajude a serem gente.
 
Uma olhada na Europa Oriental, naqueles países que estiveram sobre a pata da URSS. Quando se viram livres aspiraram a visitar Paris, aquela Paris dos cabarés, da Torre Eiffel e de Victor Hugo, mas não demorou a verem que estavam a visitar moribundos, e então pensaram em si próprios, independentes, livres de influências idílicas e de carrascos, e decidiram que era tempo de seguirem o seu próprio caminho, de renascerem. E lá vão eles, na contramão da falsa União Europeia, construindo ou reconstruindo as suas culturas e futuro.
 
Os árabes, aliás os muçulmanos, nem imaturos nem senis, mas ambiciosos. Foram senhores, e cultos, das suas terras e ainda de grande parte da Europa. Que perderam por dissenções entre eles, dissenções essas que permanecem e os vão relaxar para segunda categoria.
 
Exemplo grande, quer se goste ou não, vem lá do extremo oriente. Lá onde há milénios se descobriu a seda, os chineses entraram num tipo de vida confuciana, calma, filosoficamente virados para o seu bem estar. E na sua paz os ingleses desgraçaram as suas vidas com o negócio do ópio. Depois chegou Mao, matou milhões para impor o seu covarde comunismo, e há bem poucos anos a China começou a perceber o seu potencial, a reaprender a sua milenar cultura, e hoje está-se impondo ao mundo duma forma que se pode dizer violenta, mesmo sem guerras.
Representa-se a Fenix como uma ave que renasceu das cinzas e volta a ser aquele animal imponente. A China.
Há dias assisti a um programa sobre uma grande pianista chinesa, Zhu Xiau-Mei. Foi maltratada no tempo da Revolução Cultural, saiu do seu país, foi completar os estudos de piano nos EUA e Paris e ao fim de 35 voltou à sua terra, onde deu inúmeros concertos.
E o que ela constatou vem a propósito de tudo isto: 70 ou 80% das pessoas que foram assistir aos seus concertos (quase sempre tocando Bach) tinham entre 20 e 30 anos. Sôfregos para aprenderem, para se instruírem. No chamado mundo ocidental a média de idade dos que vão a esses espetáculos é acima de 60 anos!
Não é difícil perceber como a China está a renascer, com fome de cultura, chinesa ou ocidental, num imenso frenesi para beber de todas as fontes. E assim cresce a uma velocidade alucinante.
É evidente que as indústrias chinesas ainda têm MUITO que aprender em ética e qualidade. Mas logo, logo chegarão lá. De momento é ainda a euforia.
Mas quando olhamos para este pequeno exemplo que a juventude chinesa nos dá, sabendo que no mundo civilizado concertos clássicos são ignorados ou quase pela juventude, que prefere boates com música eletrônica e drogas, consegue ver-se, já não é só entender, como a China não tarda em dominar este mundo do Alzheimer, a destruir o presente e o futuro, onde se cospe na cultura e na história, onde se vê que mentalidades podres e covardes tudo fazem para destroçar os países.
Desde sempre se viu nascerem, crescerem e morrerem impérios e civilizações.
Estamos em vésperas de assistir a uma grande reviravolta na humanidade.
Sem guerras e sem bombas. Só com vontade, cultura e disciplina.
E vergonha.
 
Dois interessantes pensamentos deixados por Confúcio:
·  Se queres prever o futuro, estuda o passado.
·  O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum aos outros.
 
21/11/2020
 
 
 

   

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Vitrúvio, Sulpícia e o Covid

 
Há algumas décadas, lá bem no intériô  do grande país conhecido como Estados Unidos do Piauí (glorioso nome de uma terra acolhedora, como lhe chamou Luiz Gonzaga, o grande rei do baião), “ali” nos arredores de São Francisco das Chagas, o povo, cansado de caminhar debaixo daquele solzão implacável até à sede do município para, aos domingos, ouvir a palavra de Deus, juntou-se um dia para obrigar o prefeito, agnóstico e semi comuna, a construir uma igreja dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Sertanejos, sem esquecer um pequeno altar para o peregrino António Conselheiro, mártir da sua fé, muito amado e respeitado no Nordeste.
O local, há muito escolhido só aguardava a decisão da construção.
Uma pequena estátua a Lampião e Maria Bonita ficaria para depois, no largo em frente da igreja, e quando para isso houvesse verba.
O povo reuniu-se e ninguém conseguia dar palpite, muito menos esboçar um traçado do templo. Queriam obra que não envergonhasse a terra. Nada de luxo. Mas respeito e beleza não custam caro. Teria que ter lugar para umas cem pessoas e que as imagens fossem todas encomendadas ao Mestre Vitalino. Grandes as dos santos, e duas menores, para não chocar o bispo, uma de António Conselheiro e outra do Padim Pade Ciço.
O prefeito tinha um primo em Teresina, a capital daquele país, cujo filho estava a estudar arquitetura, sem parecer capaz de terminar o curso. Mas alguma coisa ele devia já saber disso, e não iria cobrar nada pelo projeto.
Assim decidido, vem o eterno estudante da capital, ar feliz por tão distinta honra que o povo lhe prestava ao encomendar-lhe um projeto, e logo uma igreja.
Seu Severino, quem tinha a maior casa do lugar, dispôs logo de um lugar para abrigar o futuro distinto arquiteto, que na tarde do dia da chegada nada mais se fez do comer bem e beber umas pingas, famosas naquela terra.
Raimundo, o arquiteto a ser, quis mostrar erudição e, sem quase saber o que era um ângulo reto, foi dizendo ao seu hospedeiro que, quando recebeu o convite, foi estudar um pouco dos respeitáveis mestres antigos e tinha encontrado um que se encaixava perfeitamente no desejo do povo. Um romano antigo, mais antigo do que Nosso Senhor Jesus Cristo e sua Mãe Maria Santíssima, um arquiteto muito famoso, quase o pai dos arquitetos todos, que se chamou Vitrúvio !
Seu Severino, só de ouvir tal nome já antevia a igrejinha lá da terra a concorrer com as grandes catedrais, sobretudo com a da capital que ele havia visitado uma vez.
A esposa, dona Vitória estava de barrigão e o casal não sabia ainda que nome dar à criança, quando nascesse. Ficou logo decidido: se for macho vai ser Vitrúvio. Não tem outro em todo o Nordeste. E assim foi.
Entretanto a igreja, cresceu rápido, já que toda a população colaborou, e quando pronta, as belas imagens próprias da arte brasileira nos respetivos lugares, veio o bispo proceder à Dedicação a Nossa Senhora.
Vitrúvio já tinha nascido, mas seu Severino esperou para o batizar na nova igreja, e pelo bispo!
O cerimonial começou com procissão, depois missa cantada e por fim grande festa. O povo agora tinha a “sua” igreja onde o padre da sede do município ia todos os domingos celebrar.
Desde minino Vitrúvio foi ouvindo que o nome dele era o de um grande arquiteto de 2.000 anos atrás, o que lhe conferia distinção e orgulho. Foi crescendo, e logo que conseguiu juntar alguns mirreis começou a interessar-se pelo que se passara no tempo do seu patronímico, e botava figura ao mencionar nomes jamais ouvidos lá no sertão. Rapaz inteligente e trabalhador, com alguns bens que a família lhe iria deixar, fez saber só casaria quando encontrasse uma moça que se chamasse Suplícia! Talvez a maior poetisa romana dos tempos vitruvianos.
No ano seguinte três lindas mininas foram batizadas com esse nome. Os anos foram passando, Vitrúvio estudou na capital até ao fim do colegial sem deixar de acompanhar a evolução das possíveis pretendentes! Uma logo se destacou. Bonita, ar de saúde, simpática. Quando fez doze anos Vitrúvio teve uma conversa com os pais dela e logo se estabeleceu que, quando ela fizesse dezoito, casariam.
E aconteceu, com grande festa.
Foram nascendo alguns filhos, Petrônio, Cesar, Pompeia e Messalina. O orgulho do casal, cujos bens tinham aumentado bem com a dinâmica administração do seu Vitrúvio.
Como nem tudo que brilha é ouro um dia chegou uma notícia terrível: tinha chegado ao Brasil um bichinho que matava mais do que cascavel ou a coral, mais do que malária ou onça esfaimada, com um nome estranho que lhe cheirava a coisa romana: Covid.
Vitrúvio pesquisou na sua biblioteca, no dicionário de latim e nada encontrou com esse nome. Preocupado com a possibilidade do bicho se espalhar pelas matas e sertões, foi a Teresina consular especialistas.
O primeiro veterinário logo lhe disse que não era bicho mas doença grave, um vírus, que ataca os humanos. Qualquer coisa como o que para o Brasil tinham trazido os europeus, que só de se aproximarem dos índios estes morriam sem ninguém saber como nem o porquê.
Mais assustado, Vitrúvio foi procurar o médico mais conceituado da cidade, que lhe deu uma rápida explicação do problema, sem igualmente deixar de antes lhe mostrar a semelhança entre o que aconteceu nos primeiros tempos da colonização, quando grupos, que através dos tempos foram ganhando imunidade e os “inocentes”, que em contato com novas doenças morriam logo. Ainda lembrou que os europeus também levaram do Brasil algumas doenças desconhecidas na Europa, como a sífilis.
O médico explicou-lhe que o assunto era muito grave, mais ainda por ninguém em todo o mundo sabia como tratar essa nova doença e que, enquanto a população não tivesse criado imunidade, estaria sempre sujeita a ser infetada por alguém que fosse portador desse vírus. Recomendou-lhe os normais conceitos de higiene, e que usassem uma máscara porque o maldito vírus entra pelo nariz e boca. Mas frisou: se toda a gente se isolar e ninguém lá na sua região pegar a doença, todos continuarão sempre expostos porque não tem imunidade!
Cientistas de todo o mundo estão a pesquisar e procurar uma vacina, mas até que isso possa ser uma garantia são necessários vários anos de pesquisa-ensaios-erro e acerto, e entretanto vai morrer muita gente, sobretudo os que tiverem já doença mais ou menos grave, idosos debilitados, etc.
Disse-lhe, por fim: “Meu amigo, não se afobe, mas tenha cuidado. Nós não podemos ficar todos isolados, em casa, porque aí, sim, morreríamos de inanição e fome. Mas tomando os cuidados necessários devemos escapar... e um dia os médicos acabarão por encontrar como curar esses doentes e chegará a vacina – não sei quando! Só nessa altura voltaremos a ter uma vida normal. Mas não esqueça: o vírus veio para ficar como todos os outros vírus de gripes, tuberculose, sarampo, varíola, malária, etc. E ainda hoje há gente que morre disto!
E não acredite muito nessa massiva publicidade na tv e outros órgãos de informação, porque por detrás de tudo isto, que já é uma tragédia, e grande, há quem estimule e amedronte as pessoas para derrubarem as economias dos países. Com que finalidade, ainda não se sabe bem, mas se isso acontecer o problema será muito maior do que a doença em si.
Vitrúvio, abalado agradeceu muito e prometeu mandar ao médico umas garrafinhas da boa pinga que ele mesmo produzia nas suas propriedades.
- Doutor: eu acho que se beber umas pinguinhas todos os dias esse vírus arretado vai dar-se mal!
Depois, comprou algumas máscaras, poucas, e voltou para casa. Chamou toda a população da área, reunia-as na igreja e contou-lhes o que tinha ouvido e aprendido. Aconselhou que toda, toda a gente confeccionasse as suas próprias máscaras, coisa fácil de fazer, que se deixassem de conversinhas de pé de orelha, se mantivessem um pouco afastados, e lavassem as mãos a toda a hora. Mas continuassem a trabalhar. Parados morreriam de fome!
A forasteiros serão impostas, com rodo o rigor as mesmas regras.
E assim, até hoje, vizinho de São Francisco das Chagas vai levando a vida à espera que a ciência resolva tão intricado problema.
E quando chegar a tão desejada vacina, experimentada e devidamente testada, o povo vai vacinar-se e fará a grande festa, com a especial paçoca, carne de sol, Maria Isabel, bode assado, baião de dois, sarapatel e outras iguarias, a cachaça a correr e as sanfonas a cantarem a alegria de viver.
A alegria da vida e a tristeza da seca quando todos cantam Asa Branca.
Nesse dia eu vou lá também!
 

10/11/2020

terça-feira, 3 de novembro de 2020

 

CAMÕES

Muita História e Poucos Ossos

 
Há uns tantos anos, nem sei já a que propósito, um grande amigo, professor de jornalismo, disse-me: “Francisco escreva; sem medo. Depois de escrito vira verdade e serve como referência!” Este texto é disto um exemplo perfeito.
Todos sabemos que a língua portuguesa é talvez a mais rica de todo o mundo, com mais de 250 milhões de falantes. Também sabemos que os portugueses “levaram novos mundos ao mundo”, enriqueceram a alimentação de milhões, levando novas plantas de um continente para outro. Levaram ainda uma base que serviu a muitos povos, a cultura ocidental judaico-cristã.
Têm uma das melhores culinárias do planeta, um pão de chorar por mais e, finalmente, já não têm vinho feito com tudo menos uvas.
E que mais?
Um imenso desprezo pela história, que se pode confirmar em inúmeras situações, desde o abandono de obras magníficas, como o Convento de Cristo em Tomar, o Convento de Mafra, o Mosteiro da Batalha, o Mosteiro dos Jerónimos, a Sé Patriarcal de Lisboa e até a Torre de Belém. O Convento dos Jerónimos na Serra de Sintra. E a Igreja/Convento de Sant’Ana, em Lisboa. Estiveram séculos abandonados, muito danificados com o Terremoto de 1755, e foi preciso chegar um príncipe de alta estirpe, educado, culto, para, muitas vezes com dinheiro do seu bolso se iniciar a recuperação dessas obras. Dom Fernando, príncipe de Saxe-Coburgo, rei entre 1837 e 1853, enquanto marido de D. Maria II (rei depois que nasceu o primeiro filho), sempre fez questão de visitar e conhecer Portugal, país que adotou, e foi-se interessando pelo restauro e salvaguarda de muitos monumentos, especialmente os atrás mencionados.
Na serra de Sintra, sobre as ruinas de um Convento dos Jerónimos, totalmente destruído pelo terremoto, fez construir o magnífico Palácio da Pena, interrompeu o desmonte do Mosteiro da Batalha que o governo tinha vendido a um construtor que lhe estava a retirar pedras vender a particulares, derrubou uma série de construções que escondiam o Convento de Cristo, incentivou o restauro dos Jerónimos e da Sé, e não parou aí a sua vontade de, se possível, re-engrandecer Portugal.
Ainda hoje se vê o quanto Portugal escarnece a sua história. Até o túmulo do GRANDE Afonso de Albuquerque um dos maiores da história de Portugal, sepultado em 1566 na Igreja da Graça em Lisboa desapareceu com o terremoto que destruiu a Igreja, mas não parece ter havido preocupação em encontrá-lo! Reconstruiu-se a igreja em estilo barroco e... quem estava enterrado lá ficou. Mas alguém, ao menos, se lembrou de lá colocar uma placa? Não. Para quê?
Ao viajar pelos EUA, estamos sempre, sempre a ver belas bandeiras, Stars and Stripes, orgulhosamente flamejando em todo o lugar, desde postos de combustíveis, supermercados, etc. Em todo o canto desse país qualquer detalhe da sua história é preservado, enaltecido. Erigem-se estátuas a presidentes, a nativos e pistoleiros, industriais, bandidos e colonizadores do faroeste, descobridores e navegadores, ingleses que lutaram contra a Independência, a animais que por qualquer razão fizeram parte da vida daquele povo que assim, e apesar de toda a crítica que se lhe pode fazer, tem em qualquer lugar uma “chamada” ao esforço e luta que fez para se ter tornado o país mais avançado do mundo... até hoje!
Quantas bandeiras se vêm quanto se atravessa Portugal de Norte a Sul? Onde estão estátuas ou monumentos, por exemplo a Mouzinho de Albuquerque? Há uma, sim, no museu em Maputo! E a de Salazar? Não foi no tempo dele que Portugal cresceu em estabilidade e economia? Não faz parte da história do país? Por que o governo até proíbe que se lhe abra um museu na sua terra natal? Inveja? Medo que ele ressuscite e meta todos na PIDE? Covardes.
Em 1910, os carbonários, leia-se comunas, que implantaram a república, já cuspiram na História ao criarem uma bandeira nova, que simbolizava a esquerda. Aliás em Portugal a história da bandeira é estranha porque mudou tanta vez! Rei novo, nova bandeira, mais coroa, menos coroa, até que chegou a esfera armilar, retirada em pouco tempo ainda na monarquia e reintroduzida pela república que hoje tanto lamenta e critica o tempo colonial!
Eusébio, grande futebolista tem uma estátua no estádio do Benfica e duas nos EUA, Cristiano Ronaldo tem na Ilha da Madeira e o grande Peyroteo, por que não tem também uma estátua? É evidente que hoje o futebol manda mais do que a política e a história. Onde está o descobridor da Terra Nova, Gaspar Côrte Real? Amável, Portugal ofereceu uma estátua dele que está... lá em Newfoundland. Mais um português esquecido. E o famoso, Europa fora, Magriço? Até Camões a ele se refere.
Chegamos agora, e uma vez mais, ao grande Camões. Sobre o grande ÉPICO, sobretudo sobre o seu túmulo no Mosteiro dos Jerónimos já escrevi o suficiente há 5 anos.
(https://fgamorim.blogspot.com/search?q=jer%C3%B3nimos)
Mas sobre talvez o maior nome de todos os portugueses, nome que correu, e corre o mundo, muito pouco se sabe. Quase nada. Terá nascido em Lisboa calcula-se que em 1524. Faleceu em 1579 ou 1580. Nem se sabe qual olho perdeu, numa batalha naval no Estreito de Gibraltar, se é que isso não é lenda e não tenha perdido nenhum, porque só há “supostos” retratos, que o mostram com o olho esquerdo fechado. Na segunda edição de Os Lusíadas” aparece um “retrato” com o olho direito cego. Na terceira, era o esquerdo... e assim lhe foram tapando ora um ora outro! Brigou com um servidor do Paço a quem feriu e foi preso, obrigado depois a ir servir “além-mar”. Dizem uns biógrafos que partiu em 1547, outros 1549 e existirá um documento que refere 1553.
Terá regressado a Lisboa em 1569 ou 1570, depois de passar um ano (ou mais?) na Ilha de Moçambique, na maior pobreza (https://fgamorim.blogspot.com/search?q=Cam%C3%B5es). Duvida-se que tenha estado em Macau, na celebrada Gruta de Camões.
Em 1572 (?) lê o seu poema ao rei D. Sebastião que concede uma pequena pensão a "Luís de Camões, cavaleiro fidalgo de minha Casa", e consegue publicar “Os Lusíadas” que fizeram logo enorme sucesso, não só em Portugal como através de toda a Europa. Os jesuítas que pretendiam protegê-lo alteram o seu famoso poema logo na segunda e terceira edições.
Mas vive os seus últimos anos num quarto, pobre, miserável, com o seu escravo Jau (?) que ninguém sabe como apareceu e desapareceu de Lisboa, está muito doente em 1579, talvez com a peste, e morre, dizem, no dia 10 Junho de 1579... ou 1580. Certamente também desgostoso com a morte de D. Sebastião.
Houve quem contribuísse para comprar um lençol em que o embrulharam para ser sepultado. Um dos biógrafos, Manuel de Faria e Sousa, talez o maior biógrafo do poeta, escreveu 40 anos após a morte do poeta,  que foi enterrado, numa campa rasa na Igreja de Santa Ana, ou no cemitério dos pobres do mesmo hospital, conforme Teófilo Braga (de quem Camilo C. Branco não gostava, pelas suas imprecisões).
A verdade parece resumir-se a pouco mais do que a saber-se da sua estadia em Goa, por ter sido preso pela famigerada Inquisição, data da saída de Portugal, estadia na Ilha de Moçambique e que foi ele mesmo quem escreveu a maior maravilha da língua portuguesa.
Em 1613, Pedro de Mariz afirma que, em 1595 deu muito trabalho a D. Gonçalo Coutinho atinar com o lugar da sua sepultura, para “honrar o seu amigo” mandando cobrir a sepultura com uma laje.  
Quinze (ou 16 ?) anos passados D. Gonçalo decidiu tomar essa atitude. Este que vivia longe de Lisboa foi à capital à procura da sepultura do amigo. Ninguém sabia onde estava. Procurou em várias igrejas e por fim ele mesmo decidiu que devia estar na Igreja de Santa Ana, porque Camões vivia ali muito perto. Mas as freirinhas de Santa Ana se tinham registo de quem ali fora sepultado... não existia já, nem elas jamais tinham ouvido falar em Camões ou nos Lusíadas. A peste lhes entregava a toda a hora cadáveres que iam colocando onde era possível.
D. Gonçalo acabou definindo, ou escolhendo, uma sepultura, mandando sobre ela colocar uma laje rasa ao nível do chão e comprando essa área para que sepultassem aí mais ninguém. Manuel de Faria e Sousa, em 1639 escreve que  Don Gonçalo le passo casi la mitad de la Iglesia, (à procura dos ossos do amigo) poniendole uma losa; Manuel Severim de Faria, em 1624, diz que mandou cobrir o lugar da sepultura com uma campa de mármore. Estevão Lopes que imprimiu várias Rimas inéditas e ainda foi autorizado a imprimir os Lusíadas, confirma que este fidalgo, D. Gonçalo, lhe deu sepultura honrada  sem que, aparentemente, a laje tivesse qualquer inscrição. Foi Miguel de Leitão de Andrade que mandou fabricar uma “tarja’, em azulejo, colocada acima da laje com o seguinte epitáfio:
                                    “O grão Camões aqui jaz
                                      Em pouca terra enterrado”
E nas ilhargas escreveu ainda
        Miguel Leitão de Andrade                               Ordinarii sub censura
        Gratititudinis ergo posuit                                Premissu et d. patronorum
Só isto que ficou acima escrito (e podem dar-se todas as referências onde se encontram estas informações) já mostra que nunca se soube onde efetivamente estavam os ossos do grande Camões.
Sem um registo da Igreja, sem que alguma freirinha tivesse alguma vez ouvido falar no poeta e o chão da igreja cheio de corpos... como era possível saber de quem eram esses ossos. A menos que D. Gonçalo tenha achado um crâneo com um furo por onde terá entrado a flecha que o  cegou! Se isto tivesse acontecido, D. Gonçalo não se limitaria a mandar colocar uma laje, simples, sem qualquer inscrição, mas teria afirmado ter visto as ossadas..
Quer dizer que em 1595 descansava Camões há já 15 anos em lugar ignoto sem ser perturbado nem achado.
Frei Fernando da Soledade, um século mais tarde, talvez em 1705, Confessor das Religiosas do Real Convento de Santa Anna de Lisboa, afirma o que já se tinha “inventado” antes: “À entrada da porta principal de Sant’Ana, à mão esquerda, está a sepultura do famoso poeta Luiz de Camões, a qual mandou fazer D. Gonçalo Coutinho”.
Em 1755 parte da Igreja e Convento de Santa Ana ruíram. Ninguém quis saber disso. O Marquês de Pombal estava ocupado em continuar a dominar o rei D. José, a enterrar milhares de mortos, e nem pensou em Camões, nem em Afonso de Albuquerque que ficaram por baixo das ruinas das igrejas.
Só fizeram alguma reconstrução em 1778, em 1887 informa-se o público que iam começar as obras no convento para ser entregue à 3ª Companhia de Infantaria da Guarda Municipal, que para lá não foi. Um ano depois o mesmo jornal diz que parte do convento cai ser entregue aos jesuítas! Em 1897 é tudo demolido e aí se construiu o Real Instituto Bacteriológico, inaugurado em 1899..
Aqui começa, aliás continua a vergonha: em 1880 mandam-se buscar as ossadas de Camões à Igreja de Santana para darem solenidade ao “novo” Mosteiro dos Jerónimos. Só se sabia que estariam à entrada da porta principal, à mão esquerda... Esqueceram-se de ler o que, um pouco mais tarde o próprio Frei Fernando da Soledade escreveu: “Hoje existem memórias dentro da clausura, em o coro inferior, o qual há poucos anos se fez, tapando-se para este fim a porta principal, e da banda da igreja a parte d’elle, que ficava debaixo do coro superior!”  E com estas obras aumentou-se  o nível do piso, mais de meio metro acima do original!
A porta entretanto fora tapada e mudada para outro local! Quem lá foi, à esquerda da entrada catou uma boa “quantidade de ossos”, talvez para que alguém escolhesse os melhores para compor um esqueleto, foram três ou quatro tíbias, vários fémures, pélvis de mulheres e de homens; embrulhou-se tudo, fez-se uma procissão que foi acompanhada pelo rei D. Luis e sua esposa (ciumenta e arrogante que criou um péssimo ambiente com o sogro, o grande Senhor Dom Fernando) e uma imensidão de gente. Cobriram o caixote com flores (não era um caixão, porque os ossos todos que mandaram não cabia num caixão comum) e plantou-se aquela farsa com o nome de Camões.
Houve grandes reclamações sobre a autenticidade desses ossos. Foi nomeada uma comissão para ir procurar os “autênticos” ossos de Camões, composta de pessoas de muito crédito sócios da Academia Real de Ciências, além do capelão das freiras do mesmo convento, frei Sebastião Philippes d’Almeida Viegas, que por fim escreveu um livro (a que infelizmente ainda não tive acesso) mas que representou ao ministro do reino, dizendo que aqueles NÃO são os ossos de Camões.
Dois anos depois, Filipe I/II, odiado pelo povo português porque tinha usurpado a coroa de Portugal, decide fazer um “bonito” na esperança de acabar com o sebastianismo: nesse ano chega ao porto de Faro, no Algarve, um barco que trazia um corpo que se alegava ser do rei Dom Sebastião! O rei espanhol mandou logo que fosse trasladado para o Mosteiro dos Jerónimos, tendo ele mesmo se incorporado à procissão dessa nova farsa, copiando o que havia sido feito com Camões. Mais um estranho escondido em túmulo real.
Não esqueçamos também o túmulo de Vasco da Gama. Talvez nem qualquer osso dele lá repouse, apesar de se ter feito outra “farra” para os levarem para os Jerónimos, no mesmo ano de 1880. Mas quatro anos depois um jornal afirma que finalmente foram achados os verdadeiros ossos de Vasco da Gama. O dr. Augusto Carlos Teixeira de Aragão, nomeado Comissário Régio pela Academia de Ciências, de forma a proceder à preparação e realização do programa de trasladação dos restos mortais de Vasco da Gama, da Igreja do Convento da Nossa Senhora das Relíquias da Vidigueira, declarou que os ossos levados para os Jerónimos não eram os de Vasco da Gama! Mas ainda lá estão.
O visitante do magnífico Mosteiro dos Jerónimos pode extasiar-se frente à magnificência dos túmulos, belíssimas obras de arte, mas não esqueça de fazer uma pequena oração pelas almas daqueles que lá não estão!
Conclusão: Tudo quanto se sabe sobre a pseudo-sepultura de Camões, saiu da “descoberta” de D. Gonçalo! E virou referência quase indiscutível.
Para terminar, talvez hoje Camões escrevesse assim:
                                       
As armas e os varões achincalhados
Que, na Ocidental praia Lusitana,
Por mares por outros navegados,
Nada sabem da Igreja de Sant’Ana,
A perigos e guerras estão fadados
Mais do que promete a força humana,
E com gente remota abandalharam
O Velho Reino, que tanto desprezaram;
 
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras maravilhosas
De África e da Ásia que acabaram devastando;
E àqueles que por obras vergonhosas
Não vão da lei da Morte se libertando:
Gritando espalharei por toda a parte,
Que com eles só no bacamarte !
 
Nota: Todo este trabalho sobre as ossadas de Camões e Vasco da Gama, foram primeiro tiradas do livro “Os Lusíadas” – Edição crítica... de Francisco Gomes de Amorim. 1889, um trabalho minucioso, rigoroso, deste meu bisavô. O pouco que acrescentei foi de inúmeras pesquisas em Enciclopédias, Dicionários de Literatura, etc.
Francisco Gomes de Amorim (1827-1891), que foi para o Brasil com 10 anos, mal sabendo ler, num instante dedicou-se à leitura e aprendeu com uma rapidez impressionante. Diz ele na Introdução deste livro:
“Eu nunca tinha lido se não dois livros (nessa altura teria 11 ou 12 anos), quando meu irmão me emprestou... os Lusíadas de Camões. A revolução produzida no meu espírito por essa leitura foi tal que, antes de a ter concluído passei à porta de um livreiro e pedi a quem ia comigo que me emprestasse dinheiro para comprar um exemplar... que o meu irmão teve que pagar! Em poucos dias eu sabia Os Lusíadas todos de cór, e com o meu irmão passávamos horas declamando o poema inteiro, porque o meu irmão o tinha já também decorado.
Mais tarde, cansado da vida de empregado de comércio interna-se, sozinho na Amazônia, com 13 anos, onde raros eram os que sabiam ler ou que tivessem livros. “Os Lusíadas” foram a sua leitura, diária, durante alguns anos, até ao dia em que encontrou dentro de uma oca, onde ninguém sabia ler, dentro de um cesto, o famoso poema “Camões” de Almeida Garrett, que o fez abandonar a floresta e regressar a Portugal.
Nunca largou Camões e reuniu uma importante biblioteca sobre o grande Épico, vindo a encontrar diferenças impensáveis entre as várias edições de “Os Lusíadas”. Resolveu, bem tarde, publicar as suas conclusões, que foram mal recebidas pelos “intelectuais” porque não aceitavam que um escritor, mesmo já consagrado, mas não académico, “se atrevesse” a comentar o obra mestra da língua portuguesas. Os sábios-burros.
Este seu trabalho, em dois volumes é muitíssimo interessante.
Seguem-se imagens da Igreja de Sant’Ana
 
03/11/2020
(440 anos após a morte de Camões, 496 de Vasco da Gama e 515 de Afonso de Albuquerque)  
 
Convento e a porta nova

Igreja e a porta que fecharam

 
Vê-se, por cima da palavra Convento, a porta nova. A que taparam dava para a Calçada de Sant’Ana.
Com o ponto negro quis o autor mostrar onde estiveram os ossos de Camões. Jamais ali!


Da Revista Ocidente, 1899 – Vê-se na primeira imagem a porta que foi fechada, a que ora se chama convento ora igreja, e jamais os restos de Camões estiveram onde aqui se mostra, e o disparate vai até na imagem da janela que daria para o coro, conforme indicado na planta.