ETHEL
Mistérios nova-iorquinos
De um velho jornal The New York Times
By George Mc Nally
(Data ignorada)
Vamos
já dizer quem é a Ethel. Uma jovem “afro-americana”, como dizem lá nos States, classe
média, entre baixa e quase pobreza, 19 anos, com um pequeno emprego, mal pago,
em Nova York.
Apesar
do tempo estar agradável, chovia na Big
Apple quando Ethel saiu da loja para ir comer um hambúrguer no seu rápido
intervalo do almoço. Muita chuva, e de repente, uma frente gelada e um vento
violento.
As
umbrelas viravam-se, as saias agitadas subiam e desciam, ela bem procurava
segurá-las, mas tinha também que evitar molhar e perder a sua parca refeição.
Num
instante estava com as saias quase pela cabeça, molhadas, grudadas nas costas, os
baixos conhecidos por bunda, em conveniente - ou inconveniente - exposição, e
um “magote” de rapazes e homens a apreciarem e troçarem da situação, com
chistes sempre demonstrando linguagem chula.
Ethel
procurou apressar o passo, seguida pelo bando de selvagens. Com tanta chuva não
podia correr. Começava a ficar com medo.
Surgindo
como que do nada, a seu lado pára um carro, abre a porta e chama-a para entrar.
Dentro um homem de meia idade, ar tranquilo.
- Entre. Não tenha medo. Entre, entre.
Ethel,
perseguida por “cães” famintos, e convidada a entrar no carro de um
desconhecido, mas com ar gentil, optou por sair da chuva e da perseguição.
-
Aí no porta luvas tem uma pequena toalha.
Limpe o que puder. E, repito, não tenha medo que não lhe vou propor nada de
mal. Quando quiser sair do carro só tem que me dizer.
Ethel,
olhava o seu “salvador” entre incrédula e desconfiada, mas foi-se descontraindo
ao ouvir a voz e atitude calma de quem a salvara duma situação desagradável.
- Você trabalha?
- Sim.
- Onde?
- No Supermarket Fine Fare,
Odgen Avenue.
- E o que faz lá?
- Limpeza. Passo o dia a limpar
o chão e os depósitos.
O
“salvador” encostou o carro, olhou-a bem, dos pés à cabeça, e viu uma garota
bonita, elegante, ar humilde.
-
Estamos perto do seu trabalho, se quiser
sair... Mas eu tenho uma proposta para lhe fazer. Apresentá-la a uma senhora
que conheço bem, tenho a certeza vai querer contratá-la, e por muito melhor
salário. Aceita o desafio? Não tem nada de escondido nisto, nem qualquer
proposta de caráter sexual. Descanse.
Ethel
ficou baralhada.
-
Já lhe disse que não tem que recear, da
minha parte, absolutamente nada. Se aceitar, eu já tenho ideia de como a livrar
do supermercado.
- Como?
- Veja. É fácil. Como se chama o
seu chefe lá no supermercado? E qual o telefone dele?
- Mr. Jones Susa? O número é...
Tira
o telefone do bolso, disca, chama o tal Mr. Jones e:
- Mr. Jones? Daqui é o Dr.
Judice, da Clínica Mount Eden. A senhorita Ethel, que trabalha aí, caiu na rua,
foi resgatada e trazida aqui e está com um tremendo resfriado. Com febre. Não
pode voltar hoje ao trabalho e precisa pelo menos mais dois a três dias em
casa. Retornará quando estiver bem.
- Obrigado dr. por avisar.
- Pronto! Miss... ? Que idade
tem?
- Ethel. Faço 20 daqui a dois
meses.
- Agora vamos tratar da sua nova
vida.
Carro
em marcha pararam numa boa loja de roupas.
“X”,
como vamos chamar o “salvador”, de quem nunca se soube o nome, chamou uma
vendedora e disse-lhe para vestir Ethel com o que tivesse que melhor lhe
servisse. Nada de trajes de cerimónia, nem muito chic, mas o que puder
apresentá-la, bem, para um trabalho de responsabilidade. Uns três ou quatro
conjuntos, sei lá, vestidos saias, o que entender. E roupa interior. Ah! E sapatos.
Durou
pouco mais de uma hora a escolha e os necessários arranjos. Estava a ficar
linda, Ethel.
“X”
pagou tudo, saíram com umas quantas bolsas mais uma sacola com a roupa molhada.
Próxima
parada, cabeleireiro. Mesma recomendação. Pentear a jovem, com simplicidade,
mas que lhe ficasse bem. Muito bem.
Ethel
estava outra pessoa. Feliz, mas cada vez mais desconfiada com tanta
amabilidade.
De
volta ao carro, andaram cerca de meia hora, e quando pararam, mais uma vez,
estavam à porta de um prédio na 76th Avenue.
“X”
tirou um cartão do bolso, sem nada impresso, e escreveu:
Mrs.
Elisabeth – 10th floor //
- Você sobe – é esta porta aqui
mesmo – e entrega este bilhete. Só isso. Mrs. Elizabeth saberá o que fazer. Ah!
E tem aqui uns dólares para voltar para casa de táxi com esses embrulhos todos
para levar. Peça ainda a Mrs. Elisabeth que volte, daqui a dias a falar com Mr.
Jones do supermercado.
- Mas o senhor nem me disse o
seu nome! Pelo telefone chamou o meu chefe e disse que era o dr. Judice!
- Pelo telefone tenho que dar um
nome qualquer. Mas para você não preciso. Nem me chamo Judice nem sou médico! Não
precisa saber o meu nome. Qualquer dia vamo-nos encontrar. Entretanto, boa
sorte. Coragem.
Ethel,
carregada com as preciosidades que acabara de ganhar, pensava que tudo era um
sonho. Estava outra pessoa. Pode dizer-se que estava linda.
No
10° andar, uma porta de vidro, escrito ELIZABETH FASHION.
Entregou
o bilhete a quem lhe abriu a porta, que logo a conduziu à Mrs. Elizabeth que
parecia, e era, a CEO daquele lugar.
- Sente-se, por favor. Como se
chama?
- Ethel.
- Ora este cartão que parece
nada ter escrito, tem tudo. O senhor que lho entregou tem conosco, há anos, um
contato através de códigos! A ele devo o que sou hoje, mas também só o vi uma
vez! Numa conversa informal, disse-lhe que a minha ambição era trabalhar com
moda e, uns dias depois mandou-me um bilhete deste tipo e que o entregasse a um
dos diretores do Citibank. Fui recebida como um emir das arábias! Abriram logo
uma conta com o crédito que eu necessitasse. E fez mais quando eu procurava
saber o saldo devedor, para meu espanto, em vez de aumentar diminuía! Até hoje
a minha gratidão é imensa, mas não sei quem é o “salvador”!
Só sei que quando coloca dois
traços vermelhos é que está muito interessado no seu futuro. Esta, como vê, é
uma empresa de modas. Aqui confeccionamos os mais belos e caros vestidos, e uma
ou duas vezes por ano fazemos desfiles. Você vai aprender várias coisas e
conforme a sua aptidão ou fica na costura ou também nos desfiles, mesmo que a
sua altura não seja a ideal. Mas como há muitas clientes da mesma altura... não
tem que se preocupar. Agora fale-me de si.
- Sou de uma família muito
modesta, tenho 19 anos, estudei até à 10ª série, e estou, ou estava (!) a
trabalhar num supermercado, na limpeza, e ganhava 12 dólares por hora. Depois
apareceu este senhor que me mandou vir aqui.
- Muito bem. Vai começar já com 4.000
por mês. O que lhe parece?
- Mrs. Elizabeth, a mim tudo o
que me está a acontecer parece um sonho ou um milagre. E isto começa porque um desconhecido
me apanhou na rua, toda molhada da chuva e me livrou de uns selvagens que me
perseguiam, e de quem nem o nome sei!
- Ethel! Nem eu sei o nome ele!
Conheço-o só através destes bilhetes que me manda e por alguém que de vez em
quando aparece aqui com uma mensagem de “um senhor” que lhe pagou para os
trazer em mãos. É um mistério, mas é um anjo misterioso! Mas nós vamos acabar
por descobrir. Eu penso que ele já aqui veio mais do que uma vez, mas
apresenta-se sempre como se fosse “um qualquer” que vem trazer uma mensagem. Mas
nem sei se seria ele!
Ethel
sentia-se no céu! Quando ao fim do dia voltou para casa não conseguia explicar
à mãe o que se tinha passado, mas que estava num trabalho novo e com um salário
muito melhor.
-
Minha filha: cuidado com os homens! É
assim que eles caçam as amantes!
- Mãe! Não acredito. Ninguém
sabe quem ele é, e foi de grande gentileza e educação, comigo. Estou-lhe muito
grata e continuo sem saber quem é, nem o que faz. Só sei que tenho um novo
trabalho, onde ganho, para começar quase o dobro e estou a aprender um novo e
importante trabalho!
- Que Deus te abençoe, e te
proteja minha filha.
O
novo trabalho absorvia-a completamente e estava a demonstrar tanto interesse,
entusiasmo, e qualidade, que Mrs. Elizabeth já a considerava como uma das
pessoas indispensáveis na empresa.
Vez
por outra aparecia um indivíduo para simplesmente entregar um envelope à Mrs.
Elizabeth e sumia logo. Passou a ser mais analisado do que antes. Todas as
funcionárias procuravam encontrar nesse emissário o misterioso senhor “X” mas
não conseguiam decifrar quem seria.
Passou
o tempo. Uns dois anos.
Elizabeth
Fashion anunciara um desfile de modas no New York Fashion Week. Era muito o
trabalho, boa parte dele supervisionado por Ethel, já consagrada costureira e
que aprendera também a desfilar, apesar de não passar de 5’ 5” de altura, mas
muito segura e elegante, marcava destacada presença entre as habituais modelos
de metro e noventa!
Sala,
sempre cheia. Figurinistas, críticos de moda, jornalistas, compradores de
grandes lojas e cadeias, potenciais compradores individuais. Nesse meio, entre
tantos, um senhor, longos cabelos brancos, óculos de aro grosso, quieto no seu
canto, não perdia detalhe algum do desfile. Quando este terminou pediu a um dos
funcionários da organização para levar uma pequena mensagem a Mrs. Elizabeth.
Um cartão unicamente com dois traços vermelhos!
Elizabeth
e Ethel ao receberem a mensagem voltaram correndo para procurar no meio público
onde estava o tão misterioso senhor “X”, mas, mesmo correndo com cuidado todas
as caras que lá estavam nada concluíram.
Poucos
dias depois, na empresa, outro mensageiro, desta vez com um menos lacónico
bilhete:
Mrs. Elizabeth
and Miss Ethel - Tomorrow - Lunch – 13H00
ALDEA - 31 W 17th St, New
York, NY 10011, EUA
Please confirm with the courier
- Pode dizer que sim. Que aceitamos.
- Ethel! Ethel! Venha aqui depressa. Mande alguém
seguir o mensageiro. Ele vai levar uma resposta ao nosso misterioso amigo.
Lá
foi uma colega que nada tinha a ver com o assunto. Seguiu o rapaz que trouxera
o bilhete, mas este não se encontrou com alguém, entrou num bus e... sumiu.
Tudo quanto ela pensou ter visto foi ele fazer um pequeno aceno de cabeça,
mas... para quem?
No
dia seguinte, ambas muito elegantes chegaram ao restaurante onde tinham uma
mesa reservada com três lugares.
Nervosas,
esperaram ofegantes que aparecesse o tão desejado “anjo”.
Não
tardou a entrar um jovem, aparentando no máximo 28 a 30 anos, alto, bonitão,
meio louro, e viram o maître encaminhá-lo à mesma mesa.
Cumprimentou
as senhoras, apresentou-se - Brian - e
disse que na véspera tinha encontrado num restaurante um senhor com quem teve
uma muito agradável conversa, e lhe perguntou se queria almoçar hoje neste
restaurante.
-Eu disse que sim, e que como ele se deveria
atrasar um pouco pediu-me que entregasse este bilhete à Mrs. Elizabeth. E que
fossemos almoçando. O mâitre teria todas as instruções para que nada faltasse.
O
bilhete era, como de costume lacónico:
Thanks for the nice
work //
Elizabeth,
franziu a testa.
- Porque agradecer-lhe? E porque
os dois traços vermelhos?
-
Brian como era esse senhor?
- Estatura um pouco acima da mediana,
uns 40 e poucos anos, bem vestido, sem luxo. Muito simpático, fala suave.
- E como se chama?
- Não disse. Quando lhe
perguntei, disse-me que o saberia hoje! Eu vim para aqui meio desconfiado de
que seria uma brincadeira, mas parece que não é. Sobretudo em companhia tão
agradável.
O
almoço foi sendo servido, mas o 4º personagem, tão esperado, não apareceu, e a
conversa teve que fluir. Aliás a mesa estava reservada para três!
-
Brian! O que você faz? Em que trabalha?
- Sou designer. Não tenho
emprego e colaboro de vez em quando com várias empresas, sobretudo no campo da
moda.
Elizabeth:
- Sabe quem eu sou? Conhece-me?
- Infelizmente não tenho esse
prazer.
- Eu sou Elizabeth e esta é
Ethel. Trabalhamos na Elizabeth Fashion!
-Elizabeth Fashion, conheço de
nome, e, sem querer fingir, devo dizer que gosto muito dos seus modelos.
- Sabe como começou a empresa?
- Não tenho ideia.
- Esse mesmo senhor com quem
esteve hoje, um dia eu conheci do mesmo modo. Uma conversa informal, disse-lhe
que a minha ambição era trabalhar com modas e... abriu-me as portas de um banco
que me deu para abrir o negócio! Com a Ethel, foi parecido. Encontrou-a meia
perdida no meio da rua e mandou-a ter comigo. Ethel é hoje a número dois da
empresa. E agora você, Brian!
- Estranho. Muito estranho tanta
coincidência.
- Parece que o destino o mandou
vir trabalhar conosco!
- E será um grande prazer.
Os
três não sabiam mais o que dizer. O misterioso senhor “X” tinha articulado um
esquema sem que alguém entendesse porque, e como!
Quando
pediram a conta, foram informadas que tudo estava liquidado!
No
dia seguinte já Brian estava no novo trabalho, e formou a terceira perna que
faltava naquele tripé para que tudo fosse perfeito.
Todos
três tinham visto o senhor “X” uma vez na vida. Só. Mas ninguém esquecia a sua
cara, mesmo que já tivessem passado, para Elizabeth, quase cinco anos.
A
empresa progredia, mas em todos havia alguma tristeza por não poderem conhecer
e agradecer ao seu “anjo”.
Entre
Brian e Ethel alguma coisa os aproximara... completamente. Casamento marcado.
Tudo quanto desejavam era a presença do senhor “X”.
Vésperas
da festa combinam os três irem ao New Your City Ballet ver o Ballet Bolshoi,
sempre uma maravilha.
No
primeiro intervalo um dos funcionários do teatro aproxima-se deles com um
bilhete: “Um senhor pediu que vos
entregasse isto”, e seguiu.
Tomorrow - Lunch
– 13H00 / /
ALDEA - 31 W 17th St, New
York, NY 10011, EUA
Table reserved for
Mrs Elizabeth (Fashion) for four
Please confirm to
the restaurant - Tel. 212-675-7223
- !!! Quem seria a quarta
pessoa? Nova apresentação? Mais um colaborador?
Até
ao dia seguinte ninguém se pôde concentrar no trabalho.
Exatamente
à hora prevista os três chegaram ao restaurante. O mâitre encaminha-os para uma
mesa onde um senhor já aguardava, sentado e desculpou-se por não se poder
levantar.
Todos
soltaram um quase grito, julgando reconhecer a pessoa que tanto por elas tinha
feito.
- Eu conheço-os todos, todas, sei
bem os vossos nomes. O meu é James. Por favor sentem-se. Eu não sou a pessoa
que vocês gostariam de conhecer. Foi ele que me mandou que hoje viesse
encontrá-los e explicar porque ele não aparece. Não que goste de mistérios ou
brincadeiras, mas impôs a si próprio um anonimato que não lhe permita
vangloriar-se do que faz pelos outros. Não foi só a vocês que ele deu uma mão.
Foi a muitos outros, mas gosta sempre de ir sabendo o resultado que tem e, se
necessário reforçar o apoio quando as coisas não vão tão bem quanto ele deseja.
- Para nós tem sido um tormento
não poder conhecê-lo e agradecer-lhe tanto que fez.
- É isso mesmo que ele não quer.
Ele sente-se compensado quando sabe que tudo está a correr bem, e foi isso que
hoje vim aqui dizer-vos.
- ...
- Não me olhem desse jeito! Eu
sei que somos parecidos, mas nem sequer temos qualquer parentesco. Viram que eu
não me levantei quando chegaram. Pois é. Eu tenho paralisia nas pernas. Ele
felizmente é um homem saudável.
Nenhum
dos três convidados ousava sequer fazer perguntas. Nem se atreviam a pedir o
almoço, tal o espanto que tudo lhes estava a causar.
- Vamos comendo, por favor. Eu
vou ter o prazer de o informar que tudo está indo muito bem convosco. Ele até
já sabe que vai haver um casamento!
- Como ele sabe???
- Nem eu sei dizer. Mas ele sabe.
Sabe até onde vai ser a cerimónia, e... não deveria dizer, mas creio que vai lá
dar uma espiada!
- Ahhh!
- Mas não tentem encontrá-lo.
Ele sabe muito bem disfarçar-se! Se me convidarem, posso até ir eu!
Vésperas
do casamento um belo presente, um envelope razoavelmente recheado, chega com o
habitual cartão
Felicidades /////
Poucos
convidados, cujas caras eram perscrutadas com minúcia. Do “anjo”... nada, o que
entristecia os que tanto o queriam conhecer e agradecer.
A
festa a chegar ao fim entra um homem, modestamente vestido que se dirige aos
noivos, os abraça, deseja felicidades e vira costas. Depois abraçou Elizabeth,
segreda-lhe ao ouvido alguma coisa, e, como entrou saiu e sumiu.
Elizabeth
estava hirta. Os noivos correram para ela que simplesmente lhes disse:
- Era ele! Disse-me só: “Sou o
James, e nunca vou deixar de vos acompanhar! Um dia vou aparecer.” Eu fiquei
tão espantada que não consegui fazer nada.
Correram
para fora e tudo quanto viram foi um carro a ir embora!
O
mistério continuou.
Até
hoje.
Faz
o bem; não olha a quem!
Jul/2017
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