Crónicas
de há 13 anos...
Ou de
hoje? Mudou alguma coisa?
1.
A amarga
esperança
Não é
preciso ser economista e, quem sabe?, talvez seja até melhor nada saber dessas
ciências, para, com olhos de “inocência infantil”, perceber quando o rei vai
nu!
As esperanças que animaram este país, há
pouco mais de um ano, quando um batalhador homem do povo chegou ao topo da
governança, começaram já a desvanecer-se. Que com isso viesse somente a
desilusão... era muito bom. Mas antes da desilusão chega a nudez. Não só a do
rei, mas sobretudo a nossa, que além de nos vermos despidos do nosso poder de
compra, ainda continuamos a ser também despidos na nossa dignidade de seres
“iguais perante a lei”.
As promessas de “mundo melhor” choveram.
O programa “Fome Zero” sacudiu o mundo inteiro que aplaudiu. Faz agora um ano e
foi festejado pelo governo. Com direito a discurso e tudo, na presença das
individualidades mais altas (e mais bem pagas) e sem aqueles que adorariam
aproveitar as “sobras” do festejo.
Os investimentos não avançam, nem na
infraestrutura do país nem na área privada, o custo de vida continua a subir e
o ensino a cair.
Só para se ter uma idéia, existem no país
cerca de 800 “faculdades” que ministram o curso de Direito, das quais menos de
20% têm a aprovação do órgão conselheiro, a OAB.
Formam-se assim juristas “a martelo”, a
um dos quais, já juiz, se ouviu dizer “eu quero condenar esse indivíduo”! Quer
dizer: o sujeito não quer praticar justiça; quer condenar! E o pior é que pode.
Ele tem a respaldá-lo a “lei” que pode ser manipulada. Lei? Que lei? O que é a
justiça dos homens? É o interesse dos homens! Quais? Os que têm poder e acesso
à feitura e execução dessas mesmas leis. Assistimos a juízes que condenam e a
seguir vem um outro que absolve! Qual está certo? Possivelmente nenhum deles.
Mas quem paga sempre é o mais fraco.
O governo domina a câmara federal. O
judiciário não admite interferências na sua esfera, a não ser e quando lhe
convém, sobretudo na nomeação dos juízes conselheiros, e a câmara está no
“bolso” do governo!
Como sair deste tripé de três poderes que
se resumem a um? Onde está a garantia da igualdade?
Volto sempre a lembrar-me do chinês: se
os teus planos foram a 100 anos... educa o povo! E todos sabemos que há uma
abissal diferença entre instrução e educação, e que só se alcança a segunda
depois da primeira bem sabida e assimilada!
Será que vamos ter que esperar ainda 100 anos?
É bem possível que sim, mas começando a contar somente depois de ter o povo a
conveniente instrução para que possa compreender a educação.
Valha-nos Deus, uma das raras esperanças
que ainda podemos, e devemos conservar e alimentar, sem no entanto deixar de
lutar por dias melhores e ... mais brevemente.
07/02/04
2.
Quem semeia
ventos...
Brasil! Terra abençoada por Deus! A viver
um momento histórico de tal magnitude e profundidade que nem os cientistas
conseguem explicar!
A história não refere muitos casos em que
um humilde metalúrgico chega à presidência de um país, ainda por cima com uma
esmagadora maioria de votos. Isso aconteceu por aqui.
Também não há memória, desde há pelo
menos 60 anos, quando se começou a monitorar, via satélite, as condições
meteorológicas do Atlântico Sul, de por aqui se formarem ciclones. Deus havia
deixado isso para o primeiro mundo - USA, Japão, Austrália e pouco mais.
Mas chegou o poder popular ao poder,
berrando, vociferando, prometendo milhões de empregos, redistribuição de renda
equitativa e justa para todos, acabar com a fome, acabar com o analfabetismo,
acabar com a corrupção, e acabar com a mamata dos poderosos - FMI e quejandos -
que mamam em cima da miséria de milhões de pobres e inocentes.
Berrou, prometeu, amaldiçoou os governos
anteriores, prometendo exorcizar o diabo que se teria infiltrado, através dos
tempos, nas classes dirigentes e financeiras do país.
O país estagnou à espera de ver o milagre
acontecer. E continuou a esperar. E espera. Os novos donos do poder, cansados
talvez de fazer discursos mais ou menos fantasiosos e/ou infantis, como o
menino imberbe que promete ao irmãozinho que lhe vai dar um brinquedo de luxo,
começaram a discursar menos, a prometer menos, atribuindo as culpas da sua
inépcia ora aos tais governos anteriores, ora ao próprio Cabral e agora à
máquina administrativa que, sendo demasiado burocrática, não permite que os
megalómanos projetos/promessas se realizem. Nem que comecem.
Semear ventos foi fácil. Fácil foi
convencer o povo esperar o milagre com a sua meia, mesmo rota, pendurada na
chaminé!
O povo é bom. É ótimo, e quere acreditar
em alguém. Precisa disso. É crime desiludi-lo. Ele quer ver a sua meia começar
a receber o que lhe foi prometido em troca daquele voto que foi uma espécie de
cartinha ao Papai Noel.
Os altifalantes das campanhas eleitorais,
e não só, gritaram aos ventos que tudo ia mudar.
Parece que finalmente começámos a mudar.
A pertencer também ao primeiro mundo. Pela primeira vez chegou ao Brasil um
vento “quase” ciclônico.
Os serviços competentes (???!!!) estavam
avisados do fenómeno, perigoso, que chegaria, em dois ou três dias à nossa
costa. Nada se fez. Chegou. Não trouxe nada de bom. Morte e destruição.
Os ventos semeados enfureceram-se e
vieram castigar-nos.
Bem diz o povo, e o povo, que é a voz de
Deus, tem sempre razão:
“Cuidado! Quem semeia ventos colhe
tempestades!”
29/03/04
3.- As telhas de
Paraty
Paraty é uma cidade cheia de história. E
como em toda a história do Brasil sempre há uma larga parcela de sofrimento
humano. Os índios, que se viram em confronto com uma nova raça mais forte e
determinada, tal como os neandertal
ao se encontrarem com os homo sapiens,
os africanos infamemente vendidos pelos seus iguais e forçados a uma vida
miserável e duríssima, e até os próprios colonos numa terra nova, agreste, de
clima difícil, uma teórica terra de promissão e futuro, de um futuro que tarda
a chegar!
Mas nem por isso, ou talvez por tudo
isto, Paraty, uma cidade antiga, que guardou ao longo dos anos as suas
características arquitetônicas coloniais, é muito bonita. Orgulho do Brasil.
Orgulho da beleza que foi legada por toda aquela gente que construiu este país,
e de quem se pretende ao mesmo tempo renegar e ridicularizar as raízes.
Paraty acolheu a 2ª Festa Literária
Internacional, organização em tudo louvável, e que trouxe ao país muitos dos
grandes nomes da literatura mundial.
Um deles, Lídia Jorge, a quem é dedicada
mais de uma página, com fotografias dela e da cidade que a recebeu e elogiou,
no jornal “O Globo”.
Mas... há sempre uma pedra de complexo de
ex-colônia no sapato de boa parte deste povo. Agora no sapato da entrevistadora
Rachel Bertol, que em grande manchete, em vez de elogiar a escritora
portuguesa, se lembrou de desfazer no tempo colonial dizendo que as telhas
daquela cidade, por irregulares, teriam sido feitas nas coxas das escravas!
Aquelas telhas simples antigas.
Não sei se a Rachel é do tempo da
escravatura, mas... duvido!
Que absurdo! Eu não sou historiador, nem
investigador da história. Sou aquilo a que talvez se possa chamar de um
curioso, e interessado, em história. Cometeram-se violências terríveis contra
os escravos. Sem dúvida. Mas jamais vi escrito, onde quer que fosse, que as
telhas tivessem sido moldadas nas coxas das escravas.
E o absurdo apresenta-se flagrante: nas
coxas de quais escravas? Das moças bem-feitas de corpo, pernas roliças, duras,
ou das velhas já imprestáveis para qualquer outro serviço?
O molde para aquele tipo de telha seria a
coisa mais barata de se conseguir: um pedaço de tronco de árvore! Alguém
imagina que um oleiro proprietário de escravas iria usar um “molde” tão
precioso como as coxas das bonitonas, impedindo-as assim de renderem muito mais
em outros trabalhos, desde a cozinha à lavoura e até ao seu aconchego nas
noites mornas dos trópicos?
Os escravagistas eram, alguns deles,
muito violentos, desumanos. Dificilmente seriam tão estúpidos a ponto de
deixarem uma escrava bonitona deitada, sem nada mais fazer do que permitir que
outro escravo lhe amaciasse as coxas com o barro úmido! Nem que o escravo fosse
eunuco! Porque ao fim de amaciar duas ou três telhas...
Tudo isto que se conta, se divulga em
largas manchetes, em jornais de responsabilidade, sem fundamento histórico e
comprovado, é fruto dum tremendo complexo de inferioridade. Faz-se um imenso
esforço para se conservar uma cidade histórica na sua maior beleza, declara-se
até que a cidade é Patrimônio Mundial, e ao mesmo tempo procura denegrir-se o
passado dos seus construtores.
A ignorância da história é lamentável e,
às vezes, desculpável. A sua deturpação de modo intencional é, a todos os
títulos, condenável.
Além disso, querer renegar o nosso
passado é o mesmo que renegar os nossos pais, cortar as nossas raízes.
E, é bom repetir, povo sem passado é povo
sem futuro! Talvez por isso o tal futuro custe tanto a chegar.
11/07/04
Se
tivesse, hoje, que comentar os mesmos assuntos... repetiria o que está escrito
e reescrito, por mim e mais umas dezenas ou centenas de outros!
28/09/2017