quinta-feira, 25 de agosto de 2016




África
Histórias e contos


Angola, como todos os países africanos, usa muito provérbios. Faz parte inseparável da sua cultura, e têm sempre uma profundidade grande. Vamos começar por um, angolano:
Muezu ua muadiakimi, a-u-sung ni ndunge (*)
Barbas de homem idoso, com jeito se puxam
(Com brandura, tudo se consegue)
Antes de continuar com contos tradicionais, duas histórias de portugueses em Angola, muito conhecidas da velha gente daqueles tempos, mas ainda hoje recordá-las é um prazer grande.
Henrique Galvão, que chegou a ser um homem da confiança do Salazar, depois o seu mais terrível adversário, foi preso em Lisboa, evadiu-se da cadeia, fez o primeiro sequestro mundial de um avião, da TAP, obrigando-o a ir para Casablanca, depois repetiu a iniciativa ao sequestrar o navio “Santa Maria” que deu um tremendo brado internacional, mas ninguém lhe pode negar que não tenha sido uma personalidade de valor. Meio louco como o seu compadre Umberto Delgado. Aliás não simpatizavam um com o outro!
Quando Inspetor Superior Ultramarino, numa das suas inspeções a Angola, quis visitar alguns Postos da Administração que jamais tinham sido inspecionados por alguém.
Chega um dia a um desses postos, lá bem “perdido” no interior da savana africana; o Chefe do Posto, espantado, vê ao longe a poeira levantada por um carro, caso inédito, imaginando que seriam caçadores perdidos, espera que os viajantes desembarquem. Sai um deles que se lhe dirige e se apresenta:
- Henrique Galvão, Inspetor Superior Ultramarino.
O Chefe de Posto sabia que nunca ali tinha ido qualquer superior a ele, desconfiado, pensa que é piada e responde:
- Não precisa vir com essa conversa de inspetor, que aqui jamais veio gente dessa. Mas nem por isso deixarei de o receber o melhor que posso, neste fim do mundo onde tudo falta. Mas “papo” de inspetor é que não tem graça!
Henrique Galvão gostou da atitude do jovem chefe de posto, que acabou por saber que era mesmo o “chefe máximo” da Administração Ultramarina, elogiou-o e parece que depois o promoveu!
Lá no canto sudeste de Angola havia um outro Posto, junto à fronteira com o Sudoeste Africano, hoje Namíbia, igualmente isolado do mundo dos brancos, e cuja função, além da política de ocupação, era mandar relatórios mensais sobre as atividades da sua área: chuvas ou secas, quantos nascimentos, quantas mortes, do povo e do gado, eventuais doenças que não havia nem brigas entre etnias, enfim um sossêgo, para que se fosse tendo noção do que ali se passava e, talvez, talvez, se fizesse no fim uma estatística geral de Angola!  De mentirinha.
Como é de calcular esses relatórios não tinham qualquer valor porque os nativos não iam ao Posto declarar nascimentos e mortes, nem informavam quantas vacas ou cabras tinham nascido. Era tudo “conversa fiada”, mas o Chefe do Posto tinha que enviar, mensalmente, um relatório com esses dados, para o Administrador da Circunscrição, que ficava, talvez a uns 200 ou 300 quilômetros de distância. Essa entrega era confiada a um cipaio, uma espécie de polícia rural, a maioria analfabeta. Chamava- a esse relatório, uma carta, mukanda!
Todos os meses o cipaio tinha que percorrer centenas de quilômetros e levar as mikanda, que, possivelmente o Administrador nem lia.
O Chefe do Posto de tantas mandar acabou por considerar aquilo um trabalho idiota e talvez inútil e decidiu agir de outra “melhor” forma: escreveu meia dúzia de pré monitorados relatórios, envelopou-os todos, com as datas exteriores programadas e bem destacadas, entregou-os ao cipaio e disse-lhe:
- Como você sempre fez, continuará a ir todo o mês levar uma mukanda à Administração. Eu vou deixar todas as mikanda aqui, e você, uma vez por mês tira a de cima e leva.
- Tá bem, patrão.
O Chefe deixou o Posto onde nada havia para fazer, passou a fronteira e foi passar uns meses de férias em Portugal, certo de que ninguém daria por isso.
Mas o cipaio no começo do terceiro mês olhou para as mikanda, ainda havia três para entregar, e pensou:
- Para que ir lá todo o mês. Vou só mais uma e levou logo tudo.
Se bem pensou assim o fez e a manobra foi descoberta! O Chefe já não retornou ao Posto!

Os contos tradicionais africanos, quer sejam de Angola ou de outro país são quase sempre de animais, por onde se tiram lições para os humanos e revelam um profundo conhecimento da vida animal, e as transpõem, com humor, para a dos homens.
Um tigre voltava para casa depois de um dia a caçar, quando de repente se encontra num curral de carneiros. O tigre que nunca havia visto um carneiro, aproximou-se com ar humilde e perguntou: “Como te chamas, amigo?”
O carneiro, com a sua voz rouca e colocando uma pata no peito do tigre respondeu: “Sou um carneiro. E tu quem és?” “Um tigre”, respondeu cheio de medo. Mais morto do que vivo, despediu-se do carneiro e correu para casa.
Um chacal vivia perto da casa do tigre e este disse-lhe: “Amigo chacal, estou sem alento e meio morto do susto, pois acabo de me encontrar com um animal de aspecto horrível, com uma grande cabeça, que me disse com uma voz rouca: “Sou um carneiro.”
“Mas tigre que tonto és!” gritou, rindo o chacal. “Deixar escapar um pedaço de carne tão tenra e assustar-se por um carneiro! Porque? Amanhã de manhã iremos lá os dois e o comeremos juntos.”
No dia seguinte caminharam os dois para o curral do carneiro, e quando este, que havia saído para ver onde encontrava comida fresca, viu que no alto do morro apareciam o tigre e o chacal, temeu que aquilo acabasse mal, correu para avisar a sua esposa, e disse-lhe: “Temo que hoje seja o nosso último dia porque o tigre e o chacal vêm contra nós. O que vamos fazer?” – Não te assustes – disse a esposa – toma um dos filhos nos teus braços, sai com ele e belisca-o para que chore como se tivesse fome.” Assim fez o carneiro, enquanto os dois companheiros se acercavam. Quando o tigre voltou a ver o carneiro encheu-se de medo outra vez, queria voltar-se e ir embora, mas o chacal, prevendo isso, amarrou-se ao tigre com uma tira de couro, e dizia-lhe - “Anda. Segue-me ” - quando o carneiro gritou alto e forte enquanto beliscava o filho:
- “Fizeste bem, amigo chacal, de trazer-me este tigre para comer, pois ouves como chora o meu filho pela fome que tem.”
Ao ouvir estas terríveis palavras o tigre, apesar dos rogos do chacal, arrancou a correr cheio de pânico, o mais rápido que podia e arrastou o chacal por montes e vales, através de arbustos espinhosos e rochas chegando a casa com o chacal quase morto.
E assim se escapou o carneiro!

Ikumbakumba yoñhosi ihai imbi engolo okunwa (**)
Os urros do leão não impedem a zebra de beber água.

* Provérbio quimbundo – Missosso – Vol 1 – Óscar Ribas
** Provérbio cuanhama – A sabedoria do povo Cuanhama – Padre Charles Mittelberger


06/06/2016

sábado, 20 de agosto de 2016

Um comentário recebido, sobre as Olimpíadas do Sexo,
 muito interessante:

A Estoria é velha....mas dantes não havia camisinha... zemaximo
E na atualidade?                                                                                                            
                                           
Sexo, sangue, bebedeira e doping: a vida louca das Olimpíadas da Antiguidade


O esporte não era a única atração das Olimpíadas da Antiguidade. Ele fazia parte de um festival religioso que, além de rituais, incluía muita arte, com exibições de pintores, escritores e escultures. Mas não só. Prostitutas, engolidores de fogo, videntes e outras atrações mantinham o público entretido.

A vida louca dos Jogos era uma mistura de sexo, violência, sacrifícios animais e zero higiene. Um Woodstock da Antiguidade, na definição de Tony Perrottet, autor de The Naked Olympics: The True Story of the Ancient Games.
As Olimpíadas da Antiguidade duraram de 776 a.C. a 394, uma impressionante longevidade para um evento realizado a cada quatro anos (os Jogos modernos têm só 120 anos e a humanidade já furou o calendário três vezes, durante as guerras mundiais). O que era um megafestival pagão acabou justamente por isso mesmo, proibido em um mundo que se cristianizava. Nesses mais de mil anos de história, Olímpia se revestia de tradição e santidade – mas de um jeito diferente do que imaginamos.
Para começar, a imagem de nobres esportistas, cavalheiros asseados e competidores honrados lutando para superar os próprios limites foi difundida só no século 19 e não é lá muito verdadeira. Até mesmo a trégua olímpica, a fim de repelir e evitar conflitos bélicos, é relativa. Os gregos não queriam a paz universal, apenas uma paz pontual e temporária, que não atrapalhasse a logística dos Jogos nem a migração de atletas e espectadores. Ou seja, quer pilhar uma vilazinha, saquear uma cidade ou massacrar uma tribo? Tudo bem, mas desde que seja longe de Olímpia – o que não era tão difícil, porque a cidade ficava no meio do nada para os padrões da época. E chegar lá era um perrengue só.
Pausa para uma suposição anacrônica. Se você tivesse garantido um ingresso para assistir à cerimônia de abertura e desembarcasse em Atenas, teria que ir andando os 340 km que separam as cidades. Ao chegar lá, teria que se virar e dormir em qualquer buraco. Claro, isso se você não fosse rico, caso contrário poderia armar uma tenda para os seus servos trabalharem razoavelmente protegidos do calor de rachar. No auge do verão, os dois rios de Olímpia secavam, ninguém conseguia tomar banho direito, quase não havia água potável e, por isso mesmo, muita gente acaba colapsando de calor (ainda mais porque no estádio não havia assentos).
Mesmo assim, um público de estimadas 40 mil pessoas comparecia ao evento e ficava em êxtase em um local sagrado, para ver de perto atletas que se tornariam famosos por gerações. Lá está Platão vendo uma luta! Olhe, Sófocles torcendo em um jogo de bola! Os grandes pensadores e autores eram celebridades garantidas nessas arquibancadas sem camarote. Tudo sem precisar pagar para entrar, já que os organizadores eram aristocratas que participavam pelo orgulho de fazer parte do maior acontecimento da Grécia antiga, e não, necessariamente, para fazer dinheiro. Não que eles precisassem lidar com uma organização monumental. Basicamente, bastava pastorear ovelhas e vacas e tirá-las das pistas e dos templos. A estrutura estava toda montada, não era preciso construir novas vilas olímpicas, estádios e outras espécies de elefantes brancos.
Um balde de água fria na corrupção? Nem tanto assim. No século 4 a.C., o lutador Eupolus foi flagrado subornando adversários. Episódios do tipo eram mais ou menos frequentes. Isso sem contar a incrível façanha de Nero. Quando Roma conquistou a Grécia, o imperador decidiu competir na corrida de bigas e venceu – mesmo caindo do veículo!


A primeira cidade olímpica da história
 A cada cerimônia de abertura, os jogos ganhavam o banho de honra divina que servia de repelente à corrupção e revigorante de tradição, relegando os casos sujos a segundo plano. Tudo graças à imagem impactante dos atletas preenchendo o templo para, em frente à monumental estátua que Fídias concebeu em honra a Zeus (e que se tornaria uma das Sete Maravilhas da Antiguidade), fazer juras sobre pedaços sangrentos de carne de javali em prol do espírito esportivo e das regras do jogo. Isso era necessário. Os juízes se preocupavam com atletas que usavam substâncias que aprimoravam a performance, como cogumelos secos, misturas de ervas exóticas, testículos e coração de animais e coquetéis à base de ópio. Mais popular que o doping, só as pragas que se jogavam sobre oponentes. A magia negra tinha muito espaço no espírito olímpico.
Mais popular que ambos, só a insanidade do lado de fora dos estádios. Os gregos já tinham o conceito de bar de esportes e, apesar de não serem lá muito beberrões, eles tiravam o atraso nessa época. Além disso, tinha o sexo. Prostitutas de vários cantos do Mediterrâneo chegavam à cidade para levantar em cinco dias mais dinheiro do que no resto do ano. As Olimpíadas eram uma farra concentrada de bebedeira pesada, pouco sono e orgias alcoolizadas promovidas por estudantes. Sob esse ponto de vista, elas chegaram ao Brasil bem antes dos Jogos do Rio. Afinal, já estavam presentes nas competições universitárias nacionais, cuja tradição é muito mais forte em destruir neurônios do que em construir atletas de ponta.
Da mesma forma que em muitos momentos do século passado, as Olimpíadas daqueles tempos também viraram um caldeirão político – tão descontrolado quanto os torcedores bêbados caindo pelas tabelas. Em 364 a.C., o “COI” tradicional, de raiz, a turma que sempre realizava os Jogos, partiu para a agressividade com o novo “COI”, que organizara a edição de então. No meio de uma competição de luta, eles invadiram o santuário, com direito a arqueiros no alto dos templos. Para o público, foi espetáculo em dobro. Todo mundo parou de ver os lutadores para acompanhar a briga campal dos aristocratas, torcendo e vaiando como se fosse um esporte para valer. Em um tempo em que o pancrácio – luta em que ossos quebrados era comum e que só bania em caso de apertar os olhos – era um esporte olímpico, assistir a uma batalha na arquibancada podia ser bem interessante


Tem razão! não se pode quebrar a tradição. Camisinhas neles!


quinta-feira, 18 de agosto de 2016



A Olimpíada do Século...
ou do Sexo ???

Com a liberdade séquissual, agora permanentemente exposta aos nossos olhos, em jornais, revistas, cinema, televisão, e até exibições de línguas e apalpanços em lugares públicos, desde há vários anos que a organização das Olimpíadas põe, à disposição dos “atletas” uma enorme quantidade de camisinhas, os tais condom.
Em Londres foram 150.000, mas no Rio – isto aqui é muito mais sexy – começaram por 450.000, mas houve um reforça de mais 100.000!
Isto para 11.000 atletas, aliás menos porque nem todos ficaram alojados na Vila Olímpica. Mas considerando que lá terão ficado também treinadores, massagistas, chefes de equipas, etc, calcula-se que nessa Vila passaram umas 15.000 pessoas. E boa parte delas saíu antes do fim da festa, alguns dirigentes estão capengando, dá uma média de 40 a 50 camisinhas por pessoa o que para duas semanas de “trabalho” dá 3,5 por dia.
Acontece que nalguns prédios dessa Vila, em todos os corredores, as/os arrumadeiras têm tido que repor, nas caixas, cheias, à disposição, até 7 vezes por dia, as tais camisinhas que somem durante as tardes e noites.
Já se noticiou que o mais famoso, o Bolt, quando ganhou em Londres passou a noite com 3 atletas suecas no quarto. Bom, mas Bolt é Bolt e suecas são suecas.
Houve um outro atleta que disse que a média dele nas penúltimas Olimpíadas foi de 3 por noite. Bota espírito atlético nisso!
Aqui um corredor americano tomou uns comprimidos para melhorar o comportamento séquissual e teve que tomar depois algo para anular o seu efeito porque seria detectado no doping. Dopou-se para a prova noturna!
Mulheres beijam-se apaixonadamente quando uma das parceiras tem um bom desempenho no estádio “e il publico aplaude rindo alegremente”. “Un tal gioco, credetemi, é meglio giocarlo con me”. (Música de fundo, a abertura, de I Paglacci”)
Agora que se aproxima o fim destas – MAGNÍFICAS – Olimpíadas, era bom saber-se quem levaria a medalhada de ouro dos homens, das mulheres, dos pares mistos e dos pares... pares, com o conveniente anúncio das “performances” de cada medalhado.
Sugiro ao COI que nas próximas Olimpíadas equipem todos estes, e outros, atletas sequissuais com um dispositivo eletrônico, ligado ao pulso, por exemplo, ou tornezeleira eletrônica, e daí a um computador central, para se apurar quem “deu” mais e possa no final receber a competente medalha. Não precisa de ter presente um juiz para ver se o comportamento foi perfeito, o que poderia, ou não, prejudicar o desempenho, nem para saber se “pisou” o risco. Hoje a tecnologia informativa pode tudo à distância.
Até, outra sugestão, seria colocar um vibrador em cada cama!
E assim vai a vida dos atletas. Correm e saltam de dia e fazem abdominais de noite.
Ou... será que os atletas roubaram as camisinhas para as revender nos seus países????
Sempre a aprender.


18/08/2016

terça-feira, 16 de agosto de 2016



Portugal a arder e...

Portugal arde no continente e até na ilha da Madeira; a devastação e os desastres são horríveis.
Em 2003 e em 2005 escrevi os textos abaixo a propósito de fogos:

Pegou  fogo! 

Ainda  a  propósito  e...  a  tempo?


Todos os anos a mesma cegada. Vem o verão, um calor insuportável, uma secura tremenda e aí está o país a arder.
Este ano, um dos anos mais quentes que a história regista desde há vários séculos, tinha que arder mais. E foi uma catástrofe. Grande parte fogo posto, grande parte os mesmos incendiários e, pelos vistos, por todo o lado a mesma insana benevolência, a que algumas almas obscuras chamam de direitos humanos, poupando duros castigos a semelhantes canalhas.
Há uns quinze anos ardeu uma grande parcela das matas da Serra de Sintra. O fogo andou por onde quis e o vento o levou mas, chegando a uma área de belíssimos cedros (uma das tais Pináceas), não entrou. Rodeou os cedros, que se limitaram a ficar chamuscados na orla, e seguiu adiante na sua destruição. Passada a desgraça lá restava imponente, de pé, ligeiras feridas do duro combate, uma, infelizmente pequena, mata de cedros, heróicos sobreviventes daquela violência.
A pergunta que surge de imediato a qualquer um: porque não se plantam mais cedros? Porque não se fazem “cinturões” ou “aceiros” de cedros, já que, por diversas vezes ficou demonstrado que estas árvores não deixam o fogo propagar-se, pelo menos com a impressionante velocidade dum pinhal ou eucaliptal?
A resposta é simples: um pinheiro ou um eucalipto levam pouco mais de meia dúzia de anos a crescer para corte - se entretanto o fogo não os devorar! - e um cedro uns trinta! Quem quer fazer investimentos a trinta anos?
Onde está o grande Rei (“R” maiúsculo!) D. Dinis? Imaginem que esse Rei tivesse a mentalidade tacanha que, de há muito, vem presidindo os destinos de Portugal? O que tinha acontecido? O mar já teria levado uma boa parte da costa e a grande epopéia que honra e mostrou ao mundo a fibra dos portugueses... nem sequer teria acontecido! Naquela altura ainda não se faziam embarcações em fibra de vidro.
Sempre ouvi dizer que governar é prever, segundo os chineses. Não será possível fazer um plano de reflorestação a 30, 40, 50 anos? Foi o tempo que demorou a completar a auto estrada Lisboa-Porto, iniciada pelo também Grande ministro o Eng. Duarte Pacheco no início dos anos 40. Se uma auto-estrada (auto-estradeca de 300 km!) leva 50 anos a concluir, o futuro do interior do país não pode ser planificado para um prazo desses?
Todos sabemos que depois do terreno queimado os problemas que se levantam são imensos e enormes: empobrecimento, erosão, assoreamento de rios e barragens, destruição total ou quase de todo o eco sistema, etc., mas insistir naquilo que todos sabem que não resulta - plantar somente pinheiros e eucaliptos - é sem dúvida estar a jogar dinheiro fora e continuar a pôr em risco a vida de muita gente e deixar para os vindouros um deserto!
Será isso que as gentes, e porque não os governantes, querem?
15/Set/03

Dois anos depois, 2005, voltei à carga:

Os  fogos  “populares” 

Há dois anos, grassava por Portugal um fogaréu imenso, como habitual, escrevi uma pequena crônica sobre os fogos, e lembrava um episódio que salvara uma boa área da serra de Sintra. Arderam eucaliptos e pinheiros mas o fogo não penetrou nos cedros.
Mandaria a lógica plantar mais cedros. Pelo menos fazendo com eles cortinas que pudessem conter a voracidade das chamas que sempre, sempre e cada vez mais, se declaram nesta época do ano em Portugal e não só. Temperaturas que rondam os 40° C e umidade do ar muita vez abaixo dos 30%, não há floresta que agüente.
Não se sabe qual o fenômeno que num passado não tão remoto, provocou, sempre no hemisfério norte, as glaciações com seus períodos interglaciares, mas o que se sabe é que com o aumento de temperatura do nosso planeta, e o também visível aumento da área de influência do deserto do Saara, somados à falta de limpeza das florestas e rarefação de agricultores, gente do campo, nas aldeias, que ao primeiro sinal de fumo acudia com baldes e boa vontade, a ameaça dos fogos só tende a piorar.
Vão talvez dizer que o problema não terá grande solução, visto que só se podem plantar pinheiros e eucaliptos, que são os que mais rapidamente crescem e melhor servem as celuloses!
Os que mais rapidamente crescem, vírgula, quando crescem, se o fogo os não destrói, o que está acontecendo com cada vez maior e mais rápida intensidade. As celuloses terão que estudar alternativas, porque entre material talvez não tão adequado - e nem saberia dizer se isto é verdadeiro ou não - e troncos queimados com terras cada vez mais improdutivas, a solução não parece difícil de tomar.
O projeto de conservação (?) das matas e florestas, em Portugal, é um projeto a prazo médio. Vinte, trinta anos. Talvez caro. Mas entre a hipótese de termos um país minimamente decente para os vindouros, ou um campo arrasado, queimado, improdutivo, e um gasto anual imenso para combater o incombatível, não parece haver muita dúvida no caminho a seguir.
Tem que plantar outras espécies a intervalos regulares. Porque não frutíferas? Até atraem alguma fauna, esta a flora, etc. Ou será melhor continuar a esterilizar as terras com a ganância da venda rápida de madeira (de paupérrima qualidade) ou aumentar os lucros das celuloses?
Tem muito engenheiro florestal que saberá dar uma reposta conveniente.
A pergunta que fica é simples, como a faria qualquer criança: porque não se começa a executar um tal plano? Não temos em Portugal engenheiros silvicultores capazes de elaborar, com muita rapidez, um plano destes, à escala até nacional? Temos, muito bons, com arquitetos paisagistas, à frente dos quais me atrevo a sugerir o prof. Gonçalo Ribeiro Telles. O que falta então? Vontade e força política? Para variar deve ser isso. Sempre a maldita política que, em nome do desenvolvimento do país, muitas vezes só isto faz: atrasa-o.
13-jul-05


Passam os anos e nada muda. Lembro outro episódio passado também há anos no Norte de Portugal. Grassava outro incêndio. A chefe dos Serviços Florestais conseguiu prender o incendiário e, de acordo a lei (direitos humanos e outras cretinices) entregou-a à polícia. Já não recordo o desenvolver do drama: ou a polícia ou o tribunal, ouviram o delinquente e... soltaram-no!
Hoje continua a passar-se o mesmo. E a “justiça” parece não perceber que esses delinquentes são ferozes assassinos. Destrói-se o meio ambiente, as propriedades particulares – casas e bens – morre gente queimada e... os assassinos ficam à espera da próxima oportunidade.
Ou há um lapso de dignidade, de lei ou de coragem para pôr esses energúmenos na cadeia por 40 ou 50 anos. Ou, para um tratamento mais rápido, ser levado de helicóptero e deixado no meio do fogo. Lá bem no centrinho onde o churrasco fosse mais quente. De certeza que a aprenderia... tostado.
Lembro ainda um juiz que proferia sentenças inéditas que eram criticadas nos jornais, sempre positivamente;
Uma delas: um jovem que ao andar nos carros elétrico (bondes) sempre tinha mão baixa para a meter nas bundas das jovens ou senhoras. Apanhado, preso, foi a julgamento. Sentença: durante dois anos não pode andar nos transportes públicos! Perguntaram ao juiz: E como ele se vai deslocar? – Nos mesmos transportes; mas vai ser o indivíduo mais bem comportado lá dentro. Se prevaricar apanha uns quantos anos de prisão!
Aceiros para evitar a expansão do fogo... não valem muito. Limpeza dos ramos secos nas matas... quem vai apanhá-los, como se fazia há 50 anos para ter lenha em casa?
As florestas estão cheias de combustível, a terra aquece cada vez mais, e ninguém parece querer ver mais além do que o “próximo ano”, pedindo aviões emprestados para ... para o que? Atenua? Talvez, mas não resolve.
Parece que quem comanda o país tem como lema “Deixa arder que eu pago!
É triste ver como se abandona o pouco que se tem.


11/08/2016

sábado, 13 de agosto de 2016



Carta aberta ao Ministro das Comunicações

Brasil falido?
O Rio de Janeiro está, e os Correios também

Brasil de parabéns. Está a fazer umas Olimpíadas espetaculares elogiadas pelo mundo fora.
Mas... tudo muito bonito por fora mas por dentro, vamos ver.
O resto do país é um chorar e ranger de dentes: o trivial de inflação, insegurança, burocracia, etc., aquilo que para nós é mais comum do que feijão com arroz.
Lembram do Mensalão? Naquela altura os milhões ou bilhões roubados saíram principalmente dos Correios. Rebentaram com ele!
Os Correios? Ah! Uma calamidez. Pior do que calamidade.
Alguns exemplos:
1.- Sou correspondente de um jornal no Canadá, há onze anos. Tudo quanto recebo é um exemplar do jornal que, durante muito tempo chegava com regularidade, demorando cerca de uma semana a vir de Toronto ao Rio.
Este ano, passadas já 32 semanas, tudo quanto recebi foram dois jornais: um em Março e outro em Abril. Cadê os outros, senhor ministro das comunicações e senhor diretor dos Correios?
2.- Ontem chegou uma carta vinda de São Paulo. Postada dia 22 de julho, levou 19 dias para chegar. Terá vindo a pé?
3.- Encomendei pela Internet umas peças. Coisa miúda, vinda de São Paulo. Ao fim de mais de uma semana recebo informação dos Correios que teriam vindo fazer a entrega em minha casa, três dias seguidos, e não tinha ninguém em casa! Deslavada MENTIRA! Eu quase não saio de casa, e se o faço é, talvez, uma vez por semana e olha lá.
Mas agora tinha que ir até ao dia 10 ao Posto do Tanque (Rio de Janeiro). Pesquisa na Internet e encontro três postos no Tanque, 3. Fui ao primeiro, enfrentei uma fila curta porque sou idoso (e bota idoso nisso) e... não era ali. Fui ao segundo: é mentira não existe. Desisti. No dia seguinte comecei a caça ao pokemon dos Correios e acabei por encontrar. Umas dez pessoas em frente a um portão, na calçada, me fizeram pensar que ali era ponto de ónibus. Não era. Estavam à espera de entrar para reclamar os seus pertences. Por sorte não chovia!
A “sala” de espera no posto dos Correios!

O senhor é idoso tem prioridade! – Muito obrigado.
Esperei que atendessem uns 4 ou 5 que já lá estavam e finalmente mandaram-me entrar. Um cubículo miserável, uma só atendente, uma senhora com um olho tapado porque tinha sofrido uma intervenção e um outro lá mais dentro à procura do que os “bestas”, como eu, reclamavam. Uma montoeira incrível de caixas, maiores e menores, envelopes, tudo numa desorganização impressionante. A senhora, meia doente, com dificuldade para escrever e ler, mas assim mesmo estava a trabalhar, teve que me pedir para eu ler o número da minha identidade. Ela não conseguia. Brava senhora.
Esperei. O colega que andava a catar o que se reclamava, perguntava lá de dentro: É uma caixa grande????? – Não. É coisa pequena.
Finalmente apareceu!

Cartas e documentos, muitos deles com contas para pagar estão chegando depois do prazo!
Uma VERGONHA. Um tremendo descaso e desprezo pelo povo, o contribuinte, o que paga tudo, sofrendo.

De resto... vou contar o que?
Um atleta judoca, olímpico, foi assaltado na rua e ficou com um olho negro!
Duas outras atletas foram assaltadas na rua: dinheiro, celulares, etc... sumiram.
Uma patrulha do exército entrou por engano numa favela e foi recebida a tiro. Um soldado morto. A favela é terra DELES, da banditagem. Não é do Brasil.
Mas, “O Rio de Janêro continua lindo!”


12-ago-16

quinta-feira, 11 de agosto de 2016



Voltando a MOÇAMBIQUE
A aventura dos Optimist
1973

Por enquanto, história mais antiga de Moçambique, fica... de férias. Os últimos oito textos foram rebuscados em revistas moçambicanas, ali publicadas entre os anos 30 e 60, mas parece que só interessaram a quem conhece aquele país.
Escrevi ainda, e está neste blog, sobre uma visita a Maputo em 1991, sobre a estadia na Casa do Gaiato em 2001, alguma coisa sobre a confusa época anterior à independência, mas nada sobre o tempo tranquilo da estadia naquele país, de 1971 a 74.
Está na altura de relembrar alguns episódios ali vividos.
1973, sem lembrar já em qual o mês.
O BCCI – Banco de Crédito Comercial e Industrial (filho do defunto português Borges & Irmão que foi um grande banco e mal administrado no seu final) procurava, através de ações de Relações Públicas, cada vez mais expandir a sua influência nos meios financeiros locais, apesar de ser “obrigado” a fazer nos jornais uns anúncios institucionais que não tinham outro objetivo além de adoçar as boquinhas, sempre famintas, de uns quantos jornalistas, mas sem efeito prático algum.
Surgiu uma idéia.
Aquela linda baía de Lourenço Marques, a Delagoa Bay, tinha poucos barcos à vela, talvez não tivesse nenhum veleiro grande, e só o Club Marítimo era o lugar duns quantos apaixonados, talvez só com os pequenos “Vaurien”. Quarenta e três anos depois a memória não vai ao detalhe para saber quantos barcos havia e que tipo, mas vamos em frente.
Já não lembra como se soube que havia alguém habilitado em construir os ainda hoje famosos Optimist, o melhor barco já concebido para a iniciação à vela, e destinado a “atletas” até aos doze anos!
O banco gostou da idéia. Procurou o apoio do Fundo de Fomento Desportivo que abraçou o projeto. Mandou fazer uma dúzia daqueles barquinhos e anunciou pelos seus clientes que seriam vendidos em 6 ou 12 parcelas, sem juros.
Tudo combinado para o lançamento, com a presença do Secretário Provincial de Educação Física. Mesa de “honra”: o Diretor do Club Marítimo, o mencionado Secretário e o Administrador do banco.
E assim se fez a festa. Doze ou catorze atletas, dos nove aos doze anos, os pais, a maioria sem saber nada de vela, a ajudarem os jovens a aparelhar o “navio” e lá vai a grande regata, de que saiu vencer, um garoto, lourinho, promessa de matinheiro, já com doze anos que as meninas concorrentes achavam que era (era!) lindo: o Carlos Prista. A nossa Joana tinha nove anos e, sempre a rir, porque nunca tinha “governado” um barco, ficou brilhantemente em última. Mas adorou!
A seguir alguns pais, mais destemidos quiseram experimentar os veleiros.
Ficou na memória a figura de um deles, grande, pesado, que uma vez dentro do barco este ficou com o casco todo dentro de água! O “navegador” sorria mas só se via um meio corpo, um mastro e uma vela que mal se mexiam no mar. Fez enorme sucesso.
As fotos abaixo, recuperadas ao fim de todos estes anos de imagens do filme de 35 mmm que um jornalista filmou para ser passado nos cinemas, como um notável acontecimento desportiva para a então Lourenço Marques, têm uma qualidade muito fraca, mas quem as vir pode ser que se recorde de alguma coisa ou de alguém.








De cima para baixo: o cartaz de propaganda, o preparo dos barcos, “quase” prontos para a regata, o vencedor e algumas mães “nervosas” com a aventura.
Foi uma festa bonita, sobretudo para os “grandes atletas” que nela participaram. Há 43 anos!
Mas ainda há muito para contar sobre Moçambique. 
Atravessa agora uma fase difícil. Também o Brasil, toda a América Latina, Portugal, Espanha, Grécia e tantos outros.

Agosto de 2016

quarta-feira, 3 de agosto de 2016



MOÇAMBIQUE
SENA
FORTE DE S. MARÇAL

A data da edificação do forte de S. Marçal de Sena é desconhecida.
Alguns autores afirmam que o forte existia já ao tempo da expedição de Francisco Barreto. Porém, o jesuíta Monclaros, que acompanhava a expedição, apresenta-nos, na sua "Relação" da viagem, Sena como "povoa­ção pequena de casas de palha ao longo do rio metida entre um mato". Não deixaria, certa­mente, de mencionar o forte, se já existisse. Esclarece, ainda, que a expedição conduzia, em carros, pedra para se edificar a fortaleza.
De positivo, sabe-se que Francisco Barreto levantou um forte de taipa, assim que chegou àquela povoação, "oito dias ante Natal".
Regressado em Ou­tubro de 1572 das operações contra o Mongás, "determinou refazer o forte que tinha deixado de madeira de taipa qual lhe ficava por aposento e tinha dentro uma ermida de S. Marçal e a casa da feitoria". Monclaros, ao concluir a "Relação", diz:
"... e nos viemos a Moçambique ... deixando bem provido o forte de S. Marçal, assim de capitão e soldados, como das mais coisas necessárias".
Vasco Fernandes Homem, em 1576", só diz : ... neste forte, onde eu agora estou, que Francisco Barreto fez para guarda dele ...".
Outra notícia do forte dá Fr. João dos Santos. Em 1585, naufragou na costa de Quelimane a nau "Santiago". Manuel Godinho Cardoso escreveu a relação do nau­frágio e descreve a povoação :
"Sena é povoação de portugueses; nas terras de Inhamioy, tem um forte que se chama S. Marçal, com capitão, soldados e artilharia, e ainda que pequeno e de pouco presídio, basta com tudo para ter enfreados e sujeitos os negros, os quais cercando-o uma vez, desistindo da empresa se retiraram com muito dano seu".
Fr. João dos Santos em 1590 e deu a primeira notícia do forte de pedra:
"Sena é uma povoação situada junto do rio Zambeze, da parte do Sul nas terras da cidade Inhamioy, sujeita ao Manamotapa. N'esta povoação está um forte de pedra e cal, guarnecido de algumas peças de artilharia grossa e meuda, mui bastante para sua defensão, no qual mora o capitão posto da mão do capitão de Moçambique. Dentro neste forte está a egreja e a fei­toria ...".
Assim, a data da construção do forte pode situar-se entre 1572 a 1590.
Em começos de 1618, o forte estava arrui­nado. Devia está-lo desde longo tempo pois a sua ruína era já conhecida em Portugal em Março daquele ano, data do regimento dado a Nuno Álvares Pereira, promovido na capitania de Moçambique. O regimento man­dava :
"Depois de entrardes nos Rios, hireis visitando e provendo as aprovações e for­tes que nellas ha, e porque sou informado que havendo em Sena fortes de pedra e cal em sitio conveniente, e cô artilharia os portugueses casados que ali residam, o deixarão arruinar, e da pedra, que se hauia trazido de longe, fizeram outras obras em suas casas, e não ha quem dê razão da artelharia, e que convem reevdificar-se para segurança da fazenda que estiver na feitoria, e da mesma povoação".
A artilharia, segundo Pedro Barreto de Re­zende, numerava oito falcões e estava arreca­dada na feitoria, donde se conclui que em 1635 o forte não fora ainda reconstruído. Também não estava em 1667; Pe. Manuel Barreto de Goa, aos 11 de Dezembro desse ano, diz :
"Commumente se chama o forte e povoação de São Marçal; mas a povoação não tem forte algum, mais q as taipas das cazas, de que todas estão cercadas em roda com seus quintais: e fica cada caza um forte tão bom como se fosse chumbo, prin­cipalmente se os pontos da taipa se abri­rem em seteiras, e descortinarem com revevzes; no que se tem pouco cuidado, por que nunca Sena foi envestida de enimigo".
Fr. António da Conceição, em 1696, des­creve Sena como povoação "de trinta casas pouco mais ou menos de moradores graves, além de outros somenos". Nenhuma referência ao forte. No entanto, a povoação poderia "... fortificar-se belissimamente, porque de huma parte lhe fica o Rio e da outra huma serreta que parece poz Deos ali para um castello".
O forte foi, finalmente, reconstruído em 1704. A pedra sobre a porta de armas (única parte que resta do forte) diz:
 "Sendo capitão geral desta conquista D. João Fernandes de Almeida mandou fazer esta fortaleza na era de 1704 contri­buindo para a sua despesa com muita parte da sua fazenda".
No regimento dado, em Goa, 1709 a António Simões Leitão, nomeado "te­nente general de Moçambique e Rios e Gover­nador deles", corfirma-se estar reconstruído o forte:
"Chegando a Senna vereis o es­tado em que se acha a Fortaleza que novamente se faça naquela Pouoação, e tendo já alguã danificação como tenho por notí­cia a mandareis reparar e aperfeiçoar os quartéis que nella se começarão para os soldados, e as mais offecinas competentes para o seu alojamento, e detença; e se he conveninete amurar se a Pouoação, e utilidade que se segue aos moradores de ser fortificada, e se poderá sem bem defen­dida com a gente que nella se acha.
Mandareis passar mostra a com­panhia que assiste da guarnição na dita Pouoação e acabarão os quartéis que para ela se começarão na Fortaleza que de novo se fabricou ...".
É este segundo forte de Sena que D. Fran­cisco de Melo e Castro, capitão general de Mo­çambique, descreve no seu relatório datado de 10 de Agosto de 1750:
"É a povoação de Sena a capital de toda a conquista aonde reside o General dela... A sua única defesa é o forte de S. Marçal, com quatro baluartes da figura e construção que se refere na explicação da sua planta, com catorze peças de arti­lharia dos calibres de oito, seis, quatro e três“.
Em 1758, o capitão general Pedro de Sal­danha de Albuquerque, em carta a El-Rei, da­tada de 30 de Dezembro, dizia:
"A Povoação de Senna tem huma For­taleza feita de Adobes de barro, coberta de palha, que hé bastante para o Inimigo do Paiz; tem de guarnição cincoenta Pra­ças, das quaes dez se destacão para Manica. O General me pede agora alguns Officiaes Carpinteiros, para fazer os repa­ros que faltão para a Artilharia della, que na seguinte monção os hei-de enviar, e ainda que o mesmo General me pede tam­bém setenta arrobas de ferro, na referida monção lhe mandarei parte desta quanti­dade, por q os Armazéns tem só pouco, q agora mandey comprar nesta Galeria de Bahia".
Jerónimo José Nogueira de Andrade dá a seguinte notícia do forte:
"Tem esta Villa [de Sena] hum Co­mandante e hum Feitor, e hum quadrado formado de terra e faxinas, ao qual reducto chamão a Fortaleza de S. Marçal de Senna, cuja guarnição consta de 38 praças a saber: um Sargento Mor, e hum Ajudante da Praça, hum Capitão, hum Tenente, hum Alferes, hum Sargento, hum Furriel dous Cabos hum Tambor e 28 soldados".
Em 1884, o l.° tenente da armada José Maria, apresentou ao governador geral um relatório da viagem que fizera pela Zambézia. Sobre o forte de S. Marçal:
"Não obstante [sofrer de febres] visitei a praça de S. Marçal da qual só posso dizer que está a cair. A cortina que deita para o lado do rio não existe; está substituída por paus a pique. No barracão a que chamam quartel chove por toda a parte, e os outros armazéns estão a desmoronar-se. A casa do Commandante da praça só tem as paredes.
Ha ainda uma porção importante de mate­rial de guerra da ultima expedição á Zam­bézia, mas uma parte está avariado princi­palmente devido ao desleixo com que tem sido tratado. A praça é um pântano; no tempo das chuvas junta-se a agua no meio da parada e ali espera que o sol a faça evaporar e o terreno a absorva. Ao actual Commandante militar incumbi a terrapla­nagem immediata da parada, o fabrico de 6 reparos sendo 4 de praça e 2 de flexa para montar a boa artellaria de 0,8 m raiada qua ali ha. Ordenei-lhe que remo­vesse todo o material para uma casa fora da praça onde não chove, que o inventa­riasse e beneficiasse remetendo-me uma copia do inventario e nota do que está inú­til. O destacamento tinha 10 soldados, que pediam esmola pela povoação porque há 8 meses não recebem pret, não obstante sair todos os meses do cofre de Delegação o pret na totalidade do effectivo do bata­lhão. Á vista de tal miséria, acceitei o offerecimento que me fez o Capitão Paiva d’Andrada de dinheiro para fazer um abono aos soldados e mandei pagar 1.200 reis por cada mez em atraso. Tornando a chamar a attenção de V. Exa. sobre a praça de S. Marçal direi que julgo, de summa importância o seu concerto porque tem bastante capacidade, está bem collocado e seguramente o que se poderá dispender com o seu arranjo, que ha-de ser muito, é muito menos do que o valor da porta que está de pé. Encarregou-se volun­tariamente o commandante militar de Sena de lhe levantar a planta e remetter-m'a".
Em Julho de 1896, o governador do distrito da Zambézia ordenou ao coman­dante da Praça, que procedesse "a um imediato concerto na face da praça que é feita em aringa” isto é, em estacaria. O comandante da Praça respondia, em 25 de Julho: "Afim de dar cumprimento ao tele­grama n. 317 de 22 do corrente, que em nome de V. Exa. me dirigio o chefe da repartição militar, sou a dizer o seguinte :
A Praça de S. Marçal é um quadrilá­tero que tem de perymetro aproximada­mente 700 metros e nos ângulos quatro baluartes: em pentágono, defendidos por 10 boccas de fogo de diferentes calibres. Como V. Ex.a vê é uma praça enorme e que só pode ser deffendida com grande numero de soldados. Ainda assim poder-se-hia deffender só com a guarnição dos baluartes (uns 20 homens para cada, que soubessem ao mesmo tempo manejar as peças) se não fosse a face do lado do rio, que está quasi completamente desguarne­cida, porque é uma espécie de estacaria cujos paus estão muito distanciados e que em vista do "muchem" é preciso está-los continuamente a renovar, o que eu tenho feito com alguns presos que a Intendência para aqui me manda, mas não é isto o sufficiente para a defeza, porque caso haja algum ataque, deve ser por este lado e não pelos outros, visto o grande campo que se avista e a altura da muralha destes. Cons­ta-me terem-se feito já diversos orçamentos para esta obra e hoje envio a V. Ex.a dois, porque se podem fazer n'aquella face duas defeza, e são ou de fortificação permanente, que é levantar um muro com banqueta igual ao que circunda o resto da praça, ou visto a inclinação que tem o tereno d'aquelle lado, aproveitar a estacaria que ha, fechando-a mais e fazer uma espécie de fortificação semi-permanente; mas esta obra apesar de ser milhor para defeza, requer mais gente para a mesma, não é tão solida e mesmo para embellezamento sou de oppinião que se acabe de fechar a praça como já é o resto.
Necessita também a praça de alguns pequenos reparos nos baluartes e rebocada com cimento toda em volta, por cima dos muros, afim de evitar que as chuvas as demullam".
Em 1899, a praça de S. Marçal foi entre­gue à Companhia de Moçambique. Lavrou-se auto da entrega, aos 7 dias de Setembro desse ano, e dele consta o estado em que se achava a Praça:"Uma face construída de paus estando já muitos deles apodrecidos. As outras três faces e os quatro baluartes são de pedra e terra amassada estando a esboraoar-se por toda a parte, achando-se nalguns pontos quase completamente caídas. As duas portas acham-se em mau estado. As edificações da praça são as seguintes:
Uma casa térrea com parede de pedra e terra amassada rebocada exterior e interior­mente, coberta a telha de Marselha e o chão ladrilhado, dividido interiormente em quartos, estando tudo em bom estado de conservação, serviu de paiol: Uma casa térrea com paredes de adobos coberta a zinco dividida em dois quartos, serviu em tempo de caserna, uma das paredes está fendida de alto a baixo, está no resto em regular estado de conservação. Uma casa térrea com paredes de adobos coberta de palha com três divisões serviu de residên­cia ao Comandante da praça, estão as pa­redes e cobertura em mau estado. Uma casa térrea, restos de uma casa maior, muito velha, paredes de pedra e terra amassada, coberta de telha ordinária, ser­viu de cadeia, está tudo em mau estado".
A Companhia de Moçambique obrigava-se à conservação da Praça e a reentregá-Ia ao Es­tado, logo que este dela precisasse, no mesmo estado em que a recebera. Em 1903, porém, ó conselho de administração da Companhia pedia dispensa da obrigação de conservar a Praça, visto o adiantado estado de ruína em que a recebera e a inutilidade da velha fortificação. A Praça foi, então, pretexto de longa discussão — que, ao fim de contas, a não salvou de total ruína.           
Permaneceu apenas o portal. Em 1902, o subintendente do governo em Sena comunicava que, achando-se o portal em risco de abater, apeara a lápide memorativa de construção em 1704, que foi reposta no portal, como ainda hoje (1969) se encontra.
Em 1905, o Governo do Território de Manica e Sofala dirigiu um ofício ao governador geral da Província, João António Azevedo Coutinho Fra­goso de Sequeira:
"Junto envio a V. Exa. um desenho representando o portal da praça de S. Marçal de Sena, restaurado e completado com os ornamentos e pyramides que actual­mente lhe faltam. ComoY. Exa. vê, o portal assim restaurado apresentaria um bello aspecto e constituiria um padrão ele­gante, fácil de conservar em bom estado, dispensando-se as ruínas das muralhas que actualmente tem aos lados e estão em der­rocada, visto que, como V, Exa. sabe, as muralhas são construídas de pedra e barro. Caso V. Exa. concordasse a Companhia de Moçambique procederia à restauração do portal, tal como se acha indicado na figura ficando por conta da Companhia de Mo­çambique todas as despezas futuras da sua conservação abandonando-se por completo as ruínas das muralhas, pois como V. Exa. bem sabe, a praça de S. Marçal, nenhum valor militar tem, nem mesmo se torna necessária n'uma região onde V. Ex.a ex­tinguiu em 1897 e depois em 1902, por completo, todo qualquer fermento de revolta. Lembraria também a V. Exa. caso concordasse com este processo de restau­ração do portal e criação do padrão, a collocação na parte posterior do dito portal,  em local correspondente a lapide actual, ou outra lapide idêntica a que se colocará no padrão commemorativo do forte de So­fala mencionando ter sido esta reparação mandada executar por V. Ex.a e demolido o forte por terem sido aquelas terras defi­nitivamente pacificadas por V. Ex.a, nos anos de 1897 e 1902 perpetuando assim o nome de V. Ex.a e os seus valiosos servi­ços n'aquella região. Pedia a V. Ex.a res­posta urgente para poder começar breve a reparação, pois acabo de ser informado pelo chefe da circumscripção de Sena, te­nente Manuel Monteiro Lopes, que a fenda existente ha muitos annos no arco do portal parece ter augmentado sensivelmente nes­tes últimos tempos e muito receio que as chuvas que estão próximas venham a pro­vocar o desabamento do portal".
O governador geral aprovou a proposta que diz :
"No reinado d'El-Rei D. Carlos sendo Governador Geral da Província de Moçambique João António d'Azevedo Coutinho Fragoso de Sequeira e Governador do Território de Manica e Sofala Alberto Celestino Ferreira Pinto Bastos mandou a Companhia de Moçambique recons­truir este padrão. Anno de 1906".
Do forte de S. Marçal, hoje apenas se man­tém de pé o portal, amparado pelas obras feitas em 1904 e 1905 com que se sustou o desabamento do arco.


Montes de terra, pedra e tijolo demarcam ainda o contorno da Praça, definindo melhor ou pior os muros, os baluartes e os locais das dependências interiores.

Pesquisado na Revista “Monumenta” Nr. 5 - 1969 - Moçambique – autor Caetano Carvalho Montez



Julho/2016