domingo, 31 de janeiro de 2016

À procura dum cais

Terramoto de 1755

Época houve, talvez no meu tempo de estudante, que muito se falava no Terramoto, e na calamidade que isso foi. Hoje parece falar-se menos, talvez por ser tema meio cansado, e porque economicamente o mundo está à espera de outra catástrofe maior. Quem sabe se o Apocalipse.
Lembro só algumas situações “quase apocalípticas” que os homens, os poderosos homens, criaram, na desenfreada procura em destruir a nossa Gaia (ou Geia).
Só poucas, das “últimas”: o crash da Bolsa de Nova York em 1929, a especulação imobiliária provocada no Japão que criou uma tremenda bolha que estourou nos anos 80, a indiscriminada distribuição de €uros aos “irmãos pobríssimos” da Europa que acabaram por afundá-los, sem falar nas centenas ou milhares de bombas atómicas espalhadas por todo o mundo, prontas a acabarem, num hiato, com toda a vida na Terra. Só lembrar que as usinas nucleares não foram inicialmente construídas para gerar energia elétrica, mas para se obter plutónio, com vista a alcançar a bomba atómica!
O plutónio é tão violento, ou tóxico que até hoje os “grandes cientistas” não sabem qual a quantidade que gera câncer de pulmão! “Supõem” que entre 1/20.000 e 1/100.000 de grama (pequena diferença!) sejam suficientes! Mas qualquer micrograma é letal. Lembram-se do ex-espião russo Alexander Litvinenko? Assassinado com um “primo” do plutónio!
Vale lembrar que só o Japão tem armazenadas –com toda a segurança!!! – 47.000 toneladas de plutónio, que dará para fazer milhares de bombas atómicas. Para quê?
Mas hoje o tema é sobre outras destruições. Vamos ao Terramoto.
Naquele dia, 1° de Novembro, dia de Todos os Santos, igrejas cheias de fiéis, velas acesas em todos os altares, mesmo nas casas particulares, na esperança de que algum deles se lembrasse de fazer um milagrito ou outro, a terra tremeu, tremeu tanto, que ainda hoje parece ter sido o mais violento sismo que desde sempre aconteceu na Europa.
O povo fugia, e era apanhado por queda de prédios, de pedras, telhas, madeiras, as ruas onde mal se podia andar ficaram cheias de destroços que ultrapassavam a altura do primeiro piso, gente gemendo e morrendo debaixo desse amontoado, as igrejas a ruírem e soterrarem dentro os fiéis, um vento fortíssimo espalhando as chamas por toda a cidade, e ainda uns saqueadores a ver o que encontravam no meio das ruínas. Estes, apanhados, nem tempo tiveram para confessar os pecados. Montaram-se rapidamente uma porção de forcas pela cidade e centenas de corpos ficaram balouçando à luz dos incêndios.
Alguns moradores conseguiram chegar ao Terreiro do Paço, muitos deles deixando alguém da família soterrada pelo caminho. Lugar aberto, onde não tinha chegado o fogo e alguns edifícios se mantinham em pé. E ali estavam talvez milhares. De repente vem do rio uma onda imensa com mais de seis metros de altura, invade a cidade e leva tudo pela frente. Em menos de um minuto aquela imensidade de água estava de volta ao rio, e neste vai e vem, que se repetiu durante cinco minutos, arrastou mais um monte de corpos e ajudou a derrubar mais prédios.
Pouco depois o vento forte, que continuava a espalhar o fogo, atingiu o Palácio Real, que o destruiu e
fez desaparecer uma valiosíssima biblioteca com mais de 70.000 volumes.
Durante os dois abalos mais violentos, o cais principal da cidade, que fechava o Terreiro do Paço, era novo e construído em mármore bruto de um modo extremamente sólido, pois as pedras estavam não só seguras umas às outras com ferros, mas também unidas por juntas, de forma que constituíam um bloco único, afundou-se todo em conjunto (embora a maré vazasse muitas jardas abaixo da sua base) bem debaixo de água, e tão fundo que nenhuma vara conseguiu alcançar a sua parte superior. Depois contaram (mas não sei dizer se é verdade) que, tendo experimentado com um fio, se descobriu ter-se afundado 50 braças abaixo da superfície da água. (Testemunho de um súbdito britânico, que escreve em 20.Nov.1755)
Este cais, solidamente construído, e mais alto que o nível do Terreiro do Paço na época - vê-se bem na gravura seguinte de 1740:


Igualmente vê-se bem o cais e o paredão nesta gravura de Mateus Sautter, anterior a 1755  ( em baixo a cidade destruida a arder)


Até há pouco nunca tinha ouvido que um cais tivesse sido engolido no maremoto, e curioso como sempre, fui atrás. Fiquei sabendo que:
- Em 2009 a Câmara Municipal de Lisboa (CML) realizou a Empreitada de Construção do Sistema de Intercepção e Câmara de Válvulas de Maré do Terreiro do Paço. Esta obra por ter tido lugar num centro histórico da cidade de Lisboa, foi alvo de Acompanhamento Arqueológico. Começaram as escavações e logo foram identificados alguns elementos em madeira de grandes dimensões, como estacas de pinho e partes de embarcações, que foram limpas e tratadas.
No decorrer dessa limpeza, começou-se a observar a presença de uma estrutura pétrea de grandes dimensões, composta por silhares em lioz (pedras de calcário duro, trabalhadas) associada a um alinhamento em estacas de madeira. Pela sua posição estratigráfica, pelo seu posicionamento face ao rio e à disposição da atual Praça do Comércio, e pela sua arquitetura, cedo se percebeu que se estava perante uma estrutura de cariz portuário, claramente enquadrada com uma etapa crono-cultural anterior ao Terramoto de 1755.
Todas estas informações complementares devo à atenção do arqueólogo Dr. César Augusto Neves que teve a paciência de responder às minhas constantes perguntas, e a quem muito agradeço.
Constata-se pelo trabalho realizado, que a área do Terreiro do Paço, antes de 1755, como se vê pela gravura a seguir, era bem menor do que hoje:


Grande parte se conquistou ao mar e o nível foi aumentado em até 6 metros.
Mas onde foi parar o tal “cais” a que os testemunhos ingleses (mais do que um) referem que terá “sido engolido... parece que continuará um mistério, visto que o cais encontrado estaria no nível correto para o tempo, o que pode ver-se por mais esta imagem, que mostra o cais uns 6 metros abaixo do nível atual.


Todas as pedras do antigo cais foram desmontadas, identificadas, numeradas e enviadas para o Museu da Cidade de Lisboa, para um dia (quando...?) serem montadas noutro local.
Esperemos que não aguardem, como as do Arco de São Bento, que finalmente se reergueu ao fim de 70 anos, de passiva e pétrea espera, na Praça de Espanha!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016




Há quase 70 anos


É um pouco estranho de repente virem à memória histórias passadas há... bem mais de meio século. Histórias que não foram notícia, não divulgadas, nem nos jornais nem na rádio, já que televisão, nesse tempo, felizmente não havia, o que nos permitia passar as horas de folga, os intervalos das aulas, a jogar o futebol, o pingue-pongue (tênis de mesa, em Terras de Ver a Cruz), conversar e mais tarde já homenzinhos, quando o tempo permitia, andar um pouco pelo campo, na conversa ou a rever alguma matéria!
É estranho, mas agradável porque conseguimos recordar colegas que perdemos de vista mas continuaram a ter o seu cantinho no nosso coração, a maioria deles que estará já “lá” em cima à nossa espera, e vai dar risada quando “se lembrar” de algumas aventuras que vivemos juntos.
Nós tínhamos um professor extraordinário. Um homem bom, inteligente, educado, simpático, dono de uma boa propriedade agrícola, engenheiro agrónomo, pesquisador, enfim, uma figura por quem todos tinham o maior respeito e simpatia.
Mas distraído como ele, não recordo ninguém; sempre aproveitámos para fazer alguma brincadeira. Por exemplo: ele via um de nós, alunos, a ler um livro, perguntava se era bom e se lho emprestávamos. Claro que sim. Mas a malandrice era fingir que tínhamos um livro bom mas que era uma porcaria qualquer, tipo romance barato! Ele pegava no livro, começava a ler, e logo via o logro. Deixava-o no primeiro lugar que calhasse, e depois ainda vinha perguntar porque nós líamos aquelas porcarias!
- Não lemos, senhor engenheiro. Foi uma brincadeira!
Lembro que fumava os cigarros mais baratos que havia naquele tempo – Definitivos – a que chamávamos, para dar um ar de importância “Definitaives”, à inglesa.


Durante as aulas, nunca deixava apagar um cigarro que estivesse a fumar; acendia um novo no que estava gasto, apagava este no cinzeiro e guardava a beata (as guimbas) numa das gavetas da mesa do professor. Nós tentávamos contar quantos cigarros fumava, mas para não perder a atenção à aula, perdíamos a contagem! Um dia, no fim da aula fui abrir a gaveta e contar as tais beatas! Não lembro quantas eram, mas muitas!
O professo viu-me a fazer aquilo e, antes de sair da sala, perguntou-me: “Já contaste? – Já. – Bem, da próxima vez, em vez de brincares com estas coisas, toma mais atenção na aula!”
­­O professor vivia na sua herdade em Monforte, também no Alentejo, a uns 75 quilómetros de Évora.
Ía para a Escola de Regentes Agrícolas, na Herdade da Mitra, às segundas feiras à noite, e regressava a casa quinta, ao fim do dia.

O “Colégio Velho” – Uma jóia
Onde está a capela e o claustro do antigo Convento do Bom Jesus de Valverde

Sempre de autocarro entre as cidades, tomava o seu cafezinho da noite no vetusto Café Arcada, e depois ia procurar o taxista favorito, o Zigoni, que tinha, no final dos anos 40, um belo Plymouth cinza. Atencioso, levava-o à Mitra, mais 12 quilómetros, e como nem sempre o professor levava a esposa, sempre o Zigoni perguntava se a senhora estava bem. Aquelas amabilidades triviais.
- Ficou muito bem obrigado!
Alguns quilómetros andados...
- Pára aí, Zigoni. Volta atrás. Esqueci a minha mulher no Café!
Voltaram; a senhora, que conhecia bem o marido não estava preocupada!
Era professor de hidráulica, mecânica e máquinas agrícolas, três das disciplinas que eu mais gostava e, sem querer fazer figura, sempre tirava notas altas, e foi por aí que segui a minha vida profissional.
No último ano em que tínhamos simultaneamente “conhecimentos” gerais, como matemática, também era ele o professor.
Aproximava-se o fim do ano lectivo e, como sempre existe, alguns colegas estavam mancos nalguma disciplina e arriscavam-se a perder o ano. O José Carrilho era um deles. Um tio deste, irmão de sua mãe, de sobrenome Gueifão, também fazendeiro e amigo do professor, foi-lhe dizer que o sobrinho estava mal... e pedir uma mãozinha. O bondoso professor disse que ia fazer o que pudesse.
Quando chegou a Évora andou a procurar na caderneta e não encontrou nenhum Gueifão. Foi perguntar ao Diretor, com quem eu estava nesse momento.
­- Quem é o Gueifão? Um tio deste, e meu amigo veio pedir para ver dava uma mão ao sobrinho, mas não encontro nenhum Gueifão!
O Diretor riu-se, todos conheciam bem aquela figura simpática, e eu disse que devia ser o José Gueifão Carrilho, do meu ano.
- Parece que o rapaz está mal em matemática.
­Eu sabia que sim, que estava, e o Zé Carrilho que era todo “macho” já encarava o perder o ano com a mesma disposição com que encarava os touros que pegava, e era um grande pegador.
- O que podemos fazer por ele?
- O senhor engenheiro dá-me duas ou três questões que lhe queira pôr numa aula, para tentar levantar a nota, eu vou meter-lhe na cabeça que eu sei que é tradição o senhor sempre perguntar isso, vou pegar nele ensinar-lhe a solução dessas fórmulas, e daqui a uns dias eu lhe digo quando ele estiver pronto.
-Boa idéia; concordou o professor.
Meter isto na cabeça do colega Carrilho foi duro. Ele era macho e teimoso, e eu nem sequer tinha físico suficiente para lhe bater!!! Mas não o larguei. Ele dizia que não era capaz, eu dizia que sim, lutámos durante uns dias, convenci-o a não estudar outros programas da matemática, e quando vi que estava apto disse-o ao professor.
Na aula. O professor queria mesmo ajudá-lo mas, para variar, tinha já esquecido que o nome dele era Carrilho e não Gueifão. Abre a caderneta, vira umas páginas como quem procura um nome ao acaso para chamar ao quadro, sabendo que só tinha um objetivo, chama:
- Gueifão!
O Zé Carrilho, levanta-se, devagar, apavorado, como quem sai da tumba, e fica hirto.
- És tu, o Gueifão?
- Não... não! Falto.
Os colegas não aguentaram o riso. “Falto” jamais se tinha ouvido!
No fim da aula, todos tinham saído, fui falar com o professor. Eu tinha-me comprometido.
- Então o gajo faltou? (Usava muito o termo gajo, apesar de ser educadíssimo!)
- Não senhor engenheiro. Foi aquele que se levantou e disse “Falto”!
- E agora? Foi a última aula. Mas ao menos ele aprendeu o que lhe ensinaste.
- Aprendeu sim. Pode dar-lhe o 10 que ele precisa.
- Vou pensar nisso.
Deu-lhe o 10, o Carrilho passou de ano, e só uns 30 anos depois, quando juntámos os colegas do curso, é que eu lhe contei esta história! Creio que ele não acreditou muito nisto!
Já no fim do curso prova escrita de Hidráulica, uma das cadeiras minhas preferidas, e em que tinha sempre a melhor nota de todos (não é gabarolice; em Entomologia... eu tinha uma das piores!).
Faço a prova muito rapidamente e atrás de mim o José Ravasco cutucava-me para lhe passar o ponto porque ele estava quase a zero!
Consegui escrever tudo num pedaço de papel, passar-lhe para trás, sem o professor ver, o que é óbvio, entreguei a minha prova e saí.
Esperei pelo Zé Ravasco.
- Passaste tudo? Tiveste tempo?
- Tudo. Tens a certeza que estava tudo certo?
Tinha. Aguardámos as notas. Eu sempre tinha a melhor nota, estava mais do que tranquilo. Ele nervoso.
Para espanto de ambos o Zé Ravasco teve uma nota melhor do que a minha!
Muito rimos com esse desfecho. Pela vida fora, poucas vezes nos encontrámos mais, por causa da minha vida de imigrante constante. Mas sempre falámos nisto. E ele fazia questão me dizer:
- Eu era melhor do que tu em Hidráulica!
Saudade. Muita. Dos colegas e de praticamente todos os professores, neste caso do
Engenheiro António José Sardinha de Oliveira
De quem sempre lembro com saudade, admiração e carinho.


Página dedicada a este professor no livro de fim do Curso de 1951. Tinha o professor 39 anos!

27/01/2015



terça-feira, 19 de janeiro de 2016




A Terra de Ver-a-Cruz


Cá estamos na Terra de Ver-a-Cruz e não na Terra de Vera Cruz.
Em primeiro lugar porque o nome que lhe puseram, inicialmente, vem do facto, ou fato, de ter sido fixado e divulgado o nome da pequena constelação a que se chamou de Cruzeiro do Sul, só visível, para quem vem do hemisfério norte, quase em cima do Equador. Foi um médico e astrônomo que vinha com Pedro Álvares Cabral, João Mestre, judeu, que a desenhou numa carta em 1500, e como logo a seguir “encontraram” esta terra de “boa gente”, entrou nela a Cruz, de Cristo.
Na falta da Ursa Menor e da sua maravilhosa Estrela Polar que durante tantos séculos orientou os atrevidos navegadores, o Cruzeiro do Sul passou a indicar o Sul... mediante um pequeno cálculo.



Uns “pesquisadores” dizem que já era conhecida na antiguidade. Não no mundo ocidental. Plínio em homenagem ao Imperador Augusto (todos eram augustos!) deu o nome de Thronos Caesaris a uma constelação que, dizem, seria o Cruzeiro, mas impossível de ser vista de Itália; há quem diga que se via do Egito. Só se fosse no Alto Egito, bem lá nos confins do atual Sudão. Al-Biruni refere uma estrela que se via da Índia, Sual (a trave da cruz), mas não pode ser alguma estrela da Cruzeiro do Sul.
Um dos primeiros a ver e utilizar esta constelação nas navegações deve ter sido Diogo Cão, que em 1497 chegou até à Ilha de Anobom, e no ano seguinte ao Congo. E com certeza Bartolomeu Dias. Enfim.
É desta constelação que se dá o nome a esta terra: Terra de Ver-a-Cruz e não de Vera Cruz, até porque não há, nem nos céus nem na religiosidade da terra, uma false crucis, o que, em segundo lugar, é óbvio!
Mudaram depois o nome para Brasil! Um pau. A única mercadoria que durante anos daqui saiu!
Mas o que por aqui ficou foi uma enorme cruz que cada vez mais este povo carrega nas costas, mesmo guardando forças para festejar o carnaval, beber umas e outras e.... aguentar até à exaustão, o que os corruptos e ineptos desgovernantes têm feito, eles, que não sabem para que lado é o Sul, nem o Norte. Só conhecem o caminho da grana no bolso.
E assim, para que se saiba quão maltratada é esta Terra de Ver-a-Cruz (cruz às costas de cada um) aqui vão uns números terríveis, assustadores.
1.- Desemprego: só em 2015 foram 2,6 milhões de trabalhadores para a rua! O desemprego que era estável em 5%, ou menos, está a passar os 9%.
2.- O aparato estatal custa, aos carregadores da cruz, 40% do PIB. (R$ 223 bilhões por mês, ou 7,3 bilhões por dia ou 306 milhões por minuto) Não há Cruz nem Cristo que aguente.
3.- A dívida interna ultrapassou os 60% do PIB e deve chegar, em 2017 a 80%. Com a taxa Selic, a taxa básica de juros (regida - ? - pelo Banco Central) a 14,25%, e ameaças de aumentar, a arrecadação fiscal não vai conseguir pagar as despesas do governo e o juro da dívida! E os investimentos? Nem sonhar se pode.
4.- O PIB de 2015 alcançou a dolorosa cifra de 3,63% (atenção: negativo) em relação a 2014.
5.- O nível de impostos caminha para chegar aos 40% do PIB – mais que a Alemanha e outros países “pobres”.
6.- Só nesta semana as ações da Petrobrás, que chegou a ser uma das mais poderosas empresas do mundo, caíram 17,54%. Em maio de 2008 valiam R$ 43,66. Agora só valem agora R$ 4,00, prevê-se que cheguem a R$ 3,50. Além do roubo estratosférico que foi a compra da refinaria de Pasadena nos EUA, também comprou no Japão uma outra por US $ 350 milhões, a seguir investiu mais 111 milhões e... agora está inativa. (Tudo, quando a vaca era a chefe do cão-celho de administracão, o órgão único que poderia decidir investimentos!)
Este ano enquanto a Exxon desvalorizou0,47% e a Petro China a4,24% a desta terra... 28,57%
7.- A Bolsa de Valores já está abaixo do nível de 2009.
8.- Deixou-se de vacinar a população contra a dengue; diz o ministro porque é caro. É mais barato enterrar os doentes.
9.- A companhia aérea GOL perdeu 90% do seu valor desde 2011.
10.- O movimento geral das companhias aéreas, caiu, dede Agosto 7,5%. Vão despedir, no mínimo, mais 2.400 empregados.
11.- A venda de carros, que o gangster sapo barbudo dizia que todo o mundo ia comprar, vendeu, em 2015, menos 1 milhão de carros que em 2014. E as previsões são tão negras que a indústria já demitiu, em 2015, 14 mil trabalhadores, 2 mil estão para sair, mais de 35 mil estão no programa de Proteção de Emprego (salário e jornadas menores) e nas indústrias de máquinas e equipamentos mais de 40 mil já perderam seus empregos.
12.- O ensino continua brilhante: no exame do ENEM, para se classificar para a universidades, 53.000 alunos tiraram nota 0 – zero – em redação, e 50% dos 1,5 milhões que prestaram exame não alcançaram a nota média. Não faz mal: vão ser advogados na mesma! No entanto, para espanto, há umas escolas públicas lá... no Nordeste onde o Judas perdeu as botas, que têm os melhores alunos de matemática do país. Parabéns a eles e às/aos professores.
13.- Mas não há problema; podem vir de todo o mundo para o carnaval, à vontade. Nunca houve tanto bilhete e camarote vago, ainda à venda! E os assassinatos não vão aumentar com o turismo.
14.- Mas cuidado com o consumo de luz: o preço da energia aumentou 70%, o diesel está 55% mais caro que a média mundial, a gasolina 22% (e já se ouviu dizer que esta Terra de Ver-a-Cruz, exporta gasolina, e até há poucos anos ofereceu um navio tanque à Venezuela).
15.- E se quiserem ir ao Corcovado (quem não quer?) preparem-se para chegar a estar 6 horas na fila (ou na bicha) para conseguir ingresso.
Para terminar uma pérola de filosofia bancária, sobre a nobre situação do país:
O (ilustre) presidente do Banco Central (do Brasil, é claro), Sexa Alexandre Tombini, incluiu a seguinte charada na carta que enviou ao ministro da Fazenda sobre o estouro da meta da inflação:
"O Banco Central entende que o processo de ajuste macroeconômico em curso, intensificado por eventos não económicos, contribuirá para uma dinâmica menos pressionada da inflação, ao auxiliar na quebra da resiliência de preços. Em termos do conjunto de indicadores de ociosidade da economia, nota que medidas convencionais de hiato do produto encontram-se em território desinflacionário, em linha com a evolução recente da atividade - menores que as estimativas de crescimento potencial da economia"
O doutor não tinha o que dizer e nada disse. O trivial neste desgoverno.
Deve ter estudado na mesma escola com a presidenta desta terra e a presidenta do Tribunal Constitucional de Portugal.
Como sabem, o Deus, que já foi brasileiro... mandou-se daqui.
Está láaaaa... para trás das constelações.
A chorar!

16/01/2016

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016



O velho Racismo


A entrevista que se segue foi publicada num jornal do sul da Austrália, há cerca de seis meses, que reproduzimos sem ter pedido autorização. 
A um português que para ali foi quando saiu das colónias em 1973, pressentido já que tudo ia acabar mal.
Agora na faixa dos oitenta anos, começou por lembrar à entrevistadora, Monique Johnston, que não tinha sido colono, não ocupou terras, não foi funcionário público, não fez a chamada guerra colonial, limitou-se a viver em África, com a família, por mais de vinte anos, trabalhando em indústrias. Teve quatro filhos, uma casada com um australiano, e três homens, um vive perto dele em Melbourne, um no Brasil e outro nos Estados Unidos.
A vida correu-lhe bem e hoje, aposentado, viaja através do mundo para estar com os filhos, quando aproveita para tentar entender a razão dos conflitos a que está constantemente a assistir.
Engenheiro, sempre se interessou pelas relações com o pessoal seu subordinado, e sobretudo pelos problemas de “raça”, que desde África lhe parecia, pensava, ter compreendido como conviver.
A entrevistadora não indicou o nome dele, distingui-o somente com duas letras VA, que explica assim: “Vim de África”!
MJ (Monique Johnston) – Como já falámos, o nosso tema para a conversa é o racismo. Pode começar por contar-nos um pouco como foi o começo do seu contato com os africanos?
VA – Não posso dizer que tenha sido uma surpresa, porque desde sempre, até em Portugal onde nasci e de onde saí, sempre houve escalões nas sociedades. Sobretudo nas cidades principais esses escalões eram definidos pelo poder económico das pessoas, como o casamento entre os descendentes de grandes fortunas, pela classe média alta, os trabalhadores braçais ou operários, etc. De uma forma geral estes grupos eram e são, relativamente fechados.
Em África havia algo semelhante: os quadros superiores das empresas, os conterrâneos emigrantes, a classe média operária de origem europeia e os africanos. Não que isto envolvesse exatamente um racismo, mas do mesmo modo que um diretor de empresa, em qualquer lugar da Europa, América ou aqui, não convida para jantares em sua casa os operários mais simples da sua empresa, a convivência com os africanos mais simples era semelhante.
MJ – Então o contato com os nativos era só formal?
VA – Nem pensar. Havia muitos com educação e cultura que eram recebidos em nossas casas. Penso ainda muito em alguns padres, de pele muito escura que eram nossas visitas habituais, e com quem nos dávamos muito bem. Além disso havia uma classe, importante, de mestiços, em ocupações de destaque tanto na administração pública quando privada.
Eu mesmo tive um chefe de secretaria, mestiço, que muita vez esteve em minha casa. Não era um amigo, mas volta e meia aparecia e bebíamos uma cerveja juntos.
MJ – Mas havia algum racismo, porque até hoje os africanos falam nisso, ou acha que não?
VA – Evidente que havia, mas foi sobretudo um racismo criado pelo sistema colonial, pelos governos das metrópoles, que ao pretenderem manter essas populações com o mais baixo nível possível, imaginavam que assim lhes causariam menos problemas e teriam um custo de trabalho mais baixo quando não... quase escravo. Além disso mesmo em Portugal, a política durante mais de meio século, era igual. E também, como em todo o lado, havia muito colono, bruto, inculto, que tratava mal o pessoal. E isso tem uma explicação simples: o medo!
MJ – Alguma vez o senhor se sentiu ameaçado por ser branco?
VA – Nunca. E olhe que percorri o interior de vários países, muitas vezes sozinho no meu carro. E regra geral era muito bem acolhido pelos camponeses, a quem até hoje estou reconhecido.
MJ – E os mestiços, como reagiam?
VA – O problema maior, e vou-me referir só a Angola e Moçambique começa com a República, em Portugal em 1910. Com uma ganância imensa, o governo central de Portugal, decidiu começar a substituir, em lugares de destaque na função pública, como Fazenda e Administração do Território, pessoas das famílias tradicionais, quase todas mestiças, por funcionários mandados de Lisboa. Isso teve várias consequências graves: por um lado, uma sensação de abandono dos angolanos natos, e por outro um quase incentivo à corrupção e aumento de desentendimento entre uns e outros que culmina, já nos anos 50, com os quadros de todos os “matizes” de pele a se rebelarem contra o governo central e daí a luta pela independência.
MJ – A história relata constantes lutas entre os nativos e os, chamemos-lhes, invasores. Como foi?
VA – É uma falácia dizer que Portugal “ocupou” as antigas colónias africanas durante 500 anos! Pior ainda quando diz que as colonizou. É verdade que logo de início os contatos tinham como objetivo o comércio e a cristianização. Mas logo situações complicadas obrigaram a tomar partido em lutas internas e a partir daí começam a querer “governar” as populações, que nunca aceitaram! Lutas, guerras que, essas sim, duraram 500 anos! Sobretudo em Angola e Moçambique.
Sacrificaram-se milhares e milhares de vidas, de parte a parte, atrás de quimeras como a prata em Angola e o ouro em Moçambique!
MJ – E durante a guerra colonial como era o contato com os nativos?
VA – Nalguns lugares era perigoso, até mesmo inviável entrar nalgumas zonas, mas na maioria dos territórios os povos sabia que não era contra os portugueses que lutavam, mas contra o sistema colonial.
MJ – Voltemos ao racismo. Os africanos ainda olham para os portugueses com maus olhos?
VA – Por muito incrível que pareça, o que se tem visto é que preferem ter lá portugueses do que indivíduos de qualquer outro país! Nós não os segregávamos por serem desta ou daquela cor de pele, enquanto que, por exemplo, ingleses, altamente esnobes, os tratavam como seres inferiores. Desprezavam-nos. Veja o que se passou por exemplo aqui na Austrália onde os governos chegaram a retirar crianças aborígenes de suas famílias, para os criarem longe das suas raízes, como fizeram até há bem pouco tempo, também no Canadá.
A propriedade das terras tradicionais (chamadas native title) não era reconhecida até 1992, os aborígenes continuam com taxas superiores à média de prisão e desemprego, além de baixos níveis de escolaridade e expectativa de vida.
Nos Estados Unidos os “pilgrims” começaram por caçar nativos como quem caçava bisontes, e ainda hoje a segregação é vergonhosa, para com os índios, latinos e sobretudo os chamados, eufemisticamente afro-descendentes.
MJ – A que o senhor atribui essa diferença entre portugueses e ingleses?
VA – Ao modo como cada um interpretou o cristianismo! Os católicos, complacentes, condenando o lucro desmedido, começaram por tratar os chefes africanos como reis, irmãos do rei de Portugal, a quem este enviava oferendas e, à moda da época, dava títulos de nobreza aos familiares! Inúteis os títulos, eram uma deferência, e mas ninguém mais fez isso. Talvez tivesse achado inútil  ou grotesco, mas de qualquer modo era uma distinção. 
Os ingleses, puritanos ou calvinistas, visavam o lucro e a total independência do rei de Inglaterra. As leis foram eles que as fizeram a seu bel-prazer nas novas colônias, tanto nos Estados Unidos quanto aqui, sem se importarem com qualquer um que fosse o Outro.
Os portugueses podem ter cometido, e cometeram, muitos erros, mas tinham que prestar contas ao rei, e muitos governadores foram punidos e até enviados sob prisão para Portugal.
MJ – Segundo a sua visão do problema, como imagina que se pode acabar com o racismo?
VA – Essa é pergunta mais difícil que tive que encarar toda a vida! Mesmo quando tinha que resolver problemas de engenharia complicados, nada se compara com isso! Mas vamos lá.
Em primeiro lugar está a educação. Se não se der a mesma oportunidade de educação a todos haverá eternamente os eleitos e os outros, os sub qualquer coisa.
Depois uma legislação e um sistema jurídico de completa isenção, que é o que hoje, nos Estados Unidos estamos a ver que não existe! Lá é muito difícil para um juiz, ou para os jurados, condenarem policiais.  Há um medo imenso em retaliações, sobretudo nas pequenas cidades do interior. Em cidades dominadas pelos tais afro descendentes, ricos, com o mayor e a polícia toda com gente de sangue africano, parece que ainda é mais difícil, mesmo que o réu seja da mesma cor.
O sonho americano é enriquecer. Atropelar o Outro se necessário. Criar seitas tipo KKK e leis como a de Linch que continua a vigorar desde 1837. Mas nada que atrapalhe o tal Sonho que tende a desmoronar.
Veja o que se passa na política: implantar por exemplo o programa de saúde para todos como quis o Obama, não é possível. Cheira-lhes a socialismo e isso é pior do que dor de dentes!
Socialismo para os americanos significa reduzir-lhes a perspectiva de ganhos para os distribuir a quem ganha menos! E em se tratando de brancos e negros...
MJ – E no Brasil?
VA – O problema do Brasil é a série de governos incapazes que, à moda soviética, querem impor o “politicamente correto”, e têm criado problemas nas relações entre as pessoas. Ao mesmo tempo é a imensa falta de educação e cultura, a todos os níveis, mas sobretudo no ensino primário.
Além disso o caso dos bairros miseráveis, as favelas, onde vive a maioria da população pobre nas cidades, lugares dominados pelo tráfico de drogas, e onde há, praticamente todos os dias, tiroteio entre traficantes e polícia. O Brasil há já mais de dez anos que contabiliza cerca de 50.000 assassinatos por ano! É o único país do mundo onde isso acontece.
O que lhe vale são os estupendos jogadores de futebol, ídolos, na sua maioria negros ou mestiços.
MJ – A mídia de todo o mundo diz que é perigoso ir ao Brasil. Porque?
VA – A estatística! 50.000 assassinatos por ano é pior do que a guerra no Média Oriente! Mas há dois anos ninguém, mundo fora, falava nisso. Agora é manchete.
Qualquer pessoa pode, à vontade, entrar num bar dessas áreas dos subúrbios, beber um café ou uma cerveja, sem que seja minimamente incomodado. O que não pode é meter-se entre a guerra do tráfico com a polícia!
MJ – O senhor tem um filho no Brasil. Como ele encara a vida nesse ambiente?
VA – Ele está lá há quase trinta anos. Casou com uma brasileira, tem três filhos já na universidade, e nunca teve problemas, nem com polícias nem com marginais. Mas, como é de supor toma as suas cautelas. Não se pode dizer que seja um país de segurança total, mas não é preciso fugir de lá!
MJ – Acho que temos que fazer uma breve síntese desta conversa. Com o senhor resumiria o problema do racismo? O que é necessário que se faça?
VA – Educação, desde o berço, cultura e justiça. Igual para todos.


14/01/2016

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016




Benguela e arredores

Anos 50

Vamos começar 2016 com recordações, de tempos passados, estas com mais de sessenta anos, antes que esqueça! Os neurónios estão muito gastos, e o HD dos miolos... cansado, com uns quantos bugs. Máquina com muito uso, folgas mecânicas e apagões sensoriais, tirar dela coisas “velhinhas” tem que ser quando, como por encanto, surgem.
Tarde de uma sexta feira aparece na Lusolanda, na velha e morena cidade, um agricultor pedindo assistência técnica a uma máquina agrícola que tinha na sua fazenda, no interior, lá para as bandas de Quilengues, a cerca de duzentos quilômetros da linda (e muito saudosa) Benguela.
Era preciso lá ir, sempre acompanhado do indispensável ajudante, cujo nome, infelizmente está esquecido, mas não o seu afável caráter e sempre boa disposição.
Avisar em casa que ia passar uma ou duas noites fora, embarcar naquele velho e incómodo furgão Renault Savane, já o sol a esconder-se na Praia Morena, aí vão os três, o ajudante, o agricultor e o técnico.
Pouco depois de sair da cidade tinha que se atravessar uma zona, grande, um areal com alguns poucos quilômetros, onde todos os motoristas preferiam abrir uma pista nova para não roçarem com a barriga do carro no chão, rodando nas pistas já abertas na areia. Havia dezenas de pistas e cada um escolhia aleatoriamente uma que lhe “parecesse” a melhor para não se enterrar, e que o levasse ao destino.
No Sul de Angola só havia uma amostra de estrada asfaltada entre as cidades de Benguela e Lobito. Tudo mais eram picadas. Umas razoáveis outras... Deus sabe.
Daquele areal saíam duas picadas: uma que um pouco adiante virava para o interior e outra que seguia para o sul, para a Baía Farta, e Dombe Grande.
Já noite era preciso muita atenção para não entrar no caminho errado, que foi exatamente o que aconteceu!
Desconfiado por sentir que não tinham virado para Leste, onde já deviam estar a começar a subir para o planalto, mas não querendo correr o risco de andar para trás e para diante até se perder de todo, o melhor foi seguir em frente até encontrar alguém ou alguma coisa que identificasse onde se estava.
Continuaram um pouco mais para Sul até que viram três homens que caminhavam em fila, com aquela paz que só os africanos eram capazes de imprimir ao seu ritmo de vida.
Pararam. “Boa noite” – “Boa noite” – “Esta picada vai para Catengue ?” – “Sim senhor, patrão. ” A resposta não agradou porque estavam certos de se terem enganado. Mas...
“E não vai para o Dombe ?” – “Sim senhor, patrão.”
Difícil! O “sim senhor, patrão” significava simplesmente que tinham ouvido a pergunta. Como quem fala no rádio e responde à comunicação de outros: “Roger, roger”, que quer dizer “ouvi”!
Pergunta a seguir, meio idiota, para quem falava com africanos simples do interior: “E até ao Dombe é longe? ” - “Sim, patrão”. Deviam ser uns vinte quilómetros! “Mas não é perto? ” - “É pelto sim, patrão.”
“Então? ” – “Aha, é pelto, mas é longe. ” 
Tiveram que interpretar aquele filosófico diálogo. Primeiro, como calculavam, estavam no caminho errado. Pura dedução. Mas o “é perto, mas é longe” envolve uma mensagem admirável: “Para quem vai de carro, é perto, para quem caminha é longe. ” Brilhante. Grande lição.
Depois disto, voltaram para trás e apanharam então a saída certa e não tardou a aparecer a subida da serra.
Chegaram ainda a horas de comer um belo jantar em Catengue, onde as estradas-picadas de dividiam: uma sempre para leste, a outra para o sul onde estava o ambicionado Quilengues.
Catengue era um posto de abastecimento de lenha para os comboios do Caminho Ferro de Benguela, que faziam Lobito até Teixeira de Sousa, hoje Luau, um total de 1344 quilómetros, e que depois segue pelo Congo, etc. até chegar a Moçambique.
Já com um clima agradável, a um pouco mais de 600 metros de altitude, ali havia uma casa comercial com uma pequena pensão, um restaurante onde se comia bem e bom, e o dono tinha, além de bastante gado que pastava por larga terra que não faltava, dentro de forte cercado de madeira, feito com toros grossos, um enorme búfalo macho, recolhido quando filhote. O bicho era lindo, enorme, e quando alguém se aproximava do cercado ele ia encostar-se à cerca para que lhe fizessem festas naquele forte e grande corpanzil. Chamava-se Bonifácio.


Um parente do Bonifácio

O dono dava-lhe comida suficiente e o bom do Bonifácio vivia tranquilo, sem perturbar ninguém.
Mas, depois de adulto, todo o ano em época certa, ele começava a alargar as narinas e a ficar mais nervoso. Pelo ar chegava-lhe, de quão longe nunca alguém apurou, o cheiro de fêmeas no cio.
Bonifácio não era macho para que alguma fêmea botasse defeito e ele devia saber isso bem.
No momento que considerava próprio, uma pequena marrada no “fortíssimo cercado”, abria uma saída e sumia. Ia ter com as beldades da sua espécie. Ficava ausente uns quantos dias e depois de ter cumprido as suas obrigações de macho forte e bonitão, regressava ao tranquilo lar do cercado. Vinha um pouco abatido, mais magrito, mas certamente deixara o seu gene nalgumas bonitonas.
A seguir o dono do posto tinha que reparar o “forte cercado”!
Comia-se bem no simplório restaurante de Catengue. Não faltava nada.
Alguns anos mais tarde novamente jantar em Catengue, desta vez fazendo cabo a Benguela, um francês como pouco mais do que carona, que se viria a revelar um f.... Poucas mesas e clientes no restaurante, portas abertas para fora, para que entrasse, e corresse, aquele fresquinho maravilhoso.
O francês a 90° graus da porta e o “cicerone” bem de frente para a dita.
O jantar com certeza era bom, acompanhado da indispensável garrafa de vinho, tinto, apesar de ambos estarem em serviço da Cuca.
Os copos cheios, ou a mais de meio, com vinho, de repente entra voando em velocidade quase super sónica, uma cigarra ou um grilo ou até um matrindindi, que bate com força na testa do “cara” da Cuca! Até doeu. Com o ricochete o bichinho cai dentro do copo de vinho, vibra intensamente, as asas ou o abdômen, de tal forma que, até esgotar o vinho e morrer bebedíssimo, com a vibração estridente espalhou o vinho por todo o lado.
Em cima da mesa, nos pratos do saboroso bife com batatas fritas e sobretudo sobre os dois comensais de camisas brancas, que levaram um chuveiro de vinho tinto!
Pobre cigarra ou matrindindi. Deve ter morrido feliz. As camisas foram depois para lavar.
Perdeu-se um bom copo de vinho, mas ganhou-se uma história que sessenta anos depois só amarga pela saudade!

01/01/2016