quarta-feira, 20 de junho de 2012



Histórias da História - 2

Angola * A Rainha Jinga



Parece que a Rainha Jinga (ou Ginga) não carece de apresentações. Mas há alguns detalhes da sua vida que são muito interessantes de recordar.
A história desta Rainha começa com a morte do mais temido adversário dos portugeues, seu pai Ngola Kiluange. Ngola Mbandi ou Mbondi, filho de uma escrava, para se segurar no trono matou o meio irmão que seria o legítimo herdeiro e um sobrinho, filho de Jinga, o segundo na linha, e torturando e matando os que se lhe opuseram, conseguiu levar os Macotas - conselheiros - a entregarem-lhe o trono.
O reino de Ndongo vivia um momento de relativa tranquilidade, mas o novo rei logo se dispôs a mais uma vez atacar os portugueses. Preparou um imenso número de guerreiros e decidiu atacar os pequenos núcleos de comerciantes que estavam no “seu” território. Derrotado, fugiu, cada vez mais para o interior, até que novo governador chegou a Luanda, João Correia de Sousa. Este entendeu que não se devia estar em guerra com os reis Ngola, e mandou recado ao rei negro, pelo padre Dionísio Faria Barreto, “filho da terra e eclesiático categorizado”, para que com ele entrasse em relações pacíficas, sob algumas condições.
Ngola Mbandi não aceita as condições propostas e decide enviar uma delegação para negociar, em Luanda, o tratado de paz.
Daqui nasce, em 1622, a célebre embaixada presidida por Njinga Mbandi, que teve em Luanda uma recepção imponente: magistrados, altos funconários, religiosos e militares a receberam, passando entre alas de tropas que lhe abriam o caminho e a festejavam com tiros de mosquete, até à casa de Rodrigo de Araújo que lhe foi entregue para se instalar, sendo assistida pela Fazenda Real com a decência e grandeza que exigia o Caracter de sua Pessoa, e da sua comissão.
Esta maneira de receber um chefe indígena, aliás a irmã do chefe, que ela odiava por este lhe ter assassinado o filho, retrata de forma insofismável a maneira de estar dos portugueses em terras estranhas.
Não era hábito disporem-se cadeiras para receber os chefes indígenas porque estes sempre se sentavam no chão. Quando, uns dias depois o governador a recebeu em audiência no palácio, houve o cuidado de terem posto à disposição da Jinga uma bela alcatifa e duas almofadas de veludo franjadas de ouro, o que demonstrava já uma alta consideração pela visitante. Jinga altiva e orgulhosa, ciente da sua hierarquia, deu aquele espetáculo marcante quando, para não se sentar no chão, chamou uma das suas escravas e sentou-se nas suas costas, o que a todos causou profunda admiração. Mais ainda quando a ouviram falar e ver uma mulher discorrer com grande desassombro, delicadeza, polidez e galhardia! Alguns chegaram a atribuir tal eloquencia a coisa sobrenatural!
E quando o governador lhe apresenta as condições que o Ngola Mbandi devia aceitar para que as pazes fossem feitas, entre elas que ele reconhecesse a soberania portuguesa com o sinal de um tributo anual, Jinga prontamente, e com grande vivacidade, respondeu que tais condições só deveriam impor-se a quem tivesse sido conquistado, e nunca a um Princípe Soberano, que voluntáriamente buscava a amizade de outro igual.
Tão bem ela conduziu a negociação que a única condição para o estalecimento da paz foi a obrigação da entrega dos escravos aprisionados aos negociantes, e a recíproca assistência de forças e hostis preparativos contra os inimigos de uma e outra Coroa.
No final o governador acompanhou a Jinga até à porta do salão; e quando lhe “lembrou” que a escrava tinha ficado no chão, Jinga respondeu que a uma pessoa da sua qualidade não lhe era lícito tornar a usar o mesmo assento.
Estas sublimes delicadezas de juízo, de respeito e altivez lhe votaram tal estima e respeito que o governador aproveitou para lhe falar da religião Católica, e como Jinga se mostrasse interessada em saber mais sobre os mistérios da Fé, pediu que a instruissem. Nao tardou a pedir para ser batizada.
 

Aos quarenta anos de idade, em sumptuosa solenidade e concurso de toda a nobreza e povo, sendo padrinho o governador, tomou o nome de D. Ana de Sousa.
Quando entendeu voltar à Corte de seu irmão, mandou-lhe o governador magníficos e brilhantes regalos, despedindo-a com iguais cortejos, honras e obséquios com que fora recebida.
São unânimes os historiadores a classificá-la como pessoa de fulgurante mentalidade, verdadeira e genial revelação de superioridade intelectual.
Ngola Mbandi parece ter gostado muito do trtamento dispensado a sua irmã e ainda se animou com a nova religião que ela levava.
Pediu ao governador que lhe mandasse um sacerdote que o pudesse instruir. Animado por esse crescer de boas relações, o governador mandou-lhe o mesmo sacerdote, que o Ngola desprezou vociferando que o filho de uma escrava não lhe poderia administrar o batismo, nem afrontá-lo como de igual para igual e mandou que o deitassem fora dos seus Estados.
O governador decide reparar esta afronta e nova batalha se dá. Ngola Mbandi foi batido, fugiu e refugiou-se numa das ilhas do Quanza. Jinga aproveitou a oportunidade há muito aguardada e mandou que lhe dessem veneno. A partir daí Jinga assume o reino, manda buscar o filho de Mbandi, que mata também e lança o corpo ao rio Quanza onde os jacarés se alimentavam!
A rainha, para não ficar em situação de inferioridade perante os homens exige que a tratem por Rei!
Belicosa e ambiciosa, decide atacar outros sobados que estavam sob a proteção dos portugueses. Nova guerra, desta vez contra a própria Jinga que igualmente, e muito habilmente foge e se embrenha no interior.
Neste recontro são aprisionadas as suas duas irmãs, Cambe (Mocambo) e Funge (Quifunge). Conduzidas à presença do governador, agora Fernão de Sousa, este as recebe com muita estima e hospeda na mesma casa onde estivera sua irmã. Catequisadas, foram batisadas com os nomes de Bárbara e Engrácia, tendo por padrinho o governador, e depois enviadas com muitos presentes a sua irmã, a Rainha.
Em 1641 os holandeses ocupam Luanda, e havendo já tratados de paz entre Portugal e Holanda essa ocupação deveria dar-se de forma “quase amigável”!
Engano; os holandeses pretendiam correr definitivamente com os portugueses daquelas paragens, com a ganância do exclusivo do tráfego de escravos para o norte do Brasil, também por eles ocupado e para outras áreas do Caribe.
Os portugueses refugiam-se no interior. E Jinga, sempre hábil, vê nos holandeses a possibilidade de vencer os portugueses, e a eles se junta. O número de soldados holandeses é muito superior ao dos portugueses, mais bem equipados de mosquetes e munições, além dos milhares de negros que a Rainha reuniu. Mas acabam vergonhosamente derrotados, fugindo os holandeses desordenadamente pelo mato mais de uma centena de quilômetros até chegarem a Luanda.
Entre os prisioneiros volta, uma vez mais, a “Infanta D. Bárbara”.
Em 1648 Salvador Correia de Sá, chega a Luanda e expulsa os holandeses.
Poucos anos passam, e cerca de 1656, a grande Rainha Jinga D. Ana de Sousa decide reconciliar-se com a igreja, abandonando as suas crueis atrocidades cometidas com inimigos e prisioneiros. Escreve ao novo governador, Luis de Sousa Chichorro, dizendo que no tempo de outro Sousa ela se convertera à Fé de Cristo que entretanto desprezara, e em tempo de outro Sousa, se redimia com inalterável observância. Ao mesmo tempo pedia que lhe restituissem a sua irmã, D. Bárbara, há dez anos retida em Luanda.
O governador cheio de prazer lha mandou entregar, entre obsequiosos cortejos militares, e acompanhada até Matamba de alguns oficiais.
Sem mais abandonar a fé cristã, vive ainda largos anos esta mulher especial. Morre bem idosa, dizem uns que em 1663, Cavazzi escreveu que ela o quiz envenenar em Abril de 1664, e Elias Alexandre da Silva Correa indica a sua morte em 1683, na época de mais um governador também Sousa! João da Silva de Sousa. Afinal quando terá sido?
É notável, apesar de quase constantes guerras que os portugueses travavam no interior, levados a defender sobas amigos, ou a castigar outros que tendo rompido tratados de amizades assaltavam os comerciantes, o cerimonioso e obsequioso tratamento sempre dispensado a esta Rainha, o que desmente boa parte da propaganda sobre o “colonialismo” dos primeiros tempos, ou sobre os quinhentos anos de ocupação. É verdade que houve queixas, e muitas, de abusos. De uns poucos governadores que faziam guerra para se promoverem e de comerciantes que abusavam dum “poder” que não tinham.
Mas quem “ocupava” o interior eram os africanos. Os portugueses pagavam tributo para negociar com eles, e ninguém foi mais inteligente e hábil do que esta Rainha para garantir os seus direitos.


Fontes: Histórias de Angola: Elias Alexandre Silva Corrêa e Ralph Delgado.



19/06/2012



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