terça-feira, 31 de agosto de 2021

 

A  VIDA

 

A VIDA!

O que é a Vida? Quando começou? Qual a razão? Onde existem outras vidas? Sabendo-se que um dia o Sol se apaga e toda a Vida na Terra acabará, porquê e como se criou a Vida neste planeta? E por que não em outros, pelo menos que se saiba?

Se nos basearmos na Bíblia, em qualquer altura escrita por homens que nada sabiam da Vida, mas sentiam necessidade de criar uma história que justificasse a sua presença e “supremacia” entre tudo, logo nos chocamos com algumas incongruências.

A mais flagrante é a história de um Deus, que fez um boneco de barro e depois que lhe soprou o boneco se fez homem, com vida.

Mas como foi que, antes disso, Deus havia dado vida às plantas, aos animais terrestres, aos peixes, etc.? Também lhes soprou? Ou para essa “vida” tenha usado um truque mais complexo que os escritores bíblicos não conseguiram explicar. Criou vida, e pronto!

Os teólogos e os crentes arranjam para tudo respostas simples, e a maioria nem admite discussão. Respostas complicadas levam os “teólogos” a procurar argumentos cada vez mais fantasiosos. As simples, como por exemplo “foi assim”, deixam as pessoas mais confortáveis, sem terem que contestar, a maioria das vezes com medo de pensar.

O cosmos, imenso, sem princípio nem fim (?) não consegue dar-nos uma qualquer noção de tempo ou grandeza, menos ainda explicar-nos o “porquê”, o “como”, a “razão” da vida.

Aos humanos foi dada a faculdade de pensar, meditar (não todos!) e pouco mais concluímos que a vida tem a duração de um “flash”, um relâmpago, que assim que acende já se está a apagar! E no mesmo instante solta um tremendo dum estrondo, o tal trovão, como a vangloriar-se da proeza que acabou de praticar.

Nós, os humanos, que pensamos, filosofamos, não chegamos a qualquer conclusão, menos a mais óbvia: entendermo-nos!

E, como todo o ser vivo que nasce, cresce, vive e morre, nós vivemos assistindo a esse remanejar. Ao nascer somos acarinhados, criamos um vínculo que de tão doce chega a magoar-nos, e estamos inseridos num família. Crescemos, criamos novas amizades, algumas tão fortes que parecem ter raízes naquele barro do Adão, mas estamos permanentemente sob choques emocionais ao ver desaparecer a família, para cima e para baixo, e os amigos, e é cruel a vida para os que se demoram um pouco mais, porque são os que mais sofrem com as perdas de todos aqueles que, na realidade, eram a sua vida.

Aqui onde vivo, na periferia da grande cidade, a 100 metros de altitude, rodeado de mata e bastante da exuberância tropical, a vida fervilha à nossa volta. Vegetação, mamíferos, aves, insetos, repteis, todos correndo para aproveitar o pouco tempo que lhes foi concedido.

Há dias agonizada na área externa da casa uma abelha, grande. Não tinha ainda morrido, mas mal se mexia. Certamente havia cumprido o seus destino, procriar e colaborar na fertilização de plantas, e agora ali estava, imóvel, esperando o último momento, e esse pequeno espetáculo fez-me impressão. Fiquei a pensar na Vida, como é curta, que me levou a tentar filosofar sobre a finalidade de tudo isto.

Um constante renovar, uma lentíssima evolução, sobretudo da espécie humana, na materialidade e espiritualidade do que nos envolve.

Não sou ateu, nem para isso caminho, tanto mais que nem saberia definir o que será ateísmo, por muito que tente recorrer a dicionários, nem sou um crente religioso, apesar de já me ter dedicado, com bastante entusiasmo à Mensagem “Eu sou o Caminho, a Verdade, e a Vida”!, que hoje não vejo como uma mensagem religiosa, mas com a singeleza, e a imensa dificuldade, que estas poucas palavras encerram.

Trilhar o Caminho que cada um deve escolher para ser correto, só pode assentar na Verdade; não podemos permitir que uma mão se contente com o que outra faça de bem ou mal, muito menos que uma delas procure esconder que a outra eventualmente viva na ignomínia, na mentira.

Sem Verdade, não pode haver Vida. A Mensagem, vem-nos dizer com toda a clareza que Vida, assente na Verdade, é o encontro com a Paz e a Felicidade.

Os homens (e as mulheres!) é tudo quanto devem almejar nas suas vidas: a Felicidade.

E ninguém pode ser feliz ao comprar um iate de vários milhões de dólares e ao mesmo tempo ver na Tv, a miséria a fome e doença espalhadas pelos países do chamado terceiro mundo. E depois dar uns quantos milhares, que nada lhes custa, para uma obra social. É o caso de uma mão a tentar esconder a vergonha da outra.

Pouca gente pensa, mas em poucas palavras a Vida não é mais do um mísero lapso de tempo entre duas eternidades.

 

Ago/2021

terça-feira, 3 de agosto de 2021

 

O  SOLITÁRIO

 

Depois que me mandaram para casa, aposentado, velho imprestável, tenho saído pouco de casa, pelo menos para andar pelo bairro, e agora, bem menos. Uma das coisas que gosto de fazer é tentar uma conversinha com alguém, desconhecido, normalmente com vendedores ou vendedoras de lojas várias, e muitas vezes com gente, simples, que encontro no supermercado. Aconselho um vinho, peço orientação sobre o melhor peixe, e sempre recebo em paga um belo sorriso. Também não esqueço o que aprendi no primeiro terço do século passado: dar sempre prioridade a senhoras, ricas ou pobres, velhas ou mais novas, brancas e escuras.

À entrada ou saída, por exemplo do banco, portas rotatórias, sempre digo às senhoras: “primeiro as senhoras; foi assim que eu aprendi”! Se é gente humilde, a maioria do bairro, faz um sorriso que parece terem com isso, tão simples, ganho o dia!

Uma manhã fria, como tem feito aqui no Rio, desde há quase dois meses, sol bonito, em uma das minhas raras saídas de casa, sem que a pandemia tenha muito a ver com isso, mas mais a ver comigo que pouco tenho que ir xeretar lá fora, encontrei, mais de uma vez, um homem idoso, sentado na borda dum baixo muro, olhar longínquo e triste, sem nada mais fazer do que ali estar.

Gente, e muita passava por ele, alguns olhavam, outros nem o viam, mas se preocupava. Era normal ver gente apanhando um pouco de sol, nestes dias em que o frio nos fez parecer que estávamos no norte da Europa.

Roupa decente, via-se que não era um mendigo, não falava com ninguém, nada tinha nas mãos nem um jornal ou um folheto, e imaginei que ali estivesse à espera de alguém que tivesse entrado numa das muitas lojas daquela lugar, e segui em frente, mas com um peso dentro de mim que não sabia explicar.

No dia seguinte tive que passar no mesmo lugar e lá estava o homem. Mesma posição, mesmo olhar para lugar nenhum. Estava ali, simplesmente.

Fui buscar o resultado de umas análises a um laboratório e quando voltei continuava o homem, imóvel. Quase uma estátua.

Parei ao seu lado, nem me olhou.

Perguntei se estava bem, se precisava de alguma coisa. Agradeceu, disse que não precisava de nada.

Sentei a seu lado e comecei a “puxar” conversa, inclusivamente convidando-o para, mesmo ali em frente irmos tomar um café ou um suco de frutas. Podíamos nos sentar numas cadeiras. Gosto de conversar com esta gente, e por vezes aprendo muito,

Agradeceu novamente e disse que estava bem, para onde vinha habitualmente, quando o tempo permitia, e que o sol que fazia lhe estava a saber muito bem.

Fiz-lhe algumas perguntas como, se se estava a sentir bem, se precisava de ajuda, doente, idade, família, etc., a que ele foi respondendo com cortesia, parecendo que ia ficando mesmo mais animado, porque no seu olhar aparecia já algum brilho.

Conversa vai e vem, disse-me que tinha nascido no Rio, o pai era português da região das Beiras, estava com 89 anos, casara, teve vários filhos, todos espalhados pelo Brasil, e que hoje só um, desquitado, é que vivia com, ele, mas continuava a trabalhar. E ele, ficava o dia todo sozinho em casa. Quando o tempo e as pernas lho permitiam, saía para dar um giro, gostava daquele canto, gozando o sol que lhe sabia muito bem, coisa que raramente tem acontecido nesta cidade, que normalmente, mesmo no inverno, é quente.

Quando o vi mais animado tornei a convidá-lo para tomar um café. Aceitou.

Sentámo-nos numa mesinha, ali na calçada e o bom idoso (da minha idade) começou a desenferrujar a língua.

Contou-me onde morava, numa rua ali perto, onde tinha estudado, por onde andou na vida profissional, aposentou-se com 60 anos mas trabalhou mais quase 15, e hoje, com as forças a faltarem, nada fazia. O maior trabalho que tinha era encarregar-se de preparar alguma comida para, à noite, ele e o filho jantarem. Coisas leves.

O que recebia de aposentadoria dava-lhe para viver, evidentemente sem luxos, mas o grande problema era o isolamento, pior ainda quando o abrigavam a andar de máscara e, pior, o tempo que teve ficar em casa – quase um ano – que lhe davam a sensação que o tinham ali deixado para que morresse!

Eu também lhe fui dando alguns dados da minha vida, tão longa quanto a dele, o quanto tinha sido, e ainda deste maldito confinamento, que tinha dificuldade em me entreter, em ver o tempo passar sem poder contatar com frequência filhos e netos, mas que estava esperançado que este Covid, que veio para ficar, dentro em breve a vida das pessoas voltaria a ter a mesma liberdade de sempre.

Em política não se falou, um pouco de futebol, porque ele não deixou de se manifestar que sempre fora torcedor “Vascaíno”, onde o seu pai chegou a jogar! Eu que pouco sei de futebol, e não torço por clube nem país algum, só pelos que ganham, por aí a conversa não avançou.

Um pouco mais de uma hora se passara, e eu tinha que regressar a casa. Perguntei-lhe o nome, Viriato Pereira. Ainda comentei que beirão de verdade tinha mesmo que recordar o grande Viriato!

Antes de me despedir perguntei-lhe se aceitaria ir num próximo dia almoçar em minha casa. Sem cerimónia alguma, que é coisa que na nossa casa não se usa!

- Podemos beber uns copitos de vinho, lá da “terrinha”. O senhor gosta, não?

- Gostar, gosto, mas não posso beber muito.

- Nem é preciso. E que tal um bacalhauzinho “à Gomes de Sá” que é tão fácil de comer?

- O senhor está a estragar-me com mimos!

- Não. Eu gosto de companhia, e um almoço com amigos sabe sempre melhor.

Hesitou em responder, com cara de espanto. Sosseguei-o, dizendo-lhe que o ia buscar no meu carro, nos daria muito gosto, poderíamos continuar o nosso papo, beber um copito de vinho – português – e o bom Viriato, depois dizer várias vezes que não queria dar trabalho, nem incomodar, acabou por aceitar.

Marcámos para dois dias depois. Deu-me o seu endereço que anotei numa folha de papel.

Despedi-me dele e dei-lhe um abraço, que pareceu que ele tinha gostado, e ainda lhe disse:

- Seu Viriato, foi um prazer conhecer o senhor e conversar consigo. Depois de amanhã, pelo meio dia, passo em sua casa.

Não sei se voltou para o seu “assento” apanhar mais um pouco do gostoso sol.

Ao chegar a casa contei o encontro à minha mulher e pedi-lhe que preparasse um almocinho simples, leve, porque o bom Amigo me pareceu um tanto debilitado.

No dia aprazado lá vou à procura da rua, rua de uma só “mão”, que me fez dar uma volta bem maior do que se tivesse ido a pé, e ao chegar, vejo que havia gente entrando e saindo da casa.

Estranho!

Parei o carro e aproximei-me. Logo na entrada pergunto se era ali que morava o senhor Viriato. Era, sim.

- Era?

- Era, sim. O meu pai. Faleceu esta noite. Estava muito animado porque um senhor que conhecera ali na rua o tinha convidado para ir almoçar em sua casa. Foi-se deitar desejoso de ver chegar a manhã para ir a esse encontro. Mas durante a noite faleceu, tranquilo. O senhor conhecia-o?

- Um pouco, sim. Vinha até saber se ele estava bem.

Não tive coragem para dizer mais nada. Duas lágrimas passaram pela minha cara.

Voltei triste para casa. Sozinho, mas quase a pensar que teria proporcionado um fim menos doloroso à solidão daquele homem, o que me deixava envergonhado. Parecia que me queria enaltecer.

Nada disso. Foi um amigo simples, simpático, que conheci, conhecimento que poucas horas durou.

Fiquei bastante abalado.

Descanse em Paz, amigo Viriato.

 

19/07/2021