A Lusofonia e... os
Outros
Há poucos dias reuniram-se os ilustres (?!) presidentes dos países de
língua portuguesa, e não só, e a memória foi rebuscar alguns textos escritos
sobre lusofonia, nos idos de 2003, e
que parece estarem ainda up-to-date. (Desculpem
o texto um pouco longo. Em 2003 deu 3 ou 4 textos separados!)
Lusofonia deveria significar
simplesmente o uso da língua portuguesa, como simples deveriam ser as
pessoas que pensam, para que o pensamento saísse mais puro, menos rebuscado;
dentro deste conceito, Lusofonia deveria facilitar e sobretudo promover
a troca de informações e de culturas, o enriquecimento mútuo, a maior
aproximação e compreensão entre as pessoas, as tais que seriam lusófonas,
enfim um considerável instrumento de Paz, e até de progresso.
O que é estranho é que tanto
se fala de Lusofonia, e a maioria dos dicionários não traz essa palavra! Nem cá
nem lá! Só o bom e “velho” Aurélio diz ser “a adoção da língua portuguesa
como língua de cultura ou língua franca por quem a não tem como vernácula”!
Se os dicionários a não
trazem é porque se trata de vocábulo novo! E os mendicantes vocábulos novos
chegam e logo são carregados de conotações políticas e até
político-imperialistas! Entram os mestres a discutir-lhes o valor, as atitudes,
os problemas causados por tão ingênuo aglomerado de nove letras, e num
instante, ao invés de se promover uma maior aproximação entre gentes remotas,
sustentam-se discussões assexuadas que aprofundam as divergências entre os
povos lusófonos, sejam eles do vernáculo, da cultura ou da franca.
A Língua Portuguesa ainda é
uma língua viva. Vivíssima. Continuam a entrar vocábulos novos, vindos dos mais
diversos lugares, populares ou eruditos, adotados pelos lusófonos em
tantas partes deste mundo, como estes mesmos, lusofonia ou embasar,
sem que haja o cuidado de os receber, cuidando unicamente da sua etimologia
infantil, porque pura, com carinho e entusiasmo, tal como se recebe com alegria
a chegada de um novo ser ao seio da família.
A famosa frase de Fernando
Pessoa, língua/pátria, com que se incham os peitos e enchem os ouvidos,
começa a fazer pouco sentido para aqueles a quem a tal Lusofonia não
mais lhes aparece do que sob a forma de uma imposição.
Tudo isto sem que a
etimologia seja posta em causa! O que está em causa não é a causa, mas os
efeitos!
A pergunta que fica para que
cada um pense bem, e é simples: - Afinal o que é Lusofonia?
Em que língua se canta a alegria do samba?
Vários amigos e mestres
acorreram em meu auxílio, e correram inúmeros dicionários. Só se encontrou uma
“definição razoável” na enciclopédia Universalis, francesa, e a partir da idéia
“mãe”, francofonia, que terá sido
criada em 1880, mas só posta ao serviço do país a partir de 1960, quando a
França deixa de ser potência colonial.
Portugal... acorda para isso
bem mais tarde, depois de ter reconhecido todos os seus, profundos, erros da
descolonização, de que deveria ter mais experiência do que qualquer outro. Não
falando em Bombaim que “amavelmente” ofereceu aos ingleses, já em 1822 tinha
passado pelo vexame de não querer reconhecer a independência do seu “maior” e mais
querido filho!
Corre “atrás do prejuízo”,
cria os PALOP´s e com eles a tal nasce a tal Lusofonia.
Se nos limitarmos à idéia simplória
do que seja Lusofonia = entendimento,
por oposto ao que seria, e talvez ainda seja, uma Babel, um diálogo de surdos,
o desenvolvimento desta comunidade pode ser uma maravilha.
Para isso é fundamental não
permitir que se crie no espírito dos Outros, aqueles que têm a língua
portuguesa com língua de cultura ou franca, o que se passou, e talvez ainda se
passe, nas ex-colônias francesas, que começaram por recusar a francofonia que lhes surgia “como uma
máquina de guerra visando manter as possessões francesas amarradas a uma
dependência linguística e colonial”.
O Brasil já decretou que a
segunda língua a ser ensinada nas escolas vai ser o castelhano. Não admira, porque
está rodeado de países castelhanófilos por quase todo o lado. Deveria
ter decretado que fosse uma das línguas vernáculas, como o tupi ou nheengatu.
Não o fez, o que é pena, mas...
Nada disto o vai afastar da
língua portuguesa, como alguns velhos do Restelo já manifestaram, de
forma tão caricata e egoísta que perde todo o senso de verdade. Se o Brasil
trocasse a língua, o que não acontece porque não é exatamente uma mercadoria
que se pode tornar obsoleta e descartável, Portugal choraria no seu orgulho
ferido, no seu isolamento, mesmo dentro da UE. Como isso não deve acontecer,
ainda insiste em olhar os Outros umbiculatus às caravelas!
Chegam a sorrir do alto das
suas baixas cátedras quando se dão conta que alguns dos tais Outros, soberanos povos,
escrevem registro ou embasar, porque Camões talvez preferisse registo
ou basear.
Entendimento sim. Mas
primeiro o respeito. E por fim... aproveitar o que os jovens têm para nos
enriquecer a todos. Sempre.
Mas
Lusofonia? Com os olhos de quem? Do venturoso Manuel I°, rei de Portugal, dos
Algarves, d´Aquém, d´Além Taprobana e do que mais au diante s´ouvirá?
Portugal há muito, muito,
deixou de ser o pai, o irmão mais velho, o guardião dos “bons costumes”. Houve
um período, de crucial importância, em que esse pai parece ter ele próprio
imigrado, deixando os “filhos” abandonados a si próprios; um dia repara que os filhos
tinham crescido, estavam feitos, independentes, com o seu próprio
esforço e a graça de Deus. Então o “velho pai” reaparece e quer reentrar para o
seio da família. Entrou e trouxe madrasta atrás, a EU.
Quer reassumir as funções de
condutor! As barbas dos Vascos da Gama e outros ilustres, do alto do seus
conhecimentos, tremeram! As barbas dos avós, mais experientes, mais sensatos,
que sem terem o que perder, reconhecem de imediato a maioridade daqueles que
passaram a ter que dar satisfações unicamente aos seus, às suas casas. O “pai”
não aceitou isso com facilidade. Teimoso, acaba por afastar os filhos, que
podem até respeitá-lo, mas não admitem interferências. Se quiserem conselhos
eles os irão solicitar.
Nas festas dos seus
aniversários estes comemoram o terem nascido, crescido, vingado. Aquele quer
lembrar-se do que fez para o nascimento.
Estes erram, quando em vez,
tropeçam, levantam-se e querem seguir em frente com toda a força da sua
juventude. Aquele esquece os erros que cometeu e as palmadas que lhes deu,
quanta vez sem razão!
Não se pode ficar sentado em
cima de ruínas do passado, olhando para baixo, nem na cabeceira das mesas de
reuniões! Ninguém mais lidera ninguém.
Se queremos todos a
Lusofonia, se queremos permanecer unidos, só o conseguiremos desde que se olhe
para qualquer um de “nós” como exatamente igual.
O Brasil não é só samba,
como Angola não é só fome e diamantes, nem os Outros são só... assim como
Portugal também não é o dono da verdade.
Em primeiro lugar somos
todos gente. Nenhum pode pensar de outro jeito.
Se o fizer, ou ainda não
assimilou que o neocolonialismo, como qualquer outro complexo, que são vírus
a eliminar.
E, entre irmãos, vamos
acabar com os vírus ou... nos afastamos.
É sabido que no
Brasil se fala e escreve de forma diferente de Portugal. E em Angola. E em
Moçambique e em Cabo Verde, e em... Eu acho isso ótimo, desde que não se
deturpe ou se estropie a concordância o que prejudicaria o entendimento.
Nos casos, por exemplo:
"se casou" ou "casou-se"; para mim é igual (tal como
escreveu o grande Mestre Agostinho da Silva) e assim uso indiferentemente uma
"fórmula" ou outra de acordo com a situação que, no momento, me soa
(soa-me?) melhor ao ouvido.
Sou um intransigente defensor do que considero (pelo meu prisma/ bitola
de educação e conhecimentos) da verdade e correção (aqui já se tirou o
"c" mudo que, teoricamente, abria a vogal antecedente).
Fazem-se acordos
ortográficos com uma dúzia de mestres jarretas e depois, mesmo admitindo que
chegam a acordo, entra em vigor por Lei e pouca gente disso toma conhecimento.
E por fim revoga-se a lei, o acordo e tudo que seja complicar o que é tão
simples.
Mas o que vejo
com imenso gosto é que o enriquecimento da língua portuguesa, com todos estes
detalhes, muitos deles que nem técnicos são, mas somente diletantes, é
inegável. Entram vocábulos, continuam a entrar, de todos os cantos do mundo,
criam-se novos com gente como José Luandino Vieira, Mia Couto e o grande
brasileiro João Guimarães Rosa, e em vez de os desprezarmos devíamos
agarrá-los, todos, com unhas e dentes.
Garrett foi
censurado pelos seus anglicismos.
Em vez de
juntarmos os sábios no Olimpo, devíamos andar a catar por todos os cantos da
tal Lusofonia as palavras que em todos esses cantos
fazem parte do vocabulário corrente, popular, e introduzi-las num dicionário
único para o conhecimento dos tais 250 milhões.
Não deveria,
nem poderia chamar-se (olha o "se" depois!) Dicionário de Português, mas
com humildade, ou antes, com verdade: Dicionário da, e não de,
Lusofonia. Teria talvez mais de 3.000 páginas, e pelo menos um
comprador: eu!
Aí entraria: garina,
molecagem, cachupa, maximbombo, treco, machamba, putos, como há séculos
entrou o caqui, que vem do hindu e que significa exatamente
aquela cor amarelada... do caqui, e entrou o tanque, vindo do mesmo povo!
Também era bom
que explicasse coisas como: no
Brasil talho é açougue mas todos os açougues têm um talho!!!
E que a palavra troço, no Brasil pode ser um monte coisas, como por exemplo: um
sujeito cai para o lado com um ataque e o povo diz: Deu-lhe um troço!
ou então o sujeito engasga-se, tosse e por fim: "entrou-me aqui um
troço..."
E ainda poderia explicar que bolsos
e algibeiras são, mais ou menos, a
mesma coisa. Com a diferença que ninguém no Brasil tem algibeiras na roupa! Só tem bolsos!
A conversa está bâoa, mas vou ficar por aqui. Este
assunto continua no próximo número!
Com o aumento do
turismo imagnemos o seguinte diálogo. Qualquer aeroporto no Brasil. Chega uma
excursão de portugueses a visitar este Novo Mundo. É recebida por um simpático
agente de viagens, Severino.
- Seu Severino?! Ora venha
lá esse bacalhau!
(! ? ! ? Severino ter-se-á
esquecido de levar balhau para o aeroporto?)
- Seu Joaquim, estimo que o
siô tenha feito uma ótima viagem.
- Muito boa. Viemos na
brasa. Olhe, trouxe uma chusma da minha confraria p´ra ver o que o nosso
primo descobriu.
-
Ahhh! O siô tem aqui um primo?
-
O Cabral, rapaz. O Cabral é que
descobriu! Queremos ver o que aquele gajo descobriu com os balúrdios que
lhe deram p´rá biage. Vamos lá na mecha entrar nessa caminete.
-
Olhe bem, oh! seu Joaquim. Vamos por
partes: a chusma que o siô diz que traz aí, vai ter que declarar na alfândega,
p´ra não ter póbremas. Depois o seu Cabral não descobriu quase nada porque mal
esteve onde é hoje Porto Seguro, e por fim não consta que ele tivesse deixado
por aí qualquer balúrdio. Mas podemos indagar. Ainda mais uma coisinha, só. Se
querem ir para a Mecha, vamos ter de perguntar onde isso fica, que eu, há 50
anos aqui... não conheço. E ir de
caminete... é muito incomodo. Só pau de arara.
-
Não é nada disso amigo Severino. E isso
de ir na mecha quer dizer nas gáspeas, na ponta da unha. E
trazemos nas algibeiras um bocado de carcanhóis p´ra gozar.
-
?!?!?
-
Nós queremos é ver as maravilhas desta
terra.
-
Ah! Isso tem p´ra chuchu.
-
Qual chuchu qual carapuça. Ninguém daqui
quer chuchu, mas vamos todos ficar à coca
a ver se passa alguma rapariga atiradiça.
-
? ! ? !
-
P´ra começar, amigo Severino não me
arranja aí uma malga d´áuga?
-
Ai! Que me vai dar um troço! Esta
profissão é uma choça!
Neste momento
Severino dá-se por vencido. Arrasado. Por azar nem sequer traz consigo um
dicionário de português Lá-Cá-Vice-Versa. De qualquer modo coca é assunto tabu,
e ele, agente de viagens credenciado, não quer entrar nos domínios do
narcotráfico. Pior ainda com raparigas e ainda por cima atiradiças. E terá que
se haver com mechas, gáspeas e pontas de unha. É macumba. Que Deus o livre e
mais o Senhor do Bonfim sem faltar o “padim Ciço”!
Linguagem
bonita, variegada, mas incompreensível. Balúrdio p´ra cá, chuchu p´ra lá, coca
e chusma., e etcs..
Joaquim insiste:
- Amigo Severino! Onde é que posso arrear o calhau? Estou à rasca
e ainda por cima vim no avião no meio duns bifes, parvos, armados
em carapaus de corrida! Nem consegui matabichar em condições.
E chamam a isto Lusofonia.
Severino chora,
desespera-se, e sonha com clientes chineses. Muito mais fácil. Muito “xin” e
muito “fun” mas com a grande vantagem do gesto que explica tudo.
Finalmente,
bagagens despachadas, a chusma à porta do aeroporto aparece seu Severino
no ônibus para os levar ao hotel.
Joaquim, ao seu
lado não perde por continuar a conversa. Aliás o monólogo.
-
Sabe? Eu aldrabei os meus
compadres e disse-lhes que íamos ficar num hotel que só tem burros! E
por isso era mais em conta.
-
! ? ! ? ! ? !
-
Mas como eles são todos uns carolas,
sabe?, dois são chúis e um é cabo de esquadra, afeitos a topar
qualquer léria, não se preocuparam. Só um é que não devia ter vindo. É
um rabeta, todo do reviralho, que no tempo do António da calçada
levou umas sarrafadas boas e agora está meio xarope!
-
! ? ! ? ! ?
-
Seu Joaquim! O siô por acaso não sabe
falar português?
A (des)conversa
deixara-o demasiado encucado. Aqueles caras falam uma língua estranha
entremeada de português. Deviam ser, no mínimo do Pralàquestão.
Pois é sim do “Pra
lá que estão”, feitos donos da língua, quando eles mesmo têm
dificuldade em unificá-la e entender-se.
Viatura
automóvel de transporte coletivo, de 20 ou 40 lugares pode chamar-se, nos
países lusófonos, autocarro, tócar quando se está apressado,
caminete, ônibus, maximbombo, chapa cem (ou duzentos, agora que está mais
caro!) e talvez ainda mais nomes, sobretudo hoje aos de menor capacidade, como
lotação, van e kombi!.
Queremos
Lusofonia? Então temos que fazer alguma coisa por isso. Alguma coisa, não.
Muita coisa.
Lusofonia não
são carcanhóis, chusma de balúrdios nem malga d´áuga. Mas é também tudo isso.
Entram ainda os sarrafeiros do reviralho, as garinas e os maximbombos, uma boa
larada e uma brasa, quer esta seja uma mulher, uma boa sesta, velocidade alta
ou uma criança remexida como cantava o Adoniran Barbosa.
Mas, por favor,
entendamo-nos. Não custa muito. É só, todos, querermos.
Vamos fazer um
dicionário da LUSOFONIA?
02/09/03