domingo, 28 de agosto de 2022

 

Encontros Conversados ‘1’

 

Aquele jovem* que há poucos anos se lembrou de “organizar” um Encontro de Escritores”, que foi um sucesso para quem teve o privilégio de nele participar e para os que somente puderam servir de testemunhas, continuava com esse evento bem vivo na sua cabeça, e pensava como poderia repetir tal acontecimento, mas com outras personalidades. Quem haveriam de ser os próximos?

Seria disparate plagiar ou repetir o que já fora feito. Começou a pensar em grandes navegantes.

Mas precisava de um patrono, de alguém que o auxiliasse em tão complexa tarefa.

Um dia, descendo a pé a Avenida da Liberdade, devagar, para gozar um belo dia de primavera, ia parando para contemplar cada uma das estátuas que ali se se encontram, e que lhe lembrava o tempo de criança quando o pai lhe dizia que “as quatro estátuas da avenida representavam as cinco partes do mundo que são fé, esperança e caridade”, brincadeira que jamais esqueceu.

Lá estava, e está, Almeida Garrett, que foi quase um segundo pai para o seu bisavô! Já célebre no seu tempo, ministro, deputado, par do Reino, achou graça ao jovem que, pobre, regressara do Brasil, dfeterminado cheio de vontade de vencer e se instruir, que um dia, quando morava ainda num pequeno andar alugado com um colega, onde a desordem e desarrumação eram gerais, no então bastante sombrio e soturno Largo do Regedor, recebe a inesperada visita do seu “patrono”, sempre impecavelmente vestido.

Espantados, assistem ao já Senhor Visconde, depois de os cumprimentar, começar ele, o “grande senhor” a arrumar-lhes a casa! O “pupilo” e o colega, envergonhados, tiveram que rapidamente começar a dar um ar de decência à habitação!

É evidente que situações como esta, rara, raríssima tinha que ficar registada para a história. E ficou.

Parado em frente da estátua (que a Câmara Municipal devia mandar lavar com frequência, porque não é lixo que dá grandeza) comecei a dizer para mim mesmo:

- Ó, Almeida Garrett, que estátua feia lhe fizeram, e ainda por cima não a lavam como deve ser! Apetece-me ir buscar uma escova e uns baldes de água e dar-lhe um aspecto mais digno, que bem o merece!

Quando me calei, senti como que um encolher de ombros que me dizia:

- Isto é só uma pedra a que ninguém liga!

Fiquei estarrecido! Garrett estava a falar comigo, ou eu estava a ficar louco? E insisti:

- Ainda por cima viraram a sua cabeça para o alto! Com que ideia? Como se os olhos da estátua pudessem ver o Além. E há tantos anos na mesma posição deve dar um violento torcicolo. Também Alexandre Herculano está cheio de sujeira! Desleixo da Câmara.

Nessa altura ouvi uma risada. Garrett estava mesmo a falar comigo.

- Estando Lá no Alto devem saber tudo, e talvez até saiba quem eu sou. Mas que tenho muita admiração e reconhecimento pelo que fez pelo meu bisavô.

Pelo sussurro pareceu-me que ele não me conhecia e aventurei:

- Sou bisneto e homónimo do seu pupilo e biógrafo, com quem sempre procurei, modestamente, me identificar. Como sabe não se pode admirar o meu bisavô esquecendo o que o Mestre fez por ele.

De repente eu já ouvia, distintamente, uma voz, e o choque era tão grande que me sentei aos pés da estátua.

­- Esse meu pupilo foi um jovem extraordinário. Gostava muito dele, e considerei-o como uma espécie de filho adotivo. E quando fechei os olhos as minhas últimas palavras foram para ele.

- Mestre Garrett, estar a conversar consigo, deixa-me confuso, sinto-me um anão a seu lado. Mas é um dom que me está a ser concedido, e vou aproveitar para lhe fazer um pedido.

- Continua. Estou a gostar de falar contigo. Passam aqui nesta avenida milhares e milhares de pessoas e jamais alguém me dirigiu a palavra! Nem o olhar, para saberem o que diz o pedestal.

- Vou voltar mais vezes quando, e se, voltar a Portugal. Talvez possamos continuar a conversar mesmo longe daqui, porque eu vivo muito longe, no Brasil. Não na majestosa Amazónia do seu pupilo, mas no Rio de Janeiro. Fica no entanto o pedido: em vez de organizar um novo Encontro de gente célebre, eu prefira ensaiar, quando estiver só, em silêncio e sossegado, conversar, como agora, com cada um. Mas os escolhidos para estas conversas, não serão escritores, mas navegadores. E para isso irei pedindo o seu apoio e conselho.

- Francisco, conta comigo, mesmo que pouco possa ajudar. Mas estás a recordar-me o meu querido pupilo, e isso é muito bom para mim, e para ele, a quem vou contar este nosso encontro.

- Obrigado. Já vou embora e aproveito para dar uma palavrinha ao Alexandre Herculano mais uma figura que tanto estimo e admiro.

- Podes dar-lhe um abraço da minha parte, e que não esqueça de me perdoar de o ter levado ao meu encontro com a Viscondessa da Luz. Ele ficou danado comigo. Mas passou-lhe. Éramos amigos e respeitávamo-nos muito. E olha, ele é quem mais te pode ajudar. O mais profundo conhecedor da nossa História.

- Mestre Almeida Garrett, saio daqui com a cabeça a mil, e não posso contar isto a ninguém. Não acreditariam! Até breve.

Ali perto, lá estava o Grande Alexandre Herculano. Olhar grave, para baixo, fazendo sentir que não gosta de ser importunado, ele que muitas vezes durante a vida esteve de mau humor. Mas a minha admiração por ele foi mais forte e arrisquei:

- Mestre Alexandre Herculano, não pretendo incomodá-lo, mas simplesmente lhe render as minhas homenagens.

Estava atento! E tinha ouvido toda a conversa que eu tivera com Almeida Garrett.

- Eu também conheci bem o teu bisavô. Foi-me apresentado lá em casa por outro jovem brilhante, o Raimundo Bulhão Pato. Dois jovens cheios de vida. E vejo que tu tens um dom: o respeito pelos mais velhos. Olha podes dizer ao Garrett que aquele passeio a que ele me levou e depois me deixou na caleche para ir ver a desavergonhada Viscondessa, foi o que hoje se chama uma molequice. Mas que, evidente, esqueci logo. Quando quiseres alguma coisa podes sempre falar comigo.

- Como me honra e o quanto lhe agradeço. Vou ver se a Câmara Municipal também vem limpar esta sua estátua.

 Saí dali com a cabeça a zoar. Parecia que um enxame de abelhas tinha tomado posse do meu cérebro. Tão baralhado estava que corri para o Café Martinho d’Arcada. Ali estiveram Garrett, Herculano e Bulhão Pato mais de um século atrás. Sentei-me na primeira mesa, queria refletir sobre o acabava de viver, mas era difícil. Mais ainda sabendo que continuava rodeado pelo espírito dos grandes homens que frequentaram este Café. Ao fim de meia dúzia de copos de cerveja a zoada foi embora, e eu... tonto. Não sei da cerveja se das conversas.

Arrastei-me depois, sempre a pé, até ao hotel onde estava hospedado, junto ao Marquês de Pombal, mas pelo lado esquerdo da avenida. Não queria voltar a encarar os Mestres.

Dormi mal, e de manhã não sabia se tinha sido um sonho, se realidade, nem me atrevi a ir testar.

Poucos dias depois regressei a casa.

Já no sossego do lar, a área externa tranquila, muita sombra, muita árvore e muito verde, sentei num canto a continuei a pensar no que me tinha sucedido, que não me saía da cabeça.

E a pensar em “chamar” o próximo para a conversa. Quem, para falar sobre navegantes?

O pensamento corre para o Infante Dom Henrique, mas não é persona com quem simpatize muito. Fez muita coisa mas era super ambicioso, abandonou o irmão, enfim, o grande filho de Filipa de Lencastre de quem dou fã é o Dom Pedro, Duque de Coimbra. Este virá mas um pouco mais pardiantemente.

 Nota - * Jovem, na altura com mais de oitenta anos!

 A seguir...

 27/08/2022

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