terça-feira, 29 de novembro de 2016


De como nasci e fui crescendo...

Este texto é dedicado aos curiosos. Àqueles que gostam de saber tudo da vida alheia, sobretudo aos que conhecem o “cara” desde há... uma porrada de anos.

Tenho escrito sobre muita coisa, metido o nariz até onde só aos GRANDES cientistas e professores seria admitido, aproveitando para dizer entre algumas verdades, certamente muita bobagem, e também sobre passagens da vida, minha e de amigos, cujas peripécias, aos trazê-las à memória são um bálsamo para a saudade que deixaram.

Depois de mais de 70.000 visitas ao meu site, desde há pouco mais de 7 anos (alguns milhares devem ser de idas minhas, xeretar quem viu ou leu!) começo a ter dificuldade em encontrar novos assuntos sobre os quais escrever.

Devem lá estar talvez uns setecentos textos, o que não é grande coisa, mas a idade começa a bloquear-me as meninges e, de repente (não tão de repente assim!), sinto o vazio a crescer dentro da cabeça!

Podia escrever sobre política, finanças e segurança, no Brasil e até no mundo, como muita vez fiz, mas creio que a grande maioria das pessoas está cansada destes assuntos, bem como eu.

Escrever sobre o que?

Sobre mim. Contar algo que penso ainda não terei divulgado, e que não vai interessar a muita gente. Mas... quem não quiser não lê. Vamos nessa.

Nasci numa segunda feira, eram 9 horas da manhã, segundo documento escrito pela minha mãe. Já estava a preparar-me para enfrentar o batente da vida, logo no comecinho da semana. E surgi com mais de 3 kilos e tal, para aguentar o tranco, e dizia a minha mãe que me deu de mamar durante um ano! Por isso tenho aguentado, até hoje! Terceiro filho.

Inverno, lá fora devia fazer um frio do cão e o “chalé” onde vivíamos na ocasião, na rua das Valas, na Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto,

 


freguesia de Cedofeita, a mais antiga, seria certamente do século XIX, teria algum aquecimento (talvez uma braseira!) porque não consta que alguém tivesse enregelado, mas não era lá aquelas coisas porque:

- um dia a casa foi a baixo e fizeram um prédio bem desajeitado com cinco andares, que já está com ar de podre;

- mudaram o nome da rua para Nossa Senhora de Fátima, depois que em 1933, um pouco mais adiante e na mesma rua, construíram a igreja dedicada à Mãe de Portugal, e do mundo. Mas o nome de rua das Valas aguentou-se até 20 de Agosto de 1942! Porque se chamou assim, ainda não descobri!

Mas a família não ficou muito tempo por ali. Mudou-se para a Rua de Faria Guimarães, para uma casa bem melhor, que nunca mais consegui identificar qual será! Mas o senhor Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães foi um importante empresário oitocentista do Porto. Criou a Fábrica de Lanifícios do Lordelo, era proprietário da tipografia onde se fazia a impressão de vários periódicos (O Athleta, A Coallisão e O Nacional), geriu a Fundição do Bolhão, fundada pelo seu pai, e desempenhou cargos em várias instituições. Foi vice-presidente da Câmara Municipal do Porto e o primeiro presidente da Associação Industrial Portuense.
Para quem sai das valas, não há dúvida que foi uma bela promoção...  habitacional.
Aqui, um belo páteo atrás, só vizinhos nos lados, casa desafogada, entrada para carro. Ótima, tanto quanto lembro. E foi ocasião para se arranjar um cão.
Um fox terrier, pelo duro, o Boby (assim se deviam chamar metade dos cães em Portugal), que os irmãos mais velhos adoravam, que volta e meia ficava encarregado de tomar conta de mim, que teria um a dois anos. Se fosse a mãe a dizer “toma conta do bebé”, o meu pai, ao aproximar-se ouvia um rosnar! O contrário também era válido.

A mãe e os três primeiros filhos: Luis, Helena e o “autor” do texto.

Reza a história que um dia foram dar com o tal “bebé” a cuspir pelos do cão! Alguém tinha visto a cena: a criança estava a comer um biscoito e o Boby não resistiu ao agradável aroma e mordeu metade do tal biscoito. O lesado, como vingança, mordeu o seu fiel amigo, que não deve ter-se incomodado muito porque engoliu o seu biscoito sem mais nada dizer!
É evidente que tínhamos de mudar de casa: logo foram nascendo mais irmãos, primeiro uma irmã, alfacinha, e depois outro tripeiro. Cinco filhos, o mais velho com seis anos e, este que vos escreve, remexido, não tardou a ser mandado para um colégio infantil, perto da nossa casa.
Lembra pouco desse estabelecimento de ensino superior! Um dia entrou em casa, correu para a mãe a pedir dinheiro. Para quê? Para comprar flores para pôr na cama da dona... (nome... ?) A mãe averiguou. Tinha morrido a esposa do diretor da escolinha e as flores eram para a campa!
Desde cedo que à chegada do tempo quente uma forte alergia lhe deixava as curvas dos braços e das pernas com uma enorme coceira, ao ponto de sangrar. E isto durava todo o verão.
O médico, o Dr. Vasco Nogueira de Oliveira, quase me adoptou como neto! Muita vez telefonava aos meus pais a perguntar se eu podia dormir lá em casa dele, e que, sem falta me devolveria bem cedo no dia seguinte. Mais velho do que o meu pai, o doutor Vasco era uma figura simpática. Tinha um filho na marinha e vivia só com a mulher, de modo que uma criança em sua casa dava uma sobrevida ao casal.
Numa das vezes que ia devolver a criança parou numa loja de brinquedos para me comprar um qualquer. A tal criança, aí com cinco anos, ficou à porta da loja, onde estavam exposto um monte de bonecos. Bonequinhos ou carrinhos, coisa pequena. Lembrou-se dos irmãos e deitou a mão a outros quatro que levou para casa e distribuiu à irmandade.
Os pais pensaram que tinha sido amabilidade do Dr. Vasco, que à tarde telefona a perguntar se eu tinha levado para casa mais do que um brinquedo. A mãe, que atendeu o telefone (já havia telefone nesse tempo, ou pensam o que?) disse que sim, que tinha dado um a cada irmão. Porque? – É que telefonou o homem da loja a dizer que o menino tinha levado uns brinquedos e que eu não tinha pago!
Ladrão em casa! Quase um pânico! Começava cedo (Para os devidos efeitos afirmo que nunca fui para a política, e só me lembro de outro furto, consciente, aí por 1972, mas contarei na devida época!)
Mas o bom do Dr. Vasco até achou graça, disse que não tinha a menor importância, chegando a louvar a atitude social do seu “neto” e cliente, e pagou o valor do valioso furto!
O tratamento para aquela irritação da alergia, como se pode imaginar era à moda antiga.
Colocavam a coitada da criança em cima de uma mesa, só de cuequinha e, com um daqueles pinceis, brocha de pintar paredes, pincelavam-lhe as curvas dos braços e das pernas, com uma mistureba de álcool puro, oxido de zinco, talco, nitrato de chumbo, flor de enxofre e, às vezes, para dar um cheirinho... água de rosas!

Não é difícil imaginar que em cima de áreas feridas aquelas pinceladas ardiam bem, e o coitado não tinha outra alternativa se não chorar! Mas creio que me deve ter feito muito bem. O álcool hoje é consumido sobretudo para uso interno e proveniente de uvas boas. O óxido de zinco, agente secante não deixou que a barriga crescesse... até há meia dúzia de anos, a flor de enxofre entre outras coisas afastou o demo, e dizem que é também responsável por manter a entrada necessária de oxigênio no cérebro, o que me tem permitido escrever tanta coisa. O chumbo é que é o pior: cada vez estou mais preguiçoso; deve ser o peso!

Em 1936 ou 37 a família regressou a Lisboa, e instalaram-se na rua Padre António Vieira, num prédio de esquina, esquina arredondada, no primeiro andar (ou era no rés-do chão?), do número 20, à porta do qual o motorista da Câmara, todas as manhãs parava o carrão, de trabalho, que vinha buscar o nosso pai. Ao domingo não tinha carro.

Tinha uma placa que jamais esquecemos: BI -10-?? Era o bidés!

Terá sido a estadia na rua de Vieira que viera (largas décadas mais tarde) a suscitar-me o interesse para ler a História do Futuro, para chegar à conclusão que esse tal de futuro só existiu na privilegiada cabeça desse senhor! Passado, nós imaginamos que houve, porque garantir, mesmo com documentos ditos irrefutáveis, como o que se encontra em arqueologia, escritos, fotos, etc., têm sempre algo de duvidoso. Presente todos sabemos o que é, mas futuro?
Futuro só existe na verborreia dos políticos. Veja-se o Brasil, o país do futuro! Qual futuro? Quando? Como?
Todos os impérios ruíram e de alguns a história já nem sabe se existiram. Os que agora crescem não tarda encontram o mesmo futuro.
O Padre António Vieira entusiasmou muita gente, sobretudo o grande Mestre George Agostinho da Silva, mas onde agora estão podem calmamente esquecer esse futuro, visto que lá no etéreo tudo é presente e não existe passado nem futuro. Se não princípio nem fim, como vai ter futuro?

Continua no próximo “capítulo”!

sábado, 19 de novembro de 2016


ONU – CPI – NATO – UE – BREXIT
e outras vigarices

Comecemos com a ONU: tem feito algumas intervenções pouco positivas e muito desastre. Ajuda os amigos nos combates internos dos países, mas com o modo como é constituído o Conselho de Segurança, composto por 15 Estados-membros, sendo cinco membros permanentes - China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos - metidos “a besta” com direito a veto e dez membros temporários que nada mandam, este tal de Conselho de Segurança, teoricamente responsável por manter a paz e a segurança entre as nações, jamais será uma força de paz efetiva.
Se não tivesse os 5 membros com direito a veto... ninguém para lá iria. Assim ficam os poderosos SEMPRE a dar sentenças aos mais fracos, mas PAZ, que é bom, nada.
A Rússia dividiu a Ucrânia e... a Geórgia e... marcou as fronteiras que quis no fim da URSS, abateu um avião de passageiros da Malásia e... vetou que os outros lhe enchessem o saco.
O Bush inventou armas de destruição em massa no Iraque, foi lá destruiu tudo, criou o ISIS e... nada!
O King Kong atira foguetes nucleares para todo o lado e... nada. A China ocupou os mares da Coreia, Japão, Filipinas e... nada. Para que serve a droga da ONU? Custa muitíssimo dinheiro e não resolve nada.
A ONU tem algumas áreas bem mais válidas: UNESCO, FAO, UNICEF, o PAM (Programa Alimentar contra a Fome) e mais um monte de outras entre elas o famigerado FMI, e Agencia Internacional de Energia Atómica que faz tudo para que só os poderosíssimos tenham a bomba... Mas...

Vamos ver a CPI, a corte dos magníficos que se arvoraram em julgadores internacionais: a infeliz Corte Penal Internacional.
Acusada agora pelos países africanos, com a argumentação que a corte só julga pretos, que estão a ser descriminados pela corte de brancos (o que é quase verdade 13 a 2 africanos), a África do Sul, Gambia e Burundi já saíram fora do acordo, o Quénia e Namíbia estudam a saída e a Rússia que desde o primeiro dia ficou em cima do muro, agora também quer sair da fogueira, bem como o seu comparsa da Síria.
Não é bem verdade que só se tenham julgado africanos, mesmo considerando que o Gaddafi seja africano (ele era magrebino que é outra coisa), mas na realidade, exceção feita a um da Sérvia e dois da Bósnia, a maioria, nove, eram de países africanos: quatro do Ruanda (e foram poucos), dois do Sudão, (pouquíssimos) um do Quénia e outro do Congo RDC.
Haveria que julgar, à revelia, mais uma montanha deles: os grandes ladrões dos países africanos, que deixam milhões ou morrerem de fome ou viver na maior miséria – Angola, Guiné Equatorial, Zimbabwe, Uganda, Gabão, Camarões, África do Sul e buakamúkua – novamente os assassinos do Burundi, e do Sudão, o iconoclasta da Venezuela (que está a acabar de destruir não só a imagem como o próprio país), o rei do Marrocos que esmaga as populações do Saara Ocidental, o Fidel que deixou o povo na miséria durante 60 anos e não larga, o megalómano King Kong da Coreia do Norte, o super assassino Al-Bagdathi, e o similar Assad, sem esquecer o frio, gelado e super matador Putin (Crimeia, Geórgia, Síria, Chechénia, etc.) e seu parceiro G.W.Mato!
Mas nem um destes está preocupado com a CPI. Para eles é mentirinha de europeus e não serve para nada, nem para ser respeitada!
Manter a CPI? A que custo? Para julgar quem? Brincadeira, que dá a ganhar, BEM, a MUITA gente.
E depois, como pertence à ONU, se quiserem julgar o Putin... lá vem o veto e eles metem o processo no...

E a NATO/OTAN? Viu a Rússia mamar uma parte da Ucrânia e como os russos são machos... nada! Fazem lindas manobras navais, os navios jogam esguichos de água para o ar, e no fim tudo acaba em pizza.
Juntam-se e decidem que vão dar cabo dos c... (e a dizer cornos, mas não digo) do Baghdati ou do Assad, mas depois um não vai porque... o outro aproveita para dizer que a mulher o não deixa ir para a guerra, e mais um outro, diz não sei o que. Muita falta faz o nosso querido e saudoso Solnado, para explicar como funcionam as guerras da OTAN!
Agora até o Trump já diz que pensa em sair da NATO. A NATO é coisa dos europeus, e eles que lá se entendam, tanto mais que o Putin também tem uma otanzona, chamada Pacto de Varsóvia, e o Trump que ainda nem assumiu já não sabe o que fazer. Parece que aliás ele nunca pensou nisso, nem se sabe se vai pensar.

É preciso não esquecer a UNIÃO EUROPEIA, que se está a desmantelar. Reino Unido, Grécia, Espanha, Hungria, Roménia e o que mais audiante se verá. Não admira. Tem vários parlamentos, milhares de deputedos, perdão, deputados, entretêm-se a legislar sobre assuntos importantíssimos como obrigar as fábricas de eletrodomésticos a fazerem um secador de cabelo mais económico, para depois de terem gasto milhões em horas, impressos, etc., dizerem que afinal não é preciso, porque as pessoas usam esse treco alguns minutos por dia, há uns anos quiseram obrigar os portugueses a juntarem ao mosto do vinho açúcar de beterraba que estava em excesso na Holanda e Alemanha, e brincam, como garotos dementes com a vida de meio bilhão de pessoas!
Uma idéia brilhante, a União Europeia, mais antiga que o próprio Napoleão. Quando as ideias são brilhantes precisam de gente brilhante para as executar. Aí é ca porca troce o rabo!
Uma ideia razoável o €uro, que toda a gente aplaudiu, mas poucos foram ao fundo das consequências futuras, face à desigualdade de capacidade de produção dos vários membros.
Como moeda hoje não existe mais, é coisa barata – só o papel para a imprimir é que é caro – os membros ricos mandaram logo bilhões, trilhões para os pobresinhos que se embebedaram com tanta grana que parecia caída milagrosamente do ar. Não, não foi a Senhora de Fátima, que nem sequer foi para isso consultada.
Agora querem que os pobres paguem. Vão pagar NUNCA. NUNCA!
Ameaçam sair da EU e do €uro. Sem pagar o que lhes “ofereceram” como presente autenticamente de grego.
Como? Há sempre uma solução, e quem viver, verá!
Depois deste texto escrito, não foi preciso viver muito!!! A EU declarou há dois dias que não vai mais encher o saco dos países que estão com as contas todas estropiadas! É evidente estavam todos a abandonar o barco que afundava... e vai afundar mais!

Os ingleses, menos de 50% dos que pensam, exultaram com o BREXIT. Os mentores e apoiadores desse golpe, foram para o governo e nomearam uma prima ministra parecida, por fora, com a Mulher de Ferro. Parece macha, mas neste momento a Dona May, o despenteado Boris Johnson, ex-mayor e agora Foreing Office, e o maior badalador pró Brexit, Nigel Farage (que entretanto usou 400.000 libras dos fundos comunitários para se eleger para o Parlamento... e não conseguiu e vai ter que os devolver!) os três obreiros responsáveis pela saída da UE não se entendem em como sair da EU! Brilhante políticos! A Inglaterra já perdeu larguíssimos bilhões não só com a desvalorização da sua moeda como com a saída do país de empresas gigantes. E o mais piadético de tudo é que já dizem que para repor tudo a andar fora da Europa precisam de mais 30.000 novos servidores públicos.
Tudo isto é uma lindeza... macabra.

Moral de todas estas histórias: o mundo está entregue a mentecaptos, assassinos, aváros e ladrões.
Ukuembo ua petu, moxi isuta
(Luxo por fora, lixo por dentro)
Provérbio quimbundo – “Missosso” – Oscar Ribas

Recomendo muito que assistam a este vídeo: 
De Luanda. Uma lição que não se pode resumir, mas de que fica aqui uma ideia:
Quem já viu pobres, camponeses, os que vivem na marginalidade social a fazerem projetos megalómanos? E sobrevivem e sobreviveram através dos milénios, sem os crâneos dos deputados a roubarem, a pensar que legislam e a destruírem o que o homem (e a mulher...) construíram com sua sabedoria humilde, com vontade e verdade?

17 e 19/11/2016









segunda-feira, 14 de novembro de 2016



A Lusofonia e... os Outros


Há poucos dias reuniram-se os ilustres (?!) presidentes dos países de língua portuguesa, e não só, e a memória foi rebuscar alguns textos escritos sobre lusofonia, nos idos de 2003, e que parece estarem ainda up-to-date. (Desculpem o texto um pouco longo. Em 2003 deu 3 ou 4 textos separados!)
Lusofonia deveria significar simplesmente o uso da língua portuguesa, como simples deveriam ser as pessoas que pensam, para que o pensamento saísse mais puro, menos rebuscado; dentro deste conceito, Lusofonia deveria facilitar e sobretudo promover a troca de informações e de culturas, o enriquecimento mútuo, a maior aproximação e compreensão entre as pessoas, as tais que seriam lusófonas, enfim um considerável instrumento de Paz, e até de progresso.
O que é estranho é que tanto se fala de Lusofonia, e a maioria dos dicionários não traz essa palavra! Nem cá nem lá! Só o bom e “velho” Aurélio diz ser “a adoção da língua portuguesa como língua de cultura ou língua franca por quem a não tem como vernácula”!
Se os dicionários a não trazem é porque se trata de vocábulo novo! E os mendicantes vocábulos novos chegam e logo são carregados de conotações políticas e até político-imperialistas! Entram os mestres a discutir-lhes o valor, as atitudes, os problemas causados por tão ingênuo aglomerado de nove letras, e num instante, ao invés de se promover uma maior aproximação entre gentes remotas, sustentam-se discussões assexuadas que aprofundam as divergências entre os povos lusófonos, sejam eles do vernáculo, da cultura ou da franca.
A Língua Portuguesa ainda é uma língua viva. Vivíssima. Continuam a entrar vocábulos novos, vindos dos mais diversos lugares, populares ou eruditos, adotados pelos lusófonos em tantas partes deste mundo, como estes mesmos, lusofonia ou embasar, sem que haja o cuidado de os receber, cuidando unicamente da sua etimologia infantil, porque pura, com carinho e entusiasmo, tal como se recebe com alegria a chegada de um novo ser ao seio da família.
A famosa frase de Fernando Pessoa, língua/pátria, com que se incham os peitos e enchem os ouvidos, começa a fazer pouco sentido para aqueles a quem a tal Lusofonia não mais lhes aparece do que sob a forma de uma imposição.
Tudo isto sem que a etimologia seja posta em causa! O que está em causa não é a causa, mas os efeitos!
A pergunta que fica para que cada um pense bem, e é simples: - Afinal o que é Lusofonia?

Em que língua se canta a alegria do samba?

Vários amigos e mestres acorreram em meu auxílio, e correram inúmeros dicionários. Só se encontrou uma “definição razoável” na enciclopédia Universalis, francesa, e a partir da idéia “mãe”, francofonia, que terá sido criada em 1880, mas só posta ao serviço do país a partir de 1960, quando a França deixa de ser potência colonial.
Portugal... acorda para isso bem mais tarde, depois de ter reconhecido todos os seus, profundos, erros da descolonização, de que deveria ter mais experiência do que qualquer outro. Não falando em Bombaim que “amavelmente” ofereceu aos ingleses, já em 1822 tinha passado pelo vexame de não querer reconhecer a independência do seu “maior” e mais querido filho!
Corre “atrás do prejuízo”, cria os PALOP´s e com eles a tal nasce a tal Lusofonia.
Se nos limitarmos à idéia simplória do que seja Lusofonia = entendimento, por oposto ao que seria, e talvez ainda seja, uma Babel, um diálogo de surdos, o desenvolvimento desta comunidade pode ser uma maravilha.
Para isso é fundamental não permitir que se crie no espírito dos Outros, aqueles que têm a língua portuguesa com língua de cultura ou franca, o que se passou, e talvez ainda se passe, nas ex-colônias francesas, que começaram por recusar a francofonia que lhes surgia “como uma máquina de guerra visando manter as possessões francesas amarradas a uma dependência linguística e colonial”.
O Brasil já decretou que a segunda língua a ser ensinada nas escolas vai ser o castelhano. Não admira, porque está rodeado de países castelhanófilos por quase todo o lado. Deveria ter decretado que fosse uma das línguas vernáculas, como o tupi ou nheengatu. Não o fez, o que é pena, mas...
Nada disto o vai afastar da língua portuguesa, como alguns velhos do Restelo já manifestaram, de forma tão caricata e egoísta que perde todo o senso de verdade. Se o Brasil trocasse a língua, o que não acontece porque não é exatamente uma mercadoria que se pode tornar obsoleta e descartável, Portugal choraria no seu orgulho ferido, no seu isolamento, mesmo dentro da UE. Como isso não deve acontecer, ainda insiste em olhar os Outros umbiculatus às caravelas! 
Chegam a sorrir do alto das suas baixas cátedras quando se dão conta que alguns dos tais Outros, soberanos povos, escrevem registro ou embasar, porque Camões talvez preferisse registo ou basear.
Entendimento sim. Mas primeiro o respeito. E por fim... aproveitar o que os jovens têm para nos enriquecer a todos. Sempre.
Mas Lusofonia? Com os olhos de quem? Do venturoso Manuel I°, rei de Portugal, dos Algarves, d´Aquém, d´Além Taprobana e do que mais au diante s´ouvirá?
Portugal há muito, muito, deixou de ser o pai, o irmão mais velho, o guardião dos “bons costumes”. Houve um período, de crucial importância, em que esse pai parece ter ele próprio imigrado, deixando os “filhos” abandonados a si próprios; um dia repara que os filhos tinham crescido, estavam feitos, independentes, com o seu próprio esforço e a graça de Deus. Então o “velho pai” reaparece e quer reentrar para o seio da família. Entrou e trouxe madrasta atrás, a EU.
Quer reassumir as funções de condutor! As barbas dos Vascos da Gama e outros ilustres, do alto do seus conhecimentos, tremeram! As barbas dos avós, mais experientes, mais sensatos, que sem terem o que perder, reconhecem de imediato a maioridade daqueles que passaram a ter que dar satisfações unicamente aos seus, às suas casas. O “pai” não aceitou isso com facilidade. Teimoso, acaba por afastar os filhos, que podem até respeitá-lo, mas não admitem interferências. Se quiserem conselhos eles os irão solicitar.
Nas festas dos seus aniversários estes comemoram o terem nascido, crescido, vingado. Aquele quer lembrar-se do que fez para o nascimento.
Estes erram, quando em vez, tropeçam, levantam-se e querem seguir em frente com toda a força da sua juventude. Aquele esquece os erros que cometeu e as palmadas que lhes deu, quanta vez sem razão!
Não se pode ficar sentado em cima de ruínas do passado, olhando para baixo, nem na cabeceira das mesas de reuniões! Ninguém mais lidera ninguém.
Se queremos todos a Lusofonia, se queremos permanecer unidos, só o conseguiremos desde que se olhe para qualquer um de “nós” como exatamente igual.
O Brasil não é só samba, como Angola não é só fome e diamantes, nem os Outros são só... assim como Portugal também não é o dono da verdade. 
Em primeiro lugar somos todos gente. Nenhum pode pensar de outro jeito.
Se o fizer, ou ainda não assimilou que o neocolonialismo, como qualquer outro complexo, que são vírus a eliminar.
E, entre irmãos, vamos acabar com os vírus ou... nos afastamos.
É sabido que no Brasil se fala e escreve de forma diferente de Portugal. E em Angola. E em Moçambique e em Cabo Verde, e em... Eu acho isso ótimo, desde que não se deturpe ou se estropie a concordância o que prejudicaria o entendimento.
Nos casos, por exemplo: "se casou" ou "casou-se"; para mim é igual (tal como escreveu o grande Mestre Agostinho da Silva) e assim uso indiferentemente uma "fórmula" ou outra de acordo com a situação que, no momento, me soa (soa-me?) melhor ao ouvido.
Sou um intransigente defensor do que considero (pelo meu prisma/ bitola de educação e conhecimentos) da verdade e correção (aqui já se tirou o "c" mudo que, teoricamente, abria a vogal antecedente).
Fazem-se acordos ortográficos com uma dúzia de mestres jarretas e depois, mesmo admitindo que chegam a acordo, entra em vigor por Lei e pouca gente disso toma conhecimento. E por fim revoga-se a lei, o acordo e tudo que seja complicar o que é tão simples.
Mas o que vejo com imenso gosto é que o enriquecimento da língua portuguesa, com todos estes detalhes, muitos deles que nem técnicos são, mas somente diletantes, é inegável. Entram vocábulos, continuam a entrar, de todos os cantos do mundo, criam-se novos com gente como José Luandino Vieira, Mia Couto e o grande brasileiro João Guimarães Rosa, e em vez de os desprezarmos devíamos agarrá-los, todos, com unhas e dentes.
Garrett foi censurado pelos seus anglicismos.
Em vez de juntarmos os sábios no Olimpo, devíamos andar a catar por todos os cantos da tal Lusofonia as palavras que em todos esses cantos fazem parte do vocabulário corrente, popular, e introduzi-las num dicionário único para o conhecimento dos tais 250 milhões.
Não deveria, nem poderia chamar-se (olha o "se" depois!) Dicionário de Português, mas com humildade, ou antes, com verdade: Dicionário da, e não de, Lusofonia. Teria talvez mais de 3.000 páginas, e pelo menos um comprador: eu!
Aí entraria: garina, molecagem, cachupa, maximbombo, treco, machamba, putos, como há séculos entrou o caqui, que vem do hindu e que significa exatamente aquela cor amarelada... do caqui, e entrou o tanque, vindo do mesmo povo!
Também era bom que explicasse coisas como: no Brasil talho é açougue mas todos os açougues têm um talho!!! E que a palavra troço, no Brasil pode ser um monte coisas, como por exemplo: um sujeito cai para o lado com um ataque e o povo diz: Deu-lhe um troço! ou então o sujeito engasga-se, tosse e por fim: "entrou-me aqui um troço..."
E ainda poderia explicar que bolsos e algibeiras são, mais ou menos, a mesma coisa. Com a diferença que ninguém no Brasil tem algibeiras na roupa! Só tem bolsos!
A conversa está bâoa, mas vou ficar por aqui. Este assunto continua no próximo número!
Com o aumento do turismo imagnemos o seguinte diálogo. Qualquer aeroporto no Brasil. Chega uma excursão de portugueses a visitar este Novo Mundo. É recebida por um simpático agente de viagens, Severino.
-   Seu Severino?! Ora venha lá esse bacalhau!
(! ? ! ?  Severino ter-se-á esquecido de levar balhau para o aeroporto?)
-   Seu Joaquim, estimo que o siô tenha feito uma ótima viagem.
-   Muito boa. Viemos na brasa. Olhe, trouxe uma chusma da minha confraria p´ra ver o que o nosso primo descobriu.
-      Ahhh! O siô tem aqui um primo?
-      O Cabral, rapaz. O Cabral é que descobriu! Queremos ver o que aquele gajo descobriu com os balúrdios que lhe deram p´rá biage. Vamos lá na mecha entrar nessa caminete.
-      Olhe bem, oh! seu Joaquim. Vamos por partes: a chusma que o siô diz que traz aí, vai ter que declarar na alfândega, p´ra não ter póbremas. Depois o seu Cabral não descobriu quase nada porque mal esteve onde é hoje Porto Seguro, e por fim não consta que ele tivesse deixado por aí qualquer balúrdio. Mas podemos indagar. Ainda mais uma coisinha, só. Se querem ir para a Mecha, vamos ter de perguntar onde isso fica, que eu, há 50 anos aqui... não conheço.  E ir de caminete... é muito incomodo. Só pau de arara.
-      Não é nada disso amigo Severino. E isso de ir na mecha quer dizer nas gáspeas, na ponta da unha. E trazemos nas algibeiras um bocado de carcanhóis p´ra gozar.
-      ?!?!?
-      Nós queremos é ver as maravilhas desta terra.
-      Ah! Isso tem p´ra chuchu.
-      Qual chuchu qual carapuça. Ninguém daqui quer chuchu, mas vamos todos ficar à coca a ver se passa alguma rapariga atiradiça.
-      ? ! ? !
-      P´ra começar, amigo Severino não me arranja aí uma malga d´áuga?
-      Ai! Que me vai dar um troço! Esta profissão é uma choça!
Neste momento Severino dá-se por vencido. Arrasado. Por azar nem sequer traz consigo um dicionário de português Lá-Cá-Vice-Versa. De qualquer modo coca é assunto tabu, e ele, agente de viagens credenciado, não quer entrar nos domínios do narcotráfico. Pior ainda com raparigas e ainda por cima atiradiças. E terá que se haver com mechas, gáspeas e pontas de unha. É macumba. Que Deus o livre e mais o Senhor do Bonfim sem faltar o “padim Ciço”!
Linguagem bonita, variegada, mas incompreensível. Balúrdio p´ra cá, chuchu p´ra lá, coca e chusma., e etcs..
Joaquim insiste:
- Amigo Severino! Onde é que posso arrear o calhau? Estou à rasca e ainda por cima vim no avião no meio duns bifes, parvos, armados em carapaus de corrida! Nem consegui matabichar em condições.
E chamam a isto Lusofonia.
Severino chora, desespera-se, e sonha com clientes chineses. Muito mais fácil. Muito “xin” e muito “fun” mas com a grande vantagem do gesto que explica tudo.
Finalmente, bagagens despachadas, a chusma à porta do aeroporto aparece seu Severino no ônibus para os levar ao hotel.
Joaquim, ao seu lado não perde por continuar a conversa. Aliás o monólogo.
-      Sabe? Eu aldrabei os meus compadres e disse-lhes que íamos ficar num hotel que só tem burros! E por isso era mais em conta.
-      ! ? ! ? ! ? !
-      Mas como eles são todos uns carolas, sabe?, dois são chúis e um é cabo de esquadra, afeitos a topar qualquer léria, não se preocuparam. Só um é que não devia ter vindo. É um rabeta, todo do reviralho, que no tempo do António da calçada levou umas sarrafadas boas e agora está meio xarope!
-      ! ? ! ? ! ?
-      Seu Joaquim! O siô por acaso não sabe falar português?
A (des)conversa deixara-o demasiado encucado. Aqueles caras falam uma língua estranha entremeada de português. Deviam ser, no mínimo do Pralàquestão.
Pois é sim do “Pra lá que estão”, feitos donos da língua, quando eles mesmo têm dificuldade em unificá-la e entender-se.
Viatura automóvel de transporte coletivo, de 20 ou 40 lugares pode chamar-se, nos países lusófonos, autocarro, tócar quando se está apressado, caminete, ônibus, maximbombo, chapa cem (ou duzentos, agora que está mais caro!) e talvez ainda mais nomes, sobretudo hoje aos de menor capacidade, como lotação, van e kombi!.
Queremos Lusofonia? Então temos que fazer alguma coisa por isso. Alguma coisa, não. Muita coisa.
Lusofonia não são carcanhóis, chusma de balúrdios nem malga d´áuga. Mas é também tudo isso. Entram ainda os sarrafeiros do reviralho, as garinas e os maximbombos, uma boa larada e uma brasa, quer esta seja uma mulher, uma boa sesta, velocidade alta ou uma criança remexida como cantava o Adoniran Barbosa.
Mas, por favor, entendamo-nos. Não custa muito. É só, todos, querermos.
Vamos fazer um dicionário da LUSOFONIA?

02/09/03


domingo, 6 de novembro de 2016



Alfabetização falhada!
Moçambique – 1973-74

Aí por 1973, em Lourenço Marques. Apareceu no banco onde eu trabalhava, o BCCI, um professor, cujo nome há muito esqueci, infelizmente, que há anos andava a estudar um método de alfabetização das massas populares, sem que estas tivessem necessidade de frequentar escolas. O ensino seria feito através da rádio!
Pela explicação que o professor deu, o método parecia extremamente bem arquitetado, o assunto mereceu o maior interesse do banco, e começámos a discuti-lo com mais profundidade, para ver da possibilidade de pôr o plano em funcionamento.
Não me lembro que técnica o professor usaria, mas alguma coisa estaria baseada no que o missionário americano Franck C. Laubach (1884 – 1970), um missionário protestante conhecido nos EUA e nas Filipinas como "O apóstolo dos analfabetos", ensaiara com grande sucesso, e o educador brasileiro Paulo Freire havia experimentado com muito êxito no Brasil, de onde, após a instalação da ditadura militar teve que sair para se exilar no exterior, por considerarem que o método era politicamente revolucionário. Também era, como é qualquer método que leve as populações a terem acesso à informação, ao conhecimento, à cultura, e saibam assim exigir aquilo a que têm direito.

Franck C. Laubach

Aprovado o projeto, que se deveria circunscrever inicialmente à capital e sua cintura populacional, para que se pudesse acompanhar a evolução do ensino e, eventualmente introduzir as necessárias alterações ou correções, partimos para a sua execução.
Ficou bem assente que se os textos envolvessem tendências políticas, logo a PIDE, além de proibir a sua utilização, ainda nos trancafiava a todos atrás das grades. Tipo Inquisição perfeita e sofisticada, que lá mais nos antigamentes chegou até a querer destruir Luís de Camões, que esteve em risco de ser proibido de editar “Os Lusíadas”!
O sistema, ou método, compunha-se basicamente de três pontos:
- impressão de um livro/caderno, e sua distribuição gratuita entre a população interessada;
- programa de rádio, diário, que explicaria aos alunos como associar o que viam escrito nos cadernos a letras do alfabeto;
- exames periódicos, sem a necessidade da presença do interessado, através de uma ou mais folhas destacáveis do caderno a serem entregues em locais pré-estabelecidos, as quais depois de analisadas informariam o aluno do seu aproveitamento.
Pelos cálculos do professor, cada turma não demoraria mais do que três meses a aprender a ler e começar a escrever. Era um método surpreendente! Num instante a grande maioria da população poderia estar, no mínimo, a ler!
Previa-se, para a primeira rodada a distribuição de uma ou duas dezenas de milhares de cadernos, calculando-se que de início o aproveitamento final seria de trinta a quarenta por cento.
As rádios contatadas puseram os seus microfones à disposição do programa, sem qualquer custo, o que não era nenhuma gentileza porque se previa que a grande maioria da população, pobre e/ou analfabeta, com uma imensa fome de aprender, ia sintonizar, de manhã bem cedo, os seus rádios na emissora escolhida!
Orçamentos de impressão e divulgação do programa, prontos. Os interessados só teriam que ir a uma das agências do nosso banco solicitar a entrega de um caderno, oferecido, como é óbvio, e deixar o seu nome inscrito para controle dos resultados. Podiam até dar nome falso que ninguém iria conferir.
O professor revisava os textos a serem entregues na gráfica, para não cair ingenuamente, ou quem sabe, deliberadamente, nas garras dos pides, e nós, no banco, entusiasmados com o resultado social que esperávamos alcançar.
Chegou a revolução dos cravos, e como se está mesmo a ver ficou tudo encravado! Suspendeu-se o programa até se poder ver um pouco do que estava à frente para vir. Não demorou que o governo, português, anunciasse que ia entrar um novo governo de transição, até à entrega definitiva do país após a sua independência.
Logo que assentou um pouco a poeira dos novos sovietizados governantes provisórios/transitórios,  pedimos uma audiência ao provisório ministro da educação. Jovem, alto, quase não falava português, formado numa universidade de non whites em Durban, na África do Sul, compreensivelmente racista, encarando os brancos, todos, como inimigos, recebeu-me com uma frieza polar. A seu lado uma diretora de serviços, moçambicana, formada na Universidade de Coimbra, cultura com que podíamos dialogar, jovem, bonita (já tinha marcado a sua bela presença na cidade!) e simpática. Mas o ministro não era ela.
Expus, detalhadamente o programa que tínhamos levado quase um ano a montar, e que estava pronto a ser posto em funcionamento.
Como era evidente o novo governo deveria rever os textos e dar-lhe o sentido que entendesse. O professor estava pronto a fazer as necessárias alterações. Tudo quanto faltava era mandar imprimir os cadernos, o que o banco continuava disposto a fazer a seu cargo, distribui-los e começar.
O ministro, ouviu, ouviu, sua cara imóvel como uma máscara maconde.
- Porque é que o banco, sendo uma empresa capitalista, quer alfabetizar as populações?
Já faltava mesmo uma perguntinha de caráter vermelhusco!
- O senhor sabe que em qualquer parte do mundo todas as empresas visam um lucro. Mesmo no bloco soviético. Se não tiverem lucro quem arca com as despesas é o povo! No mundo ocidental é o mesmo. A única coisa que há a fazer é controlar as margens para que não sejam abusivas. Além disso o banco ao pensar neste projeto, olhou para o futuro, e como tudo quanto um banco tem para oferecer, qualquer outro banco também tem, aos mesmos custos, imaginámos que este investimento nos poderia trazer um dia, bem mais tarde, a simpatia da população e assim termos mais facilidade em cativar clientes.
- Mas porque é que o banco, sendo uma empresa capitalista quer alfabetizar as populações?
A mesma pergunta! Ou estava a gozar comigo ou algo novo estava a aparecer-lhe pela frente, coisa que ele nem imaginava que pudesse existir.
Respondi dentro da mesma tónica e rebuscava no fundo das minhas capacidades, argumentos que o convencessem que, da parte do banco, não havia jogo escondido, político, de branco contra negro, ou anti independência, sei lá! Sei que suei para tentar arrancar daquela cara fechada a sete chaves algo que pudesse permitir uma troca de idéias mais normal.
A mocinha, lindona, de vez em quando, sem que o chefe visse, ia assentindo, naturalmente, com a cabeça, parecendo concordar que o programa só poderia trazer vantagens até para o novo governo, dentro da medida em que a revisão dos textos levasse a introduzir frases de nova mentalização, o que era fácil. Tudo isto expus ao ministro. Ao fim de uma hora de muita luta verbal aquela máscara moveu um pequeno músculo! Aleluia! Começava a sair detrás de todo aquele gelo e a ser só gente.
Nessa altura descontraí um pouco a conversa e, glória minha, desculpem a imodéstia, consegui fazer sorrir aquele homem, inteligente, mas certamente também traumatizado, o que permitiu que a troca de idéias fluísse mais naturalmente.
Saí de lá com a certeza de que o diálogo estava estabelecido. A primeira hora tinha sido unicamente um extenuante monólogo. À despedida disse-me que tinha pela frente uma tarefa imensa e dificílima, o que eu sabia ser verdade, ia pensar nisso e na próxima semana voltaríamos a falar.
- A doutora... lhe telefonará.
Aguardei, e lá veio um dia o telefonema marcando outra reunião. O ministro já não trouxe a máscara. Vinha com cara de gente. Infelizmente tantas eram as suas preocupações, e tão pouca a gente disponível para montar toda uma nova estrutura educacional, num país novo, não podiam comprometer-se em lançar esse programa durante os primeiros tempos.
- Talvez mais tarde.
Não houve, nunca mais, esse mais tarde. Tive muita pena que não tivessem aceite. Estava tudo feito, pronto, e teria sido uma tremenda ajuda ao novo país, totalmente desinteressada. O trabalho deve ter-se perdido, mas quem mais perdeu foram aqueles que não se alfabetizaram.

Escrito em 2001. Revisto em 5-nov-16