sexta-feira, 30 de outubro de 2020

 

BANHA ou SEBO

Humanos, zebus, camelos e ursos

 

Nós, os chamados do “topo da cadeia alimentar e sapientia, primatas sapiens-sapiens, aparecemos neste planeta (estou cansado de falar nisto!) há menos de 0,003% do tempo em que a “terra” nasceu. Vamos dizer que serão uns 200.000 anos... se forem assim tantos.
As alforrecas (do árabe al-hurraiga -urtiga) ou águas-vivas, talvez os mais antigos animais da Terra, terão aparecido cerca de 650 milhões de anos antes dos humanos, os zebus, descendentes do “Bos Taurus” separaram-se dos outros Bos há alguns milhões de anos e, iguais aos de hoje, começaram a ser domesticados há cerca de 9 mil, os camelos teriam a sua origem na região do Polo Norte há uns 45 milhões de anos, e os ursos talvez uns 20 milhões.
O que têm em comum todos eles? Primeiro, exceto as alforrecas, são todos mamíferos, o que significa que todo o cuidado que eles têm com as fêmeas é pouco; jamais algum deles se lembrou de propor uma lei de aborto, nem consta que qualquer fêmea tenha feito, até hoje, operações plásticas para aumentar as mamas. Mas isso não interessa ao que vamos, a seguir, mencionar.
Comecemos pelos zebus. Originários da Índia, onde o clima, mesmo regular, depende das terríveis monções, quando, no verão chove imenso, alagando tudo, e no inverno a terra seca, quase ou mesmo desértica. O que fizeram os zebus para sobreviver a tão dramática situação? Há milhares, milhões de anos, no período das chuvas, quando há fartura eles comem o máximo que conseguem, sempre em excesso, excesso esse que armazenam na corcova – giba ou cupim – como gordura, e tanta quanto possível para atravessarem o inverno sobrevivendo com essa reserva quando o capim lhes falta.
Os camelos, que por incrível que pareça são oriundos do Polo Norte ou da América do Norte, com a glaciação passaram para a Ásia indo até Médio Oriente, tiveram que atravessar desertos imensos e com isso criarem situações semelhantes aos zebus, armazenando em uma ou duas imensas corcovas (dromedários, uma e camelos duas) grande quantidade de gordura e têm ainda uma rara qualidade que lhes permite quase não consumir água, nem alimentos durante cerca de duas semanas, chegando a andar 150 quilômetros por dia, dias seguidos,
E os ursos? Há imensos programas de animais de Tv mostrando os ursos a se banquetearem com os salmões na desova, riquíssimos em nutrientes, a matarem alguns pequenos animais para encherem o bandulho, engordando umas centenas de quilos para depois irem hibernar durante três ou quatro meses, diminuindo o seu ritmo cardíaco e deixando o corpo ir vivendo com as reservas armazenadas no outono. Não têm corcova e o excesso de gordura se espalha por todo o corpo. Quando volta a primavera os ursos despertam, deliciam-se com frutos silvestres e só começam a comer demais e encher a barriga no outono, quando sabem que vão precisar de reservas.
Tal qual os zebus, os camelos e outros animais.
E o homem? Ah! Os humanos! Antes de começarem a ser “civilizados”, não havia gente gorda, mesmo quando uma pequena tribo caçava um mamute, ninguém comia além do que lhe era necessário. Tinham que gerir todo o alimento que colhiam ou caçavam porque o dia de amanhã era sempre uma incógnita, e ninguém se arriscava a uma indigestão para uns dias depois morrer de fome. Eram bastante sapiens os nossos remotos antepassados. As mulheres sempre foram um pouco mais cheinhas porque os homens é que tinham, sempre, que correr atrás de alimento. Até pelo menos ao século XIX, o padrão de beleza feminina era de esqueletos bem cobertos de carnes, sem excessos. Veja-se por exemplo as pinturas de Renoir.
Mais para trás as mulheres usavam até armações metálicas para alargarem – imenso! – os quadris, os polissons, ou só para aumentarem as nádegas, os pannier!
Quando os europeus chegaram a África e contataram as tribos do deserto do Kalahari, os Bosquímanos ou Khoisan, talvez o grupo humanos mais antiga da terra, ficaram admirados ao verem os homens muito magros, mas de imensa resistência e as mulheres com esteatopígia  (do grego στεατοπυγία, de στεαρ, stear, "sebo", "gordura", e πυγος, pygos, "nádegas") aquele imenso acúmulo de sebo, gordura, nas nádegas. Porquê? Eles correm pelo deserto, às vezes dias a fio, para caçar algum animal enquanto elas ficavam quietas cuidando dos filhos, e aquela gordura servia-lhes para poderem garantir a amamentação dos filhos.
E chegamos ao século XX, pior ainda ao XXI.
Em todo o mundo, 2019, há mais de 700 milhões de obesos e 2,4 bilhões com peso excessivo! Só nos EUA estão 87 milhões de obesos!
Isto transformou algumas atividades importantes: uma a dos fabricantes de químicos, que vendem toneladas de miséria para combater a obesidade e aquela indesejável barriguinha, depois, sem ordem cronológica as chamadas academias que obrigam as pessoas a esforços quase sobre-humanos para ficarem elegantes (os homens com as barriguinhas tanquinhos, tão sexi que alguns implantam silicone para se mostrarem machos), uma imensidão de clínicas, spas, médicos, nutricionistas, fast-food, comida industrializada, cheia de químicos (conservantes, corantes, aromatizantes, antioxidantes, antiumectantes, acidulantes, espessantes, edulcorantes, estabilizantes, emulsificantes, glaceante, flavorizante, melhorador de farinha, estabilizante de cor, espumante... e até outros que conseguem ser camuflados. Até no pão, alimento sagrado, se usam químicos. CRIME!
Toada esta área industrial, comercial, médica, etc. ficaria sem rendimentos se as pessoas aprendessem a comer... por exemplo como os zebus ou os camelos!
Como os zebus e camelos, e até como os ursos, baleias e muitos outros, que só comem em excesso quando sabem que em grande parte do ano o alimento lhes vai faltar.
O excesso, o organismo guarda-o, em forma de gordura, para ser utilizada quando necessária.
Porque há no mundo tanto obeso ou gordo?
PRIMEIRO PORQUE COMEM MAL
Neste nosso tempo, desde muito pequenos, quando uma boa maioria dos bebés não se aleita do peito das mães, e mesmo que o faça, ela já está cheia daquela parafernália química, depois porque a GULA, desejo por comidabebida ou drogas, além do necessário, é tão nefasta que para algumas o cristianismo, procurando o bem estar dos homens, e mulheres, considerou-a um dos sete pecados capitais. Segundo tal visão, esse pecado está relacionado ao egoísmo humano: querer ter sempre mais e mais, não se contentando com o que já tem, uma forma de cobiça
Todos temos na família uma ou mais pessoas que estão acima do peso ideal. Parte dessas pessoas chegou a esse estado porque não fechou a boca no momento que devia e assim foi acumulando gordura.
Só que ninguém foi depois para o deserto, levando só uma garrafa de água, para ali ficar sem comer durante um mês.
Outras têm o grave problema chamado diabetes. Grave mesmo, porque o pâncreas não produz as células hormonais que ajudam o corpo a quebrar e usar o alimento. Esta doença já fora diagnosticada no Egito há cerca de 4.000 anos, mas só recentemente se descobriu como funcionava e como pode ser contornada.
Voltando aos nossos bichinhos, que sapiens muito bem o quando e quanto devem comer para sobreviver, também sabemos que a grande maioria da população mundial tem alimentos à sua disposição o ano todo. Não precisa armazenar gordura nas nádegas, barriga, etc.
Sabemos ainda que há ainda uns milhões de seres humanos que passam fome: guerra, falta de investimentos em infraestruturas de distribuição de água, falta de apoio técnico e financiamento, que é hoje a maior vergonha dos tais sapiens sapiens que preferem ganhar dinheiro com guerras e miséria do que transformar o nosso planeta em habitável sem vergonha.
Para aqueles que têm alimentos à sua disposição, o ano todo, mesmo carregados de química, a solução para uma vida saudável, não são os medicamentos, aliás os remédios que só servem para remediar, nem academias, nem dietas.
É a boca e a cabeça.
Comer só o necessário. Nem um grama a mais. E além disso o trivial: não abusar ou evitar refrigerantes cheios de veneno e açúcares, doces só um pouco para deixar a boca agradecida, e jamais fazer refeições para comer à bruta. Para contrariar essa possibilidade faça um regime inteligente, como faziam os ingleses:
- café da manhã, a melhor refeição do dia, cerca de 12 horas desde a última refeição na véspera: eles comiam ovos, feijão cozido, salsicha, pão, manteiga e café com leite. Saíam prontos para enfrentar um dia de trabalho.
- almoço: pouca coisa, para poder continuar a trabalhar na parte da tarde sem ter a pança cheia.
- à tarde: um lanche mais completo, algumas cervejas (a cerveja não engorda, e isso eu sei bem por que estudei e trabalhei dez anos em fábricas de cerveja. Ela não é mais do 99% de água)
- noite: um pouco antes de ir deitar-se: um chazinho, um biscoito e... cama.
As clínicas, médicos, nutricionistas, indústrias farmacêuticas e quejandos que me perdoem, mas a esmagadora maioria dos que engordam e se tornam obesos é porque querem. E com o vosso aplauso.
Os que não querem... ficarão sempre elegantes.
 
30/out/20

 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 

Imaturidade e senilidade

Esquerda e direita

Ser de esquerda e direita? Não custa muito imaginar que se há alguém assim eu sou um deles. Só que as “definições políticas” que configuram estes dois vocábulos geométrico-políticos, nada teriam a ver com as que os denominados profissionais da política usam.
Para eles ser de direita é proteger investimentos, trambicar em negócios escusos com fortunas virtuais, pagarem o mínimo de impostos possível, manterem-se bem instalados na vida, enriquecerem, enriquecerem, negociarem com moedas vitruais e depois fomentar Covides e desestabilizarem países pobres! Os de esquerda é badernar, falar mal de tudo e todos, procurar lugarzinhos e lugarzões nos governos para se alcandorarem a fazer exatamente o mesmo do que os seus inimigos de direita. E tudo isto, em nome do povo... idiota, às vezes até apoiando-se em religiões!!!
Estranho, né? São iguais, e tudo em que pensam é no seu problema pessoal. Como sacar de qualquer lado, melhor ainda metendo a mão no erário público com projetos que só servem para a próxima eleição, i. é, reeleições, qualquer deles, esmagar o próximo, o povo.
O povo?... O que é isso mesmo de povo?
Eu que não sou político, exaspero-me com a canalha que desvirtua tudo, não deixo de ter na cabeça o que considero ser de direita ou extrema esquerda.
Primeiro, a palavra “direita” está errada. Não por ser uma palavra no feminino, mas por estar conspurcada pela política. Isto de esquerda e direita, serve bem para a circulação de veículos nas estradas, tem origem na geometria: do lado esquerdo ou do lado direito! Idiotice, mas parece que terá começado assim. Daí eu me considerar ser um homem “direito”, que nem no meio me encaixo.
E não há explicação mais simples para esta postura, porquanto considero que tudo que não está certo, está errado e tem que ser endireitado. Posto a direito, doesse a quem doesse.
Vou recordar um dos mais extraordinários homens de que Portugal se deve orgulhar, e deveria ter como exemplo: o engenheiro Duarte Pacheco, que foi Presidente da Câmara de Lisboa e Ministro das Obras Públicas. Infelizmente um acidente levou-o quando tinha só 43 anos. Deixou o país dividido, mais de noventa por cento o venerava e uns poucos o odiavam porque nunca se vendeu, nunca recuou perante pedidos e/ou ameaças, sempre fazendo o que era o melhor para o seu país. Morreu pobre, mas a sua obra e os seus projetos já aprovados permaneceram por décadas.
Só uma historinha dele com o big chefe Salazar. Salazar, ex seminarista, super católico, queria que as escolas tivessem salas separadas para meninos e meninas, e dava essas ordens ao ministro. Este dizia a tudo que sim, porque com o Salazar não havia diálogo possível. Indiferente, construía as escolas e... depois de prontas tinha poucas salas, onde teriam que entrar ambos os sexos. Salazar reclamava e ele dizia que não tinha havido verba para fazer maior!
Um grande, extraordinário homem, apolítico, DIREITO.
Agora o caso mais complicado: a esquerda, extrema declarada ou disfarçada de socialista, i. é, vulgo falso comunismo.
En passant, alguns nomes do super comunismo para ver se compreendemos esta ala política.
Stalin, que não era o seu nome, mas que o acrescentou porque significa “aço”. Forte como o aço! Jamais pensou no povo, jamais. Só lhe interessava o poder, pelo poder. Matou milhões à fome quando lhes sequestrou a produção alimentar na Ucrânia, para ter dinheiro para fazer armas, mandou matar todos aqueles que ele imaginava que tinham capacidade para lhe fazer sombra e deixou um monte de países cheios de canhões, tanques, bombas atómicas e um povo miserável, além de outros milhares de mortos com frio e fome na Sibéria.
Bregenev de quem se contava uma historinha curiosa. Gostava muito de automóveis. Quando visitava um país o melhor que lhe podiam dar era o mais luxuoso carro que esse país fabricava. Guardava na sua garagem. Um dia a sua mãe, ao ver tanto luxo, lhe terá dito: “Meu filho toma cuidado! Olha se os comunistas sabem que tens tudo isso!”
Só mais um, o gangster Ceausescu. Dono da Democrática República da Roménia, que governava a ferro e fogo, quer dizer a tiros, prisões, etc., “em nome do povo”. Só na revolução de Timisoara matou 60.000 romenos, os tais do povo. Em casa vivia modestamente: as torneiras dos banheiros eram de ouro puro! Um dia o povo chateou-se, julgou-o mais a amantíssima esposa, condenou ambos que foram fuzilados.
Estes três são exemplos simpáticos do comunismo.
O mais antigo dicionário que possuo (1931) define assim comunismo:
- “Sistema dos que aspiram à felicidade do género humano pela separação dos bons e dos maus.”
Brilhante a ingenuidade do professor Francisco Torrinha! (Sr. Torrinha : gostei do género!)
Mas... face a esta explicação, fiquei a pensar quem seriam os bons e os maus! Pelo que se viu, e se continua a ver, bons seriam os que acima já citei, mais Bakunin, Mao, Fidel, Mário Soares, Lula, Zédu, o Monhé português e outros quejandos, e os maus, horríveis, eternamente apontados como péssimos, De Gaulle, Salazar, Franco, e eu, que devo estar na lista dos péssimos, até porque o meu comunismo é ligeiramente diferente. Daí que até dois velhos dicionários de francês (dos anos 30 e 40) simplesmente aboliram esse vocábulo!
Mas é simples o meu conceito de comunismo, que não é novidade alguma porque já Zoroastro falou nisso, Buda também e Jesus deixou essa mensagem bem clara. Se é para ser comum, a primeira coisa a fazer é dividir todos os bens e valores do mundo, por exemplo o PIB mundial, pelos atuais sete bilhões de habitantes. Se o tal PIB for de 100 trilhões de dólares, atribui-se a cada um o valor, resultado da divisão, que dá mais ou menos uns US$ 1.400, por cabeça/ano, configurados não em moeda mas bens.
É claro que há que levar em conta que as crianças dependem dos pais, de modo que estes poderiam ser subsidiados durante algum tempo, mas ninguém, jamais, em tempo algum, nem por alma do diabo, poderia receber por mês ou ano mais que o seu igual: qualquer outro humano, seja ele presidente, ministro, etc.
A barriga, estômago de um presidente é igual à de um pobre.
Não seria necessário dinheiro: trocas. Trabalhar para produzir o que quer que fosse e trocar por comida ou qualquer outro item.
Nesse sistema, só combustível eólico, solar ou do movimento das marés, etanol ou semelhante, renovável e pouco ou nada poluente.
Petróleo jamais explorado. Completamente abolido.
Plástico esquecido.
Veículos automóveis só para quem necessitasse dele para trabalhar, como médicos, i. é, ambulâncias dos hospitais ou postos de saúde e só usado quando alguém, longe, estivesse mal. E os bombeiros. Combustível? Solar ou etanol.
Hospitais em todo o lugar, assim como centros de saúde.
Escolas idem.
Religiões: cada um escolheria a que entendesse, mas templos não haveria. Não há necessidade de interiorização em templos, muito menos daqueles grandiosos como Notre Dame de Paris, a Grande Sinagoga de Budapeste ou a Grande Mesquita de Meca, bem com as das miríades de outros cultos. Orar para a magnificência de um templo sem olhar para a magnitude do ser humano?
Túmulos iguais para todos. Nada de Mausoléus de Halicarnasso, Pirâmides ou Taj Mahal.
Campos desportivos, quantos o povo quisesse, mas jogador nenhum ganharia mais que qualquer outra pessoa e ninguém pagaria para assistir. Eu também joguei futebol, ténis e golf e nunca recebi um centavo. Nem quando me arvorei em toureiro!
Trens – combóios – automóveis e/ou caminhões só com a energia acima citada. E até aviões se houvesse necessidade deles.
Nos navios uma mistura de energia solar, velas e, se... etanol.
Fábricas poderiam continuar a existir, sempre os donos seriam o povo, por comunidades, e nem diretores nem engenheiros receberiam mais do que qualquer outro trabalhador.
Não se fabricariam armas. Para quê? Nem para caçar.
As cidades seriam despovoadas; toda a gente teria que providenciar a sua alimentação ou trocar o fruto da sua profissão – pedreiro, marceneiro, médico, etc. – por alimento.
Moeda... para quê? Sobretudo esta, moderna, escriturada, falsa, que esmaga os mais fracos.
Morriam as bolsas de valores, as empresas de investimentos, de câmbios, etc.
Tribunais? Nada de juízes e/ou leis. Seria mais do que suficiente uma estela como a de Hamurabi (que falta faz hoje!!!) se o povo começasse a sair da linha. O bom senso é suficiente. Pode seguir-se o sistema dos Inuits da Groelândia, que o Canadá aboliu: os anciãos da comunidade ouvem o prevaricador confessar o seu crime e esperam que ele dê mostras de arrependimento. Se se arrependesse totalmente voltaria a ser integrado na sociedade. Se não... privado de quaisquer bens, morreria de fome e isolado, ou voltaria a ser um indivíduo normal. (Há hoje muitos indivíduos normais?) Juízes e ainda por cima corruptos? Toda a gente sabe distinguir o bem do mal.
Sobre juízes do STF brasileiro, o meu “amigo” Hamurabi tinha um lei magnífica, a nr. 5:
Se um juiz dirige um processo e profere uma decisão e redige por escrito a sentença, se mais tarde o seu processo se demonstra errado e aquele juiz, no processo que dirigiu, é convencido de ser causa do erro, ele deverá então pagar doze vezes a pena que era estabelecida naquele processo, e se deverá publicamente expulsá-lo de sua cadeira de juiz. Nem deverá ele voltar a funcionar de novo como juiz em um processo.
(Que limpeza faria no STF brasileiro, o prende/solta. Prende solta! Os bandidos e amigalhaços que pagam!)
Eleições? Nada. Cada comunidade escolheria, em reunião, aquele/aquela que os pudesse representar em diálogo, no ensino, em liderar grupos, etc.
Igrejas, sinagogas, mesquitas, prédios e/ou palácios para assembleias, governos ou poderosos, os que existem seriam transformados em habitações ou serviriam de exemplo para que se visse como o povo era explorado por gananciosos, ladrões ou falsos profetas, até ao dia em que caíssem de velhos. Mais ou menos o mesmo o que se passa hoje com as pirâmides do Egito que só servem para o turismo e para mostrar como era fácil juntar milhares de escravos para se “mostrar” grande.
Padres, pastores, imanes, rabinos, etc., não teriam seminários ou madrassas, estudariam como quisessem e trabalhariam para terem o que comer, como qualquer um e, quando e se quisessem iriam “proselitando” o povo, ao ar livre, para lhes exporem as suas ideias de salvação, se é que... o povo não estava já nesse caminho. Salvação??? Proselitismo sem lucro??? Onde já se viu isso?
Continuaria a escrever-se e publicar livros. Todo o povo tem direito à mesma educação e instrução. Não para depois a usar para explorar o seu semelhante.
E etecetera.
Este é o meu comunismo. O da Verdade.
Dar aos outros o que a mim às vezes sobra, amá-los como irmãos, jamais olhar de cima para baixo, será isto utopia? Creio que nem Thomas More se atreveu a ser tão utópico, porque limitou a sua utopia a uma ilha.
Comunismo como o que acima se descreve é uma super utopia. Pode ser que um dia, talvez daqui a mil ou dez mil anos venha a acontecer.
Um sonho de igualdade
Eric Blair, conhecido como George Orwell, nos seus livros mais emblemáticos, expõe também as suas utopias mas acaba por afirmar que se nem os animais são todos iguais, a afirmação de que o futuro pertence aos proletariados é uma grande inverdade. A revolução bolchevique foi há mais de um século, “previu” o domínio dos proletários (como stalins, fidéis e outros...) e cada vez mais o mundo é dominado pelos bezerros de ouro.
Alexandre Herculano, homem de total ética e integridade, afirma (em1836) a certa altura:
Os homens que entenderam ser do seu interesse ou do interesse do país fazer surgir daquele estado anormal uma situação regular viram que a primeira necessidade era elevar o motim à altura de uma revolução. ... Basta para isso a ação mais ou menos lenta, mas segura e pacífica, da liberdade da palavra, da imprensa e do voto. Mas o povo com estes recursos não sabe tirar os seus negócios das mãos de quem os gere mal, é um povo ou que ainda não chegou à maioridade ou que já se arrasta na senilidade.”
Estou a ver nestas palavras o que se passa, por falta de maioridade, em África e na América Latina, e por senilidade... Portugal, Espanha, França e praticamente toda a Europa Ocidental, incluindo os “mais avançados” Dinamarca, Noruega e Suécia. A Oriental, apesar dos ataques de EU parece estar a renascer das cinzas da URSS, o que lhe dá um vigor novo.
Face a tudo isto ter que esperar uns tantos milénios para ver se o paraíso sai do etéreo e se instala na terra. Ver se um dia o espírito consegue dominar a carne, o ego.
Vou ver lá de cima, onde o tempo não conta. Na eternidade é sempre presente, passado e futuro.

30/09/2020

 

 

terça-feira, 13 de outubro de 2020

 

Vovô Giuseppe

 
Siciliano, apesar de nunca ter sido mafioso, imigrou muito jovem com os pais que não quiseram participar da guerra nem das máfias.
Foram para São Paulo, alojaram-se numa modesta casinha no bairro Bexiga, onde o pai, Gabriel, arranjara trabalho numa pequena pizzaria. Com o tempo e muito tento nas despesas, acabou tendo o seu próprio negócio, também uma cantina, onde ajudado pela mulher, dona Paola, o movimento crescia bem.
Quando Gabriel Zelante faleceu, seu filho Giuseppe ficou à frente da casa durante muito tempo, com a ajuda da mamma, reconhecida e admirada como a melhor cozinheira do bairro.
Um dia mamma Paola... se foi também, Giuseppe ficou solo na cantina, já um grande restaurante, ele que tinha casado e descasado duas vezes e não tivera filhos. Lutou, muito, para manter a qualidade e a quantidade de clientes, mas ao fim de alguns anos sentiu que não tinha mais condições para continuar e vendeu o negócio.
Ficou com dinheiro, folgado, mas sem família.
De dia visitava as cantinas dos colegas e amigos, bebia uns copos com um ou outro, era bem recebido em todo o lado, almoçava as pastas, e à noite, quase sempre, como desde há muitos anos, visitava umas casas onde meninas e menos meninas, vendiam seus corpos por alguns momentos de prazer. Tornou-se um habitué, quase um viciado, mas sobretudo conhecido e querido de todas aquelas simpáticas que o acolhiam sempre muito bem.
A maioria das vezes só ia lá tomar café e jogar um pouco de conversa fora, e nunca esquecia o aniversário de qualquer uma, levando-lhes sempre um presentinho, que podia ser um perfume.
Vez por outra chegava com uma caixa de bombons, às vezes um ramo de flores, e nos anos da patroa eram pelo menos duas garrafas de champanhe!
Aos setenta e alguns anos não podia andar por ali feito garanhão, mas sempre carregava no bolso uma daquelas pílulas azuis para o caso de se entusiasmar com alguma das “bonecas”.
A casa que mais frequentava tinha em média cinco a seis meninas, que oscilavam entre os dezoito e quase cinquenta anos! A patroa... tinha-se-lhe perdido a conta, era segredo guardado a vinte chaves, mas não fugia a tratamentos plásticos, sempre que via pelancas de mais a sobrar-lhe em algum lugar.
Refez os chamados glúteos, levantando a bunda, seios firmes com 200 ml várias vezes substituídos, os liftings da cara, botox nas beiças, enfim tudo quando aparecesse de novidade, dona Garotinha mandava aplicar, – nome de guerra, e ninguém lhe conhecia outro – (Bambina, como carinhosamente lhe chama Giuseppe, que a conhecia desde... desde quando mesmo? Desde que um dia ela lhe aparecera lá no restaurante e... conversa puxa conversa, acabaram conversando deitados!) quando olhava para fotografias suas de quando tinha uns trinta anos dizia: não faço ideia de quem é esta. Volta e meia contava que em tempos... tinha tido um importante papel na política... um amante rico... muito nova casara com um sujeito que era um garotinho, metido, filho de papai, mas que não valia nada. Não tardou a que o vizinho se engraçasse com ela, deixou o estúpido e desonesto garotinho. Com o vizinho também não foi bem, arranjou um outro, e sempre lembrava aquele “tropeço” com o Giuseppe. E assim começou... aliás, continuou.
Estava agora outra pessoa, mas não queria desistir de dar a melhor assistência possível, principalmente a velhos amigos e clientes, a muitos dos quais ela mesma, amável, fornecia a pilulazinha, que enquanto não fazia o esperado efeito, aproveitava para falarem sobre bobagens e tomar um cafezinho. Forte.
Giuseppe conhecia as garotas todas, e quando chegava uma nova fazia questão de ser o primeiro a experimentar. A sua antiguidade na casa dava-lhe esse privilégio.
Tinha até um caderninho onde anotava tudo, dando uma nota a cada item: seios, bunda, coxas, cara, barriga, até cabelo, sorriso e desempenho, muito importante o desempenho, conhecimentos, exercícios preliminares, etc.
Com aquele caderninho, que guardava em segredo, conhecia os mínimos detalhes de cada “generosa” e, quando repetia a visita, voltava a analisar cada um dos pontos para ver se elas tinham melhorado ou deixado cair a nota geral.
Um dia, já noite, aguardando a hora do pique, meninas quase todas na sala, Giuseppe tomando o seu café e rindo com histórias que algumas sempre tinham para contar, entram três bandidos, assaltantes, armas nas mãos, exigindo dinheiro, procurando pela grana delas e dos clientes que não haviam ainda chegado.
Giuseppe, seu cabelo branco, não se mexeu nem se levantou, nem os bandidos lhe ligaram importância, e na falta de grana, decidiram que iam “comer” algumas das garotas. Uma rapidinha, para depois darem o fora.
Escolheram as garotas pegaram-lhes com força nos braços, levaram-nas para as alcovas e avançaram sobre elas, que berravam porque ninguém gosta de ser estuprado, e Giuseppe, sentadão foi bolando um esquema.
- Bambina! Onde tem o seu laquê? Quantas latas?
Rapidinha ela foi buscar, duas latas de spray.
Na sala de entrada havia uma espécie de moca, presente há anos oferecido a Bambina por um cacique da Amazônia que a visitou e quase se apaixonou por ela.
Giuseppe, spray numa mão e porrete na outra entra no primeiro quarto, o bandido prestes a adentrar o objetivo, ouve a porta abrir, olha para trás, leva uma sprayada nos olhos, levanta-se, grita e leva uma paulada na cabeça. Num instante a parceira pega no cinto do roupão rosa florido e amarra-o pelas costas. Depois o segundo, num outro quarto recebeu o mesmo carinho e por fim o terceiro.
Nenhum teve tempo para se livrar do azarado assalto.
Num instante estavam os três sentados no chão da sala, mãos amarradas atrás das costas, lenços bem apertados nas bocas para não dizerem bobagens, pés também amarrados, aguardando a polícia chegar, sem que algum tivesse entendido o que lhes tinha acontecido.
Giuseppe só fazia sinais às meninas para que não falassem.
A polícia, olhos arregalados carregou os três, e a festa, em honra do herói, começou. Todas queriam oferecer os seus préstimos amorosos porque, no fundo, era tudo o que possuíam.
Giuseppe recebeu inúmeros beijos na face, na testa, mas não passou disto.
Como a casa da Garotinha era num primeiro andar, e a porta da rua ficava somente encostada, não passou uma semana e nova invasão. Desta vez eram dois matulões, armados de pistolas. Encostaram à parede um cliente que acabara de entrar a quem despejaram a carteira, e depois de escolherem as garotas para completar a farra, e de muito terem ameaçado quem os atrapalhasse, levaram-nas para o quarto.
- Bambina... os sprays!
Lá vai Giuseppe e repete o que tinham feito já uma vez.
Bandidos amarrados, polícia chegando, mas ninguém explicava como tinham conseguido tal façanha.
- Bambina, vamos montar um esquema especial.
- Como?
- Eu fico sentado numa cadeira lá na entrada, todas as tardes, até umas oito ou dez da noite. Quando alguém quiser entrar eu pergunto o que querem, e se vir que é assalto, vá de sprays em cima. Mas não vai ser o seu laquê, não. Tenho um amigo da polícia, já aposentado, a quem contei o que se passou e ele vai arranjar uns sprays especiais, imobilizantes! Os miseráveis caem para o lado instantaneamente, e como isso é proibido para uso civil, depois encho-lhes a cara com os laquês, para disfarçar.
- Giuseppe, meu querido, isso é perigoso.
- Não. Deixa comigo.
- E se forem clientes?
- Ah! Isso é outro negócio. Eu vejo o que exatamente eles procuram, e como conheço bem estas queridas e sei de todas as especialidades de cada uma, já lhes recomendo qual devem procurar. Aos seus amigos, como têm livre trânsito, nem pergunto nada.
- Isso é loucura! E não esqueça que aqui há sempre uma ordem de atendimento.
- Vai ser muito divertido. E essa da ordem é falsa porque o cliente não é obrigado a ir com quem estiver na frente.
A partir desse dia, Giuseppe, ar de velhinho caquético e sonolento ficava na entrada do prédio, prédio de dois pisos acima das lojas, ambos ocupados pelas alcovas da “Maison Garotinha”.
Quando aparecia uma cara nova, era submetido a rápido interrogatório:
- O que o senhor procura?
- A casa da dona Garotinha.
- Mas quer o que?
- Uma garota, uai. Se possível bonitinha, coxa gorda, bunda generosa, aquele peitão, sabe como é, não?
- Sei.
- Olhe, quando lá chegar acima diz que quer a Georgetty. Ela gosta de supliciar quem lhe aparece, mas não desarma de jeito nenhum. E pode repetir quantas vezes quiser, porque no fim, quem saí de queixo caído é você. Tal qual o que você procura.
À saída, o minêro, porque era minêro mêmo, passava por Giuseppe, levantava o polegar e dizia:
- Vósmicê acertou na mosca.
- E você não?
Riam, e a vida seguia.
Novo assalto. Desta vez vinham cinco, entre eles um dos que lá estivera da primeira vez, raivoso, disposto a vingar-se.
- “Elas, e eles se lá estiverem, que se cuidem. Não voltam a brincar comigo.”
Viram o velhinho ali sentado, parecendo cabecear, mas que lhes perguntou o que procuravam.
- Velho. Nóis vem para dar porrada naquelas moças e sacar tudo quanto lá tiverem. Não voltam a brincar comigo, não. Desta vez vai tudo no pau.”
Giuseppe, que parecia dormitar tinha sempre o spray especial à mão. Em poucos segundo os cinco jaziam ali estendidos, parecendo mortos.
- BAMBINAAAA!!! Gritou. Manda as garotas todas aqui, rapidinho, per favore.
Pressurosas vieram com os trajes que tinham vestido, sexys, quase um nada, à espera dos fregueses. Só lá ficaram duas, ocupadas no serviço.
- Vamos pôr este lixo todo na rua e chamar a polícia. Mas vamos pôr mais abaixo. Uns cinquenta metros daqui, porque eles vão demorar só uns quinze minutos para acordarem.
Procissão de garotas, meio despidas, rua abaixo, cada duas carregando seu fardo. Transeuntes que passavam, se sós, vinham correndo ajudar as beldades, oferecer seus préstimos, nunca rejeitados, e depositar aquele “lixo”, na esquina abaixo.
Alguns aproveitavam e seguiam depois direto para o primeiro andar, agarrados à boneca que haviam ajudado.
Foi um sucesso.
A polícia, quando chegou só viu um velhinho sentado em frente a uma porta, parecia dormir, mas de olho aberto.
- Boa noite.
- Huumm!
- O senhor sabe o que se passou aqui?
- Só vi uma kombi parar e descarregar esses sacos, sacos mesmo, né? e ir embora. Não fizeram barulho, nem disseram nada.
Nessa noite, Giuseppe, folheou o seu caderninho e conferiu quem estava com a nota mais alta.
Subiu, tomou a pílula azul enquanto festejavam, e... não adiantou escolher pela nota.
Bambina estava louca para agradecer e recompensar o seu herói, mas sobretudo para se consolar pelo excitamento que o velho amigo lhe despertara, sumiu com ele para o seu quarto, todo forrado de cetins, lantejoulas, abajures com luzes coloridas, cortinas de flores com bambinelas e até ar condicionado.
Despiu-se ao som de um tango, rodopiou à volta da cama, despidona, os silicones acompanhando o ritmo, só com uma echarpe de plumas lilases em volta do pescoço, rebolando o pouco que a sua coluna já meio empedernida lhe permitia, e olhava, glamorosa, nos olhos do seu herói.
Não era o que Giuseppe planejara, mas a pílula estava a fazer efeito e quando chegou o momento agarrou a dançarina, deitou-a na cama cheirosa e florida e avançou. Bambina voava nas alturas da felicidade. Logo ela que tinha milhares de quilômetros percorridos nestas sendas, naquela noite sentia que jamais tinha tido algo tão excitante. Chorava de emoção. Mas não revelou a idade!
Giuseppe fez o que pôde.
O caderninho guardado, para uns dias mais tarde voltar para a escolhida, a da melhor nota que ele tinha ainda anotada.
 
Nota: Esta história foi-me contada aí por 1980, por um policial, o tal, já aposentado, cujo nome guardaria, mas já está esquecido. Estava eu com um cliente a tomar café quando ele chegou com um amigo. Sentaram na nossa mesa e logo lhe pediram para contar a história do spray.
Muito rimos. Ainda perguntei pelo tal vovô. Mas ou estava já velho demais, ou... porque havia uns anos que o tinha perdido de vista.
 

07/04/2014

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

 

Saudade das Gentes de África - 2

 
Falar sobre as Gentes de África, não é só sobre os amigos que lá conheci, e muitos, muitos foram, raros os que ainda são, estão.
Mas recordar, ainda que por breves momentos todos esses e mais aqueles com quem contatámos, nem que fosse uma só vez, e olhar ao que se passa hoje pelo mundo, perto ou longe de nós, logo nos vem à cabeça aquela música do angolano Bonga: “Tenho uma lágrima no canto do olho!”
Quem leu o “Mussulo – Um Abraço à Vela” (escrito em 2006!) talvez se lembre que, quando fomos lançar o livro em Angola, consegui encontrar uns compadres meus, angolanos, que não via há uns quarenta anos! Ele foi motorista da empresa onde trabalhei, um homem simples, humilde e por isso GRANDE, há meio século estava eu já noutra empresa, veio convidar-me para ser padrinho dum filho que acabava de lhe nascer. Fiquei muito sensibilizado e honrado e aceitei de imediato. Fui encontrá-los, ele e a comadre, em 2007. Ele bem doente, ela velhotinha também, mas ainda a trabalhar. Caí nos braços de ambos. Correram lágrimas. Vieram filhos, entre eles o afilhado, e netos, ver este “espécime” tão amigo dos velhotes. Uma das criança sentou no meu colo e não quis sair mais. Saí desse encontro de “marmelo atravessado” sem poder articular uma palavra.
Numa visita que fiz a Libreville, no Gabão, fui convidado para jantar em casa do diretor de um banco do Gabão (nem sei já que banco era) que eu havia recebido em Luanda. Estava ele, a mulher e o pai, gente extremamente atenciosa. Depois do jantar o filhote deles também veio sentar-se no meu colo e quando a mãe o quis levar para dormir ele reagiu.
No Congo, Brazzaville, ao dar um passeio à noite pelos arredores do hotel, entrei num pequeno comércio, onde nunca um branco tinha entrado. Estava cheio com gente a tomar cerveja e animada – sempre – conversa. Ao verem-me entrar todos se calaram. (O que faria aquele branquela por ali?!) Só perguntei se podia beber uma cerveja, que todos disseram sim. Depois vieram meter conversa. Eu ia de Angola, um país em plena guerra colonial o que lhes causou estranheza que eu ali estivesse. A conversa era quase um interrogatório. Todos queriam saber como era a guerra, porque, etc. Devo lá ter estado cerca de uma hora. Bebi duas cervejas e quando perguntei quanto devia não me deixaram pagar! A saída, abraços! (Em Portugal isto era possível? Os portugueses verem um africano entrar num bar e por fim lhe pagarem as bebidas? Não acredito.)
Uma das coisas que me fazia sempre rir era o diálogo com alguém que estivesse a vender alguma coisa. Especialmente com as mamanas, vendedeiras de produtos frescos – legumes, frutas, peixe, etc. – sempre tudo fresquíssimo. Começavam por pedir, por exemplo, 10 angolar eu dizia que era muito caro, oferecia 5, e ficámos um tempinho nessa conversa. Quando elas por fim concordavam com os 5 eu pagava os 10 ! Depois começava a segunda parte do diálogo: como fazê-las aceitar mais do que tínhamos combinado! A minha argumentação só prevalecia quando eu dizia que era para elas beberem um cerveja! Aí, sim, aceitavam e riam muito.
Como eu gostava dessa brincadeira, ao fim de pouco tempo, mal eu aparecia, elas já ficavam a rir! Que beleza.
No extremo oposto, lembro de um mercado que havia em Lisboa, aí por 1980 (?), ali, na av. Fontes Pereira de Melo, ao lado do prédio de Portugal Telecom. A minha mãe morava na Latino Coelho, e eu passei no mercado, vi uns pêssegos lindos e decidi comprar-lhe uns quantos. Peguei num saco e comecei a escolher os que queria. A vendedeira, rasca, faca na liga, linguajar alto e sujo, berra comigo que não podia escolher a fruta. Ela é que escolhia! Loucura! Eu compraria o que ela quisesse!!! É evidente que larguei tudo lhe disse para meter os pêssegos onde ela quisesse e não comprei nem um. Gaja rasca. Disto em África, não havia.
Em 1970 fui para Lourenço Marques – Maputo – diretor comercial da Mac-Mahon, cervejas, Coca-Cola, etc.
O pessoal chamado serventes, que trabalhava nos caminhões de distribuição, era muito mal pago, mal vestidos, com injustiças inadmissíveis. Uma das primeiras preocupações foi arrumar a casa, começando por rever os salários e regalias dessa gente que resultou praticamente em duplicação dos ganhos (assim mesmo muito baixos), sem penalizações por faltas de doença, etc. Poucos dias depois esses homens quiseram falar comigo, e em vez de virem à minha sala (mais ou menos um cubículo envidraçado) mandaram-me uma carta pelo correio! O chefe de vendas que estava há uns anos na companhia, soube logo quem a tinha escrito. Pedi-lhe para saber o que eles queriam. Só uns ajustes nos carros em que trabalhavam. Marcámos então uma tarde, fim do expediente deles, para nos reunirmos. Todos, eram talvez uns 30 ou 40, roupinha lavada, e eu comecei por lhes dizer que a minha sala era “ali” e quem quisesse falar comigo era só dizer. Nada de cartas!. Avançou o “escritor” e disse que havia grandes diferenças entre os que trabalhavam nos carros que mais vendiam e os outros. Foi fácil: por ordem de antiguidade, cada um vai escolher o carro onde quer trabalhar!
Um dos vendedores, branco, vem ter comigo com um servente que tinha já 11 amos de casa, e diz que não quer aquele homem no seu carro!
- Quanto tempo de casa tem você?
- Ano e meio.
- Então fazemos assim: ou este homem, que tem 11 anos de casa, vai para o seu carro ou você vai para a rua. Escolha!
Funcionou perfeitamente. Quando saí da companhia, soube que congeminavam dar-me um presente. Avisei que não aceitava nada, mas fizeram questão de se reunir comigo. Abracei um por um.
Quem sabe um pouco que seja da história de Moçambique sabe que Mouzinho de Albuquerque, o herói que prendeu o Gungunhana, e depois Comissário-Régio, foi durante muitos anos, até mesmo depois de ter morrido, considerado pelo povo moçambicano um herói que eles muito respeitavam.
Outro militar que deixou uma história digna de ser contada a todos, sobretudo em Moçambique também, e de quem já escrevi algumas páginas, foi  João de Azevedo Coutinho. Único branco, finais do século XIX, pacificou mais de 30.000 km2 (o triplo da área de Portugal). Admirado, estimado e respeitado pelas populações locais, muçulmanas, aprendeu a língua árabe porque muita vez foi consultado e nomeado juiz para resolver questões da população!
Convidado pelo mais importante chefe macua, o Rei Macuana, que ouvindo falar dele, e sem jamais ter visto um branco, convidou-o a que o visitasse na sua aldeia. Preparou-lhe casa especial, e depois de o ter recebido com todas as deferências, ainda lhe pediu que o aliviasse de 39 esposas que ele tinha a mais!
Só mais uma vivência, em Luanda, aí por 1963. Nessa altura já tinha lido muitos livros de um autor angolano, que sempre apreciei e considerei muito, Óscar Ribas, filho de pai português e mãe angolana, que nessa altura teria uns 50 e poucos anos. Por causa de uma doença grave cegara aos 36, e foram os irmãos que passaram a escrever o que ele lhes ditava.
Conheci um dos irmãos e manifestei o meu interesse em visitar o escritor. Convidaram-me para ir um domingo almoçar com a família. Um família tipicamente angolana, com a mãe ainda viva. Foram de uma gentileza impagável. Estive muito tempo conversando com o escritor, a saborear grande parte do seu saber e sobretudo da sua simpatiquíssima simplicidade. Nunca esqueci, tenho oito ou dez livros dele, que já li e reli muita vez. Ainda agora estou com mais um nas mãos.
Não há muito mais que possa dizer da “minha” África, a não ser que a saudade é muito grande.
Vou terminar com duas citações do livro “Mussulo- Um Abraço à Vela”, de 2006, A primeira do prefácio, do meu amigo “Nauta por ofício, Amante de África”, comandante da Marinha que viveu um pouco em Moçambique integrado numa missão da ONU.
- A África é um mundo diferente de tudo a que estamos acostumados a ver, ouvir e principalmente sentir. Na África ainda se pode encontrar a simplicidade perdida das relações humanas do nosso mundo tão civilizado. Não há um ser humano digno deste nome que não se torne de novo criança ao defrontar-se com este povo.”
Outra, uma mensagem que nesse livro deixei para os angolanos, sofridos pelas guerras e pelo descaso e vergonha dos governos (desgovernos) que têm tido:

                                   Não percam, jamais, a esperança.
Nem esqueçam que esperança não é plano de vida.
Há que planejar o futuro, já hoje, para todos.
Sempre com toda a esperança e muito entusiasmo.

E por último a frase com que fechou a apresentação do livro, em Luanda, o filho de amigo que eu conhecera, companheiro de caçadas, José Batista Borges:
Para que fique registado na história dos nossos dois países (Brasil e Angola) que a saudade de um abraço só pode ser diluída, com um outro abraço de saudade!
 
N.- Entusiasmo vem do grego e significa transporte divino, exaltação sob inspiração divina.  Como concretizou o americano Ralph Waldo Emerson (1803 -1882) quando disse “Nada de grande jamais foi feito sem entusiasmo.”
 
02/10/2020