sexta-feira, 22 de abril de 2022

 

ENCONTROS INUSITADOS - 2


Há dois anos escrevi sobre uma série de Encontros Fortuitos e Afortunados, em que relatava também um célebre Encontro com Cristo que aconteceu em 2005, deixando ainda muitos “encontros” para mais tarde. Os que se seguem e por isso levam o número “2”, são o que a famigerada pandemia me fez adiar dispersando ideias menos contrárias à boa mente e corpo!

São histórias da minha vida, aliás, passagens, que um pouco além de curiosas, as que vou contar são todas, exceto duas desagradáveis, muito gratificantes e daí terem ficado na memória. E é agradável relembrar, mais ainda que o meu crepúsculo vai evidenciando a chegada do repouso.

Encontrar, de repente, sem esperar, um conhecido, melhor ainda quando um amigo, ao fim de dez, vinte ou até mais de meio século, são momentos especiais,

Foram muitos, que nos proporcionaram momentos de imensa alegria. Não posso contar todos de uma fornada, mas vou contando.

1,- O mais antigo desses encontros, e o único brutal, que o meu arquivo craneano me lembra, teria eu uns seis anos. Regressara a família do Porto, onde viveu uns seis ou sete, e em Lisboa fui para a escola, o velho, vetusto Colégio de Clenardo, que nesse tempo estava instalado no Lumiar, num antigo palácio, ao lado dos estúdios cinematográficos da Tobi. (Por cima do muro espreitávamos para ver cenas a serem filmadas!

Cheguei alguns dias atrasados e foi-me indicada uma carteira lá bem atrás dos outros alunos, em princípio todos desconhecidos.

Mas de repente há um coleguinha que olha lá da frente para mim, acena-me discretamente, e eu conhecia-o! Eu passava as férias de verão em Sintra, na quinta dos meus avós. Foi uma alegria enorme que manifestei como costumam fazer os “homens” de seis anos: ri-me e acenei-lhe sem cerimónias. Hoje penso que seria o meu, ainda querido amigo Carlos Mariano de Carvalho que acabei de visitar em Madrid. Será?

O professor, um monstro sauriano, não gostou do meu “desrespeito” à disciplina, avança para mim, dá-me uma violenta chapada na cara que me atirou ao chão. Valente macho! Derrubar uma criança de seis anos. Não é difícil imaginar a raiva que me ficou a essa besta pelo resto da vida.

Era o tempo da chapada, da menina de 5 olhos com que nos esborrachavam as mãos, tudo “normal”! Felizmente não levou muito tempo a que essa prática fosse abolida.

Este o mais antigo encontro... e de covarde memória!

2.- 1954, aí vou eu, só, solito, super saudoso da gatinha com quem havia acabado de casar nem duas semanas fazia, e que só voltaria a ver e nos juntarmos quase três meses mais tarde, no navio Moçambique a caminho de Angola. Primeira escala na Ilha da Madeira, Funchal.

Sozinho, desci do navio e fui a pé, dar um giro pelo centro da cidade – não tinha dinheiro nem tempo para me afastar - andando descontraído numa daquelas estreitas ruas quase choco de frente com um amigo de infância que não via há nem sei quantos anos, com quem mais tarde em Angola firmamos uma amizade que dura eternidade. O Zé Perestrello!

Espanto, alguns momentos de conversa, ele estava a trabalhar naquela linda terra, e regresso ao navio, encantado com o encontro.

3.- 1941 - 1957. Quando, bem menino entrei para o Liceu, com um dos colegas que lá fui conhecer, mais velho quatro anos do que eu, nasceu uma empatia natural nos tornou amigos. Nossos pais, colegas, eram também amigos de há muito. Não tardou a que ele entrasse para o Instituto de Agronomia enquanto eu fazia besteira, era expulso do liceu, e fui depois para Évora, e assim perdemo-nos de vista.

Anos mais tarde, 1957 fui chamado à Administração da Cuca, em Lisboa. Precisavam de técnicos porque em Angola não só alguns técnicos tinham virado as costas, como estava em andamento a construção de uma nova fábrica em Nova Lisboa.

A conversa, com o João Matos Chaves, secretário da Administração, de quem me tornei grande amigo, terminou dizendo-me que estava contratado. Eu e mais dois agrónomos. Um, António Melícias, que eu não conhecia de lado nenhum (e que tornou um querido irmão) e o Alfredo Figueiredo. Alfredo Figueiredo??? Esse nome dizia-me qualquer coisa, mas não recordava bem quem era nem de onde o conhecia. E fiquei com aquele nome a martelar-me a cabeça.

Uns dias depois, no Terreiro do Paço, muita gente circulando debaixo daquelas arcadas, vou eu sentido Nascente-Poente quando vejo alguém, a uns 30 ou 40 metros caminhando em sentido contrário, e que, de mão levantada, gritava pelo nome: “OH! Chico”! Era o Alfredo! Caímos nos braços um do outro, entrámos na antiga e ótima cervejaria “Martinho da Arcada” e ali fomos pôr as nossas vidas em dia! Ambos já casados, cada um com dois filhos e íamos trabalhar juntos. Foi uma alegria, e a família Figueiredo mora nos nossos corações até… sempre. Grande Alfredo! Um homem bom, amigo, com uma família sensacional.

1963 – Era Comandante Chefe das Forças Armadas de Angola o General Francisco Holbeche Fino, a quem um dia fui pedir que me dissesse o que se passava com o Manuel Vinhas, administrador da Cuca que estava, em Lisboa, sob o idiota controle da PIDE.

O simpático general, recebeu-me com muita simpatia, de nada sabia, mas aproveitei para uma pequena troca de conversa.

Estava ele já no final da comissão e uma noite, à entrada do Hotel Continental, em Luanda, vejo-o a entrar para o seu carro, junto com a esposa, D. Ester, e como me cruzei com eles fui cumprimentar o senhor.

D. Ester, que eu jamais havia visto, perguntou como eu me chamava, - Francisco Amorim - e ela logo perguntou:

- Era da família da D. Aurélia Gomes de Amorim?

- !!! Era a minha avó. A senhora conheceu-a?

- Quando era jovem visitei-a várias vezes.

Estávamos em 1963, e a minha avó tinha falecido 10 anos antes, com 86 anos e a D. Ester teria, quando muito uns 60 ou 61, portanto mais nova da que a minha vovózinha uns 35 anos.

Muito simpática, a senhora logo sumiu com o general e nunca mais vi tal gente, mas achei sensacional ela, só por ter ouvido o meu sobrenome ter “acertado” na minha avó!

No mínimo inusitado e curioso.

1963 – Estava a trabalhar na Cuca, em Luanda, e fora decidido fazer uma prospecção comercial na África do Sul. País grande e rico, só com uma empresa cervejeira (hoje um dos maiores grupos do mundo).

- Comecei por Johanesburgo, onde procurei o apoio do nosso consul, na altura o Pedro Pinto, casado com uma irmã do José Perestrello que, apesar de meia dúzia de anos mais velha do que eu, conhecia muito bem desde criança.

O Consul Pedro Pinto foi impecável, arranjou-me contatos importantes, que perspetivava uma importante e profícua colaboração, só que nada depois se concretizou por… razões do poder hierárquico, que decidiu assumir o possível negócio em troca de…

Esquece. O resto são passagens mais ou menos desagradáveis e não é caso para lavar roupa suja.

- De Johanesburgo fui para Durban. O consul era outro irmão do Zé Perestrello, o Bartolomeu, amigo de infância, casado com uma das jovens que fizeram parte do grande grupo de amigos que veraneavam em Sintra e se juntavam no Parque Valenças (foi oferecido à Câmara pelo Marquês de Valença para ser um parque público, lindo, mas o desgracento vintecincobarraquatro mudou-lhe o nome para Parque da Liberdade, liberdade que lá dentro se vivia na totalidade. Políticas sujas e covardes). Estávamos em Durban, o casal foi mais do que amável, levaram-me para conhecer o que havia de interesse e uma das noites ainda juntaram um grupo de amigos para despedida! Nunca mais os vi, e soube que tiveram um fim muito triste.

O negócio previsto estava baseado no contato de Johanesburgo, empresa com filiais em todo o território e ainda na Zâmbia, de modo que em Durban nada mais fiz além de cumprimentar o gerente local dessa empresa e trocar com ele algumas ideias.

- Em Cape Town seria uma repetição de Durban, e sempre procurando o apoio do consul, cujo nome esqueci e vagamente tenho ideia de que seria Reno, que me recebeu e diz-me:

- Quem o conhece bem é a minha mulher!

Senti-me um tanto constrangido, apesar de nada me pesar na consciência, e quando ele disse quem ela era, lembrei muito bem. Tinha sido companheira da minha cunhada num dos primeiros cursos para hospedeiras (aero moças) da TAP, e como ficaram amigas esse conhecimento chegou até mim. Convidou-me para jantar em sua casa, mas relativamente a negócios nada havia que valesse a pena tentar.

Quando me dirigia, a pé para o escritório, sempre da mesma empresa de JHB, encontrei um ambulante a vender um frutos meio avermelhados, casca rugosa, aí com uns 3 cms. de comprimento, que eu nunca tinha visto. Parei a observar, perguntei-lhe o que era, deu-me um para experimentar e… achei uma delícia.

Fez um pequeno embrulho em papel de jornal, com razoável quantidade deles, paguei e segui para a entrevista.

Entrar num escritório, todo organizado, com um embrulho de frutos na mão não era o que se esperava, mas tive que lhes dizer que aquilo era uma muito agradável surpresa para mim e tive medo de, à saída, não encontrar o vendedor. Foi motivo de descontração e boa troca de ideias.

Mas à saída o homem ainda lá estava e eu comprei todas as magníficas frutinhas que ele ainda tinha!

- De regresso a Luanda ainda passei em Windhoek onde fiquei uma noite e, Ó gente!, encontrei, na rua o consul de Portugal. Fez-me uma simpática manifestação, e eu sem o reconhecer. Disse-me então que fora eu que o recebera mais uns quantos visitantes da Namíbia (na altura Sudoeste Africano) quando em Luanda tinha ido visitar a Cuca!

Coincidências curiosas e uma viagem consulada !

Chego finalmente a casa, princípios de Dezembro, e o “presente” para toda a família – eram já cinco filhos – foram aquelas frutinhas que fizeram as delícias de todos: LICHIAS!

Creio que ninguém em Angola conhecia tal raridade, que só voltámos a comer no Brasil.

- Ainda na mesma viagem encontro por acaso em Johanesburgo um sul-africano conhecido, John Adams, que já tinha ido a Luanda várias vezes para vender as caixas de papelão para as garrafas de cerveja. Homem grande, gordinho, simpático, falador, fomos beber uma cerveja, e aí me disse que iria em breve a Luanda para assinar contrato com uma empresa local para montarem uma fábrica do papelão!

Eu disse-lhe logo:

- Não vai, não. Vai fazer essa fábrica de sociedade com a Cuca.

Admirou-se e alegrou-se.

- Será que a Cuca está interessada?

- Evidente. Somos os principais clientes. Ao chegar a Luanda peça para falar com a Administração. Vou alertá-los.

E foi assim que a Cuca ficou alargou o seu parque industrial.

Mais contatos, em breve.


21/04/22

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