quinta-feira, 6 de maio de 2021

 

Os velhos Amigos que vão descansando

 

1961 – No último dia do ano, último dia de caça, que a seguir entrava o defeso, com o grande Zé Neto, fomos dar uma volta pelos arredores de Luanda. Caçámos um belo e velho antílope, macho solitário, sempre com carne saborosíssima.

Dia 4 de Janeiro, batizado de um dos nossos filhos. O João. Uns quantos amigos se juntaram e ficaram para à noite comermos uma das pernas do dito antílope, cozinhado pelo grande cozinheiro Miguel – que um dia teve que ser dispensado porque, por vezes bebia o vinho que sempre estava arrumado na cozinha, para eu beber e para os cozinhados, e “esquecia-se” de fazer o almoço para as crianças (e já eram cinco) – grande Miguel, do alto do seu metro e cinquenta, e no máximo uns quarenta quilos de peso, sob orientação técnica dum belo livrinho de receitas que até hoje a dona da casa religiosamente guarda, esmerava-se no fogão.

A cena era simples. Miguel ar compenetrado e atento, perfilava-se para ouvir a dona da casa, que abria o livrinho, discursava a receita, uma vez só, e no fim perguntava:

 - Miguel! Você ficou a saber? Não esqueceu nada?

 - Sim, senhora. Não esqueceu.

E partia para a lide.

Pois a perna do bicho ficou uma delícia.

No fim do jantar, num lado da sala, uma mesa de canasta para as senhoras e na varanda outra de bridge para os homens. Esta teve nesse dia a personagem que operou o batismo. O padre António... (?), bon vivant, frequentador da alta sociedade, e... metido a esperto.

Seu parceiro numa das mãos, um primo, sempre alegre, ótimo companheiro. Não era nenhum campeão de bridge, mesmo sendo muito melhor do que eu.

Começaram a perder, porque a dupla Zé Neto e Fernando Fezas jogavam a sério.

Padre António, irritado por estar a perder, começa a dar sentenças: “em vez de jogar a Dama você devia ter jogado o Valete.” Pouco depois ao darem as vozes de marcação: “Em vez de três ouros devia ter marcado Três Sem Trunfo”, e outras semelhantes.

E continuou a encher o saco do parceiro que de repente, já saturado, vira-se para ele e diz:

 - Ó padre António, váberdamerda!”

E logo a seguir solta uma daquelas suas gargalhadas, contagiosas, que só ele dava, deixando todo o mundo à gargalhada também!

O padre António engoliu.

Um copo à tua forte saúde de quase 95 anos. Medalhista Olímpico de vela em Helsínquia, 1952.

Meu primo Francisco Rebelo de Andrade. O Xico d’Água! E a Gracinha Sousa Coutinho (Funchal) querida amiga de muitos anos



*       *       *        *       *

Há três anos comecei a escrever sobre Os Meus Amigos. Quase todos tinham já “ido” e era só este que primo “teimava” em permanecer entre nós, sempre com uma boa disposição contagiante. A companheira, e muito querida amiga de infância, já tinha partido para o descanso eterno em 2007, depois de ter passado os últimos tempos com um mal incurável. E escrevi o que está acima.


Chegou agora a vez dele. 97 anos muito vividos e muito partilhados. Adormeceu, tranquilo, e foi-se em Paz. Deixou uma saudade grande mas a sensação de todos os anos que passou entre nós, e foram muitos, nos enriqueceu.

Descansa em Paz meu querido primo e amigo. Podes ter a certeza que não te esqueceremos.

 

06/05/2021

Um comentário:

  1. Maria da Graça Rebelo de Andrade1 de junho de 2021 às 19:29

    Querido Tio... estou mesmo a ver o Pai, ah ah ah! Nao conhecia esta história (nem tinha lido este seu texto em homenagem à Mãe e Pai). Um grande beijinho com saudades. Até breve ;)

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