África
Vida Vivida
Quando
dizíamos à nossa primeira neta para ela “puxar pela cabeça”, ela tentava, com
as mãos, puxar a cabeça para cima!
Agora
sou eu que puxo pela cabeça para ver o que ainda lá dentro encontro de
historinhas “daquele tempo”, quando o mundo girava à nossa volta, visto que
agora somos nós que giramos à volta da canalhice institucionalizada!
Eram
bons tempos? Eram, sim, sem dúvida.
Sem
computadores, internet, desenfreada especulação financeira, os povos
primitivos, alguns, ainda felizes e sem fome, ignorados pelos “simpáticos”
exploradores/cooperantes, havia alguns resquícios de escravidão, como hoje
continuam, enfim, mas quer parecer que havia mais respeito, mais ética, mais
hombridade nas relações, individuais e mundiais.
Mas
vamos às historinhas.
A
primeira galinha “à cafreal”!
Chegado
a Angola, Luanda, começo de agosto de 1954, quinze dias depois fui levado pelo
meu colega, e chefe (!), a uma volta pelo interior para conhecer e me acostumar
àquela terra.
Primeira
visita na Quibala.
Uns
irmãos, transmontanos, cujo nome já estão fora do meu arquivo cerebral, estavam
a montar, ou organizar, uma fazenda. O mais novo assumiu essa tarefa enquanto
os dois mais velhos continuavam a trabalhar para arranjarem o necessário
dinheiro. A visita baseava-se numa consulta para a compra de um trator, e
implicava uma demonstração.
1954 – Com o Soba da Quibala
De
manhã, trator a postos, um pouco de terreno arado, discussão sobre os mais
indicados implementos, condições de pagamento e outros assuntos chatos, chegou entretanto
o meio dia e todos com os estômagos a reclamar.
O
preposto cliente tinha um único ajudante angolano para as todas tarefas
necessárias, inclusive cozinhar. Era o Lisboa.
Enquanto
o fazendeiro foi à “cidade” buscar uns garrafões de vinho, o meu chefe e eu
ficámos a colaborar com o “mestre” Lisboa para apanhar uma das muitas galinhas
que já ali criavam, à solta. Foi uma festa! O Lisboa fazia de goleiro enquanto
nós corríamos atrás delas e as encaminhávamos para que ele as apanhasse. Lisboa
voava, mas as ladinas aves sempre “metiam” gol. Eu já chorava de tanto rir,
quando finalmente ele cai em cima de uma penosa, mete-lhe a indispensável faca
na goela, depena-a e começa a assar, sempre com um punhado de penas na mão, que
mergulhava num copo cheio de gindungo (piripiri) e pincelava a dita.
Entretanto
o fazendeiro chegara com o vinho, fomo-nos sentar dentro da cubata improvisada,
mas que, à boa moda transmontana, tinha pendurado do teto um magnífico
presunto! Talvez até de Chaves.
Lisboa
junto ao lume virando e pincelando a galinha, e nós, confortavelmente sentados
em caixotes ou pedaços de árvores, cortando pequenas lascas do presunto, uns
pedaços de pão (bom) e bebendo uns tragos.
Chegou
a galinha! Linda. Gorda. Bem assada. Rapidamente destroçada e dividida, parte
entregue ao artista da cozinha, e vá de saborear aquela maravilha.
O
gindungo fora generosamente aplicado. As beiças ardiam desde perto do nariz até
quase ao queixo, como se fossem elas que tivessem estado no fogo. O vinho,
tinto de garrafão de capacete, num instante secou.
Já
não lembro se o meu chefe fechou negócio. O Norte de Angola era área dele. A
minha ficou o Sul.
Mas
o que até hoje lembro com uma saudade imensa é do Lisboa e da galinha. A melhor
galinha que comi em toda a minha vida!
* * *
O
meu “ajudante”.
Na
Lusolanda, o meu primeiro trabalho em Angola, em Benguela (terra de tanta
saudade), eu era o responsável pelo departamento de máquinas agrícola na metade
sul de Angola.
Na
loja, que incluía, no stand de vendas, o meu lugar de trabalho (mesa e um
pequeno armário com catálogos e arquivos), depósito de peças lá atrás e mais um
pátio para outras máquinas e caixotes ainda por abrir, além de mim, agora
“chefe”, trabalhava o encarregado do depósito, o Mário Brás, um pseudo
comunista, que me divertia em filosofias e discussões políticas, e o ajudante, António,
super humilde, atencioso, sempre pronto a atender qualquer pedido que lhe
fizesse.
O António (ao fundo, a minha mesa e
a estante)
Volta
e meia precisava duma ferramenta, chamava o António, e dizia:
-
Vai lá dentro e traz-me...
Não
tinha tempo de dizer o resto. António, prestimoso, corria lá dentro para ir
buscar... o que?
Apanhava
a primeira coisa que lhe viesse à mão, e voltava então, ar envergonhado, mãos
atrás das costas, segurando qualquer objeto! Eu tentava ver o que ele trazia e
quando descobria, dizia-lhe
-
António: você nem ouviu o que disse “Eu queria um martelo!”
António,
sorrindo, feliz, mostrava então que tinha trazido “o” martelo! Mas não era o
que eu precisava.
-
Muito bem. Agora escuta e não vai embora. Traz-me um alicate (ou qualquer outra
coisa).
Vapt,
vupt, António em poucos segundos estava de volta com o requerido alicate!
Esta
cena repetiu-se inúmeras vezes, mas o António nunca deixou de querer resolver
tudo a correr.
António,
secretário particular
Os
primeiros quase três meses em África, vivi-os “solteiro”. Já casado, tive que para
lá seguir sozinho porque nos planos da empresa havia, além de uma estadia de
duas semanas na África do Sul, num estágio na fábrica da Massey-Harris em
Vereeniging, cerca de 50 kms a sul de Johannesburg, e percorrer parte do
interior de me estava atribuído, para começar a conhecer o país, e, óbvio,
alguns agricultores.
De
Portugal levara uns quantos móveis, tinha alugado casa, que fui montando com a
ajuda do “secretário particular” que nas minhas ausências dormia lá para “tomar
conta”.
Estando
em Benguela o programa era simples. No fim do dia de trabalho, montava na minha
bicicleta, António sentado no quadro e lá íamos até casa.
À
noite saíamos, na mesma condição veicular, levava o António até perto da casa
dele e eu ia jantar.
O “chefe”, sua viatura (de dois
lugares e um “cavalo” de força)
e a casa alugada (o andar de cima – ótimo!)
Uma
noite, cortando caminho por ruas pouco frequentadas (eram todas assim, mas...)
o farol da bicicleta aceso, surge no meio da rua uma cobra! Imensa! Aí com um
metro e pouco? Talvez. António saltou logo fora e afastou-se como se tivesse
visto o demo! Eu aproximei-me com a bicicleta. Consegui pôr-lhe a roda da
frente em cima, atrás da cabeça, e... e depois? Ah! E depois disse ao António
para arranjar alguma coisa, um pau, por exemplo, para matar a dita e
aterrorizante serpente, que ninguém sabia se era venenosa ou não!
António
lá encontrou a conveniente arma, mas não era capaz de se aproximar!
Naquele
tempo o traje para andar em África era simples: calção e bota grossa, daquelas
que se ensebavam com sebo de carneiro... e eram magníficas. Como a cabeça da
bichinha estava imobilizada não foi difícil resolver o “perigo” com uma forte
pisadela.
Só
então, e depois de atirarmos o cadáver para um canto, António se aproximou, entrou
no seu lugar na “viatura” e seguiu até casa!
Ainda
tem outra história com o António, já contada no meu livro “Se as minhas Imbambas falassem”, escrito entre 1999 e 2000, mas vou
deixar para a próxima!
17/10/2016
Sempre tão giras as suas histórias, venham mais bjs
ResponderExcluirMAIS HISTORINHAS...
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