Era uma vez...
Cabo Verde - 1991
Ainda
com a empresa espanhola de projetos – GEIPEX –uma ida a Cabo Verde.
Avião
aterra no Sal, uma ilha com uns 27 km. de comprido e até de 10 no mais largo,
altitude (?) máxima de cerca de 40 metros, onde se situa o aeroporto.
Sensação
à chegada: deserto, céu e mar lindos, gente atenciosa, tudo plano, temperatura
agradável. Pouco depois entrada no avião de hélice para nos levar à capital,
cidade da Praia na ilha de Santiago, em menos de uma hora.
à
minha espera um conhecido (ou colaborador) do Grupo Pão de Açúcar, cujo nome já
ficou para trás da memória, mas que todo o tempo foi de uma inexcedível
gentileza e a quem até hoje recordo com gratidão e simpatia.
Uma
rápida volta pela cidade, incluindo a passagem frente à estátua de Serpa Pinto,
o grande oficial português que governou Cabo Verde entre 1894 e 1897, o que me
deixou agradavelmente surpreso, e depois um descanso no hotel, simpático, numa localização
magnífica e que creio será hoje o Hotel Praia Mar.
No
dia seguinte começou com uma visita ao mercado, um espetáculo de animação e
colorido, sempre rostos com sorrisos cativantes, e depois uma rápida volta pelo
interior, quase todo seco, vermelho que verdece rapidamente com qualquer
chuvinha que caia, o que é raro, e marcação de entrevista com o Ministro da
Agricultura.
Aproveitámos
ainda o tempo para ir ver a Cidade Velha, o primeiro estabelecimento dos portugueses
quando se instalaram na ilha. Ainda lá está um lindo pelourinho e as ruinas da
antiga catedral. Mas como tudo, ou quase, em Cabo Verde são lugares em que
apetece ficar a viver!
Aquele
mar...
A
conversa com o ministro não levou a lugar algum no que respeita a projetos de
desenvolvimento. O grande problema de quase todas as ilhas de Cabo Verde é a
falta de água, de chuva. Cai, por vezes em dois ou três dias o que deveria cair
em um mês ou mais, e lá vai ela correndo encosta abaixo lavando e erosionando
tudo à sua passagem. Alguns, raros vales, retém um pouco dessa preciosa água, e
assim o grande problema seria poder-se represar essa água. Onde? Difícil, e
além disso o índice de evaporação naquele clima quente e seco é altíssimo. O
ideal seria poder armazená-la em túneis dentro das montanhas, mas como o ótimo
é inimigo do bom, o custo tornaria a obra impensável.
Nessa
época Cabo Verde vivia muito de remessas de imigrantes sobretudo dos EUA e da
Europa. Uma boa fonte de divisas.
Uma
das coisas que disse ao ministro foi que deviam lamentar terem-se tornado
independes, pior, junto com a Guiné, porque poderiam ter optado pelo mesmo
estatuto do Açores e desse modo estariam integrados na UE.
Fez
um ar espantado! E insisti:
-
O que Cabo Verde tem a ver com África?
-
Essa agora! Nós somos africanos! (O ministro era de pele escura)
-
Do mesmo modo que há africanos em Portugal, na Europa e nos EUA. O que Cabo
Verde tem a ver por exemplo, com a Guiné?
-
Somos o mesmo povo!
-
Sr. Ministro, o mesmo povo? Aqui tem gente loura, de olhos azuis, a maioria é
mestiçada, com tons de pele do mais claro ao mais escuro e alguns africanos. E
a Guiné?
-
!!!!
-
E quantas etnias há em Cavo Verde?
-
Etnias?
-
Sim. Porque na Guiné são dezenas, e aqui, que eu saiba são todos caboverdeanos!
-
Quantos dialetos há na Guiné?
-
Isso é verdade. Muitos.
-
Dezenas, e muitos não se entendem entre si. E aqui? Fala-se o português e o
crioulo, e todos se entendem perfeitamente. Em Portugal um alentejano também
tem dificuldades em falar com um ilhéu dos Açores, mas são todos o mesmo povo.
-
E para terminar: religiões, quantas há na Guiné? Cristãos, muçulmanos na
maioria, e animistas de vária ordem. E aqui? Cristãos e possivelmente alguns pagãos.
Agora diga-me o que Cabo Verde tem a ver com a Guiné, com África? Está perto?
O
ministro deu-se por vencido e deve ter ficado a matutar que teria sido melhor
terem ficado como os Açores. Agora era tarde.
Negócio,
projetos do governo, nada!
Pouco
ou nada tendo para fazer, depois de falar com mais um ou dois membros do
governo, soube que havia um campo de golf. O meu “cicerone”, amável, conhecia
um dos sócios que se prontificou a autorizar-me a ir jogar um pouco e
emprestar-me os tacos. Perto da Praia, uns pouco minutos.
Campo
de golf... num semideserto, os “fairway” secos, de terra muito batida, gente a
atravessar por todo o lado ao ponto de eu ver um bola que acabara de jogar voar
em direção a uma mulher que levava uma bilha de água na cabeça! Passou-lhe a
escassos centímetros atrás da cabeça e, ou ela não deu por isso ou já estava
habituada. Eu é que levei um susto!
Mas
foi uma novidade. Já tinha jogado golf (sempre mal, claro) em campos verdes com
“greens” verdinhos, em Portugal, campos castanhos e “greens” castanhos em
Luanda, e agora estava ali a jogar em campos amarelados e greens pretos! Os
“greens” eram de terra vulcânica, completamente preta e a bola ali não corria.
Cheguei algumas vezes bem perto do buraco, mas fazer a bola andar mais um metro
ou dois foi um sufoco! De qualquer modo guardo um palmarés que deve ser raro: joguei
em campos de greens verdes, castanhos e pretos!
Sexta
feira, para despedida o meu guia, junto com a mulher, levou-me a visitar o
famigerado Tarrafal, onde a PIDE “guardou” durante anos sem fim inúmeros
opositores ao regime salazarista e colonialista.
Está
lá até hoje, mas é triste ver e pensar na estupidez das ditaduras.
Almoçámos,
muito bem, num restaurante ali junto à praia, e como o meu amigo tinha sempre
feito questão de não me deixar pagar nada, antes de terminarmos a refeição fui
falar com o dono e dei-lhe logo o dinheiro da despesa. O que fui fazer! Meu
Deus! O casal ficou ofendidíssimo, levou-me de volta ao hotel e não me quis ver
mais. Achou que eu lhe tinha feito uma grave ofensa!
O
voo de Regresso a Lisboa seria só domingo à tarde, e nada mais havendo a fazer na
Praia, decidi passar o último dia, sábado, na ilha do Sal, num hotel magnifico,
o Morabeza, na praia de Santa Maria, mesmo na ponta sul da Ilha.
Cheguei
ao fim da tarde de sexta feira e... não havia quartos! Mas o gerente lá se
mexeu e acabou por encontrar um bangalô. Era assim o hotel: Uma área “social”,
com restaurante e bar, outro restaurante na praia, no meio da areia, e depois
uma porção de bangalôs independentes pela paria fora. Uma maravilha.
Temperatura
ideal, ventinho agradável durante a noite (não havia ar condicionado!), uma
praia sem fim, águas a 24-25°, enfim um paraíso. Os hóspedes quase todos
belgas. Toda a semana chegava um avião de Bruxelas e trocava os turistas! Aliás
o hotel era ou tinha sido de um casal belga.
Quando
ele se aposentou comprou um rebocador de alto mar, adaptou-o para nele viver
com a mulher e correr mundo, mas quando chegou àquela praia, no Sal, não saiu
mais. Construiu uma casa grande e vivia a convidar amigos para lá irem passar
férias.
A
SAA – South African Airways – ainda no tempo do apartheid não estava autorizada
a sobrevoar os países já independentes, tendo que contornar o continente
africano, e com esse desvio os aviões não tinham autonomia para chegar à
Europa. Encontraram uma solução ideal: propuseram ao tal belga que construísse
mais uns quantos quartos que a SAA lhes garantiria a ocupação deixando sempre lá
uma tripulação para revezar outra. Assim, parece, terá nascido aquele
esplêndido hotel.
Os
hóspedes, enquanto lá estive (dormi duas noites!) não se preocupavam muito com
pudor. Vi pelo menos duas hóspedas ( que pareciam de muito belo aspeto físico) trocando
de roupa, com a porta para a praia toda aberta... para ventilar. A vista era
imperdível. Vista para o mar, enquanto elas ventilavam tudo com perfeição!
Quando
chegou a altura da partida, não consegui pagar a conta: não lhes interessavam
cheques nem tinham cartão de crédito. Não houve problema: deram-me a fatura e
indicaram-me quem devia contatar e pagar em Lisboa. O que eu fiz, o que é que
pensam?
Mais
umas palavrinhas sobre Cabo Verde: naquela altura vida barata e a minha comida
com uma ou outra exceção foi camarão e lagosta. Todo o tempo. E vinho. Português.
Óbvio.
Gostaria
de lá voltar, mas vou ter que deixar os sonhos tomarem conta dessa outra
viagem.
09/05/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário